Márcio Ribeiro, o técnico supersticioso que mudou a história do Água Santa
Treinador à moda antiga, ex-comandante foi o protagonista na guinada do clube na era profissional com quatro acessos – e um estilo inconfundível
Profissionalizado somente há uma década, em 2013, após anos disputando torneios de várzea em Diadema, o Água Santa vivenciará neste domingo, 2, o primeiro ato do maior momento de sua curta história. A decisão do Campeonato Paulista diante do Palmeiras, às 16h (de Brasília), na Arena Barueri, será o maior teste para o trabalho do jovem técnico Thiago Carpini, mas não teria sequer acontecido não fosse um outro nome: Márcio Ribeiro, responsável por quatro acessos com o clube.
Ribeiro se autodenomina um tipo à moda antiga. Coleciona superstições e gosta de dizer que sabe falar o linguajar da bola. Aos 66 anos e sem clube após rápida passagem pelo Osasco Audax, rebaixado na Série A3, não consegue ainda nem cogitar em ficar longe do futebol.
“Eu toda hora falo que vou parar em cinco, seis anos… mas não sei se consigo”, disse em entrevista a PLACAR.
A relação com o Netuno começou em 2013, após uma indicação de Wilson Farias, irmão do presidente Paulo Sirqueira Farias. O projeto era tornar competitivo um time que disputaria pela primeira vez uma competição oficial, a Segunda Divisão do Paulista (equivalente ao quarto patamar estadual). O técnico foi muito além.
Ele liderou o novo clube a três acessos consecutivos a partir daquele ano, um salto da quarta divisão até a elite em 2016. No último deles, ficou marcado para o treinador a estreia diante do Santo André, na Arena Barueri, mesmo palco da decisão do Paulista.
Sem poder escalar quatro titulares por uma falha de um funcionário do clube, Ribeiro improvisou quatro jogadores que sequer ficariam no banco. Deu certo: o time venceu por 4 a 1 e iniciou o último passo para chegar a principal divisão paulista. Dessa partida, o técnico traça paralelo já que o Água Santa também mandará a partida em Barueri, não na Arena Inamar, em Diadema, vetada pela FPF por não atender as exigências estruturais da entidade.
“Ganhamos e fiquei pensando: e agora, o que faço para os titulares voltarem? Os titulares queriam bater no menino do registro. A Arena Barueri vai fazer bem para o time, temos história lá. É claro que na Arena Inamar seria outro clima, mas não imaginávamos fazer tão cedo uma final”, conta. “Me sinto um finalista, também”, completa.
Ribeiro tem no currículo bem mais do que os acessos. Não era incomum vê-lo conversando ao pé do ouvido com jogadores ou visitando os quartos perguntando se precisavam de ajuda com a família ou em casa.
“Costumo dizer que os 11 que jogam são meus inimigos, eu preciso ter como amigos os reservas. Se eu os abandonar, não vão ter chance alguma. Por isso sempre converso com quem está fora, quem está mais triste, machucado… eu não cometo injustiças. Se virar as costas para quem está assim, você perde o jogador. Se der carinho e cuidar, ele vai continuar trabalhando pelo clube”