O que já mudou na seleção com Fernando Diniz – e o que pode melhorar
Foram só dois jogos e quatro dias de treino, mas marcas claras do estilo do treinador já foram vistas na goleada contra a Bolívia e na difícil vitória sobre o Peru
Depois da empolgação com os 5 a 1 sobre a frágil Bolívia na estreia e as dificuldades na vitória por 1 a 0 sobre o Peru na segunda rodada das Eliminatórias, Fernando Diniz já experimentou em apenas dois jogos o que é ser treinador da seleção: expectativas lá no alto, muitas vezes descabidas, e um senso de decepção quando o Brasil não atropela todo e qualquer adversário. A verdade é que o trabalho de seis anos de Tite deu ao time uma consistência rara de ser vista em seleções, fazendo jogos complicados como o de Lima parecerem muitas vezes fáceis e controlados. É injusto cobrar de Diniz o mesmo desempenho tão cedo. O que se pode fazer é observar para qual rumo o novo treinador está tentando levar a equipe e o que está buscando implantar.
Com Diniz, essa tarefa é relativamente simples, já que o treinador carrega um estilo de jogo bem marcante. Ele também costuma fazer seus times jogarem à sua maneira rapidamente, e muito disso já pôde ser notado nas duas partidas da seleção. Claro que o aperfeiçoamento do modelo de jogo só vem com treino e repetição, mas as ideias principais já estavam lá. Então, quais foram as principais mudanças em relação ao ciclo anterior?
Saída de bola
Tanto Tite quanto Diniz buscam sempre fazer uma saída limpa, com passes curtos pelo chão, superando a pressão adversária com trocas rápidas e usando o goleiro para criar vantagens. A diferença está na estrutura. Com Tite, o lateral-direito muitas vezes centralizava para ficar ao lado de Casemiro, como um volante, enquanto o lateral-esquerdo se alinhava aos zagueiros. A partir desse posicionamento inicial, o time tentava criar linhas de passe para acionar o quinteto ofensivo.
Já Diniz mostrou os mesmos mecanismos que usa no Fluminense: contra a Bolívia, que se retrancou em vez de pressionar na frente, o Brasil recuou Casemiro para fazer a saída com os zagueiros, avançou bastante os laterais e teve muita movimentação dos meio-campistas por dentro – algo parecido com o que o Flu fez contra o Olimpia no Maracanã recentemente. A seleção não teve dificuldade para avançar a bola e chegar ao ataque, muito pela marcação frouxa e espaçada dos bolivianos.
Já contra o Peru, que tentou marcar em cima a saída brasileira, apareceram problemas. A ideia foi abrir os laterais e trocar passes na linha defensiva para atrair a pressão, mas os peruanos fecharam bem as linhas de passe e travaram o Brasil. Casemiro mostrou dificuldade quando pressionado, e o gramado também não ajudou. As melhores saídas foram quando Ederson conseguiu passes diretos para os volantes ou Neymar, quebrando a primeira linha de pressão do Peru. O time também tentou acumular jogadores no mesmo lado do campo e progredir com tabelas curtas no mesmo corredor, algo que o Fluminense faz de olhos fechados, mas isso não fluiu tão bem. É algo que demanda mais treino e familiarização.
Forma de atacar
Outra marca registrada de Diniz é a preferência por um jogo ofensivo de mais aproximação, muitas vezes até formando quase uma “roda de bobinho” em um dos cantos do campo, com muitos jogadores perto da bola buscando escapar com tabelas rápidas. A liberdade de movimentação é grande e os atletas podem buscar o setor da bola o tempo todo. Já Tite preferia um ataque mais posicional, ou seja: jogadores distribuídos no campo com a ideia de ocupar alguns espaços predeterminados, com a movimentação mais restrita ao setor de cada um.
Curiosamente, os melhores momentos do Brasil contra a Bolívia vieram quando o time não se aproximou tanto assim. Contra uma retranca, as inversões para jogadores abertos do outro lado do campo funcionaram muito bem. Raphinha, em particular, é um ponta muito mais confortável recebendo aberto, com o corpo de frente, para tentar a jogada individual ou o cruzamento, do que centralizando e recebendo de costas, pressionado. Nos dois jogos, ele brilhou quando se manteve aberto na ponta e acumulou erros quando tentou jogar por dentro. Já Rodrygo tem mais facilidade para fazer essa movimentação. E Neymar, assim como era com Tite, é o jogador mais livre, às vezes até voltando para receber dos zagueiros e ajudar a iniciar jogadas.
Diante do Peru, a aproximação de vários jogadores perto da bola foi mais frequente. Assim nasceu uma bela jogada entre Raphinha e Rodrygo na ponta direita, que terminou com chute de Neymar para boa defesa do goleiro. Mas também houve vários momentos, especialmente mais para o fim do jogo, em que o Brasil usou mal o espaço e se aglomerou muito por dentro, facilitando a marcação. O problema foi agravado com a entrada de Gabriel Jesus, que naturalmente busca mais jogo que Richarlison, deixando a frente da área ainda mais “embolada”. Só com Martinelli, um ponta agressivo, o jogo foi destravado. Ele ganhou o escanteio que resultou no gol de Marquinhos.
Sem a bola
O posicionamento sem bola foi bem parecido, defendendo em um 4-4-2, com Neymar e o centroavante mais soltos, dando o primeiro combate, e duas linhas de quatro mais atrás. A maior diferença, por enquanto, foi de intensidade. A pressão no portador da bola era um conceito muito forte com Tite, com os adversários raramente tendo tempo para pensar na intermediária, e as subidas de pressão do Brasil muitas vezes direcionando a bola para zonas mais congestionadas ou forçando o rival a jogar para trás. Já com Diniz, o time foi mais passivo nesse momento e permitiu mais trocas de passe ao rival. A Bolívia praticamente não ofereceu perigo ou elaborou jogadas, mas o Peru colocou a defesa brasileira em apuros em vários momentos lançando direto para Guerrero e Carrillo, aproveitando a liberdade que o portador da bola tinha para levantar a cabeça e fazer o passe longo.
Outra diferença marcante foi a transição defensiva – o momento imediatamente após perder a bola. O “perde e pressiona” era bastante eficaz com Tite, com a seleção muitas vezes recuperando a posse pouco depois de perdê-la, com os jogadores posicionados para matar os contra-ataques adversários na origem. Já o gol sofrido contra a Bolívia nasceu justamente após uma perda de bola e um contra-ataque simples do rival, com os jogadores do Brasil longe demais para pressionarem. Diante dos peruanos, também chamou atenção a quantidade de vezes em que o rival conseguiu escapar e acelerar no contragolpe, obrigando a defesa brasileira a correr para trás. Diniz também gosta que seus times pressionem e tentem recuperar a bola imediatamente após perdê-la, mas a execução ainda pode melhorar.
Isso tem muito a ver com a quantidade de jogadores que cada treinador costuma deixar atrás da linha da bola no momento de atacar. Com Tite, o time “atacava marcando”: eram sempre quatro ou cinco jogadores mais atrás, prontos para subir a pressão ou matar contra-ataques em caso de perda da posse. Já com Diniz, essa preocupação é menor, e o time ataca com mais gente. Não foi raro ver a equipe chegando com sete ou oito atletas (com os dois volantes subindo ao mesmo tempo, por exemplo), deixando apenas dois ou três atrás da linha da bola. É uma escolha que tem seu ônus e seu bônus e, como qualquer outra no futebol, precisa de treino para ser bem executada.
A tendência, claro, é a seleção ficar cada vez mais “dinizista” daqui para frente. O tempo dará ao treinador a condição para que seu estilo seja mais entendido e melhor praticado pelos jogadores. O desafio, além de subir o desempenho do time, será sobreviver à montanha-russa de opiniões, muitas vezes exageradas (para o bem e para o mal) e influenciadas somente pelo placar final.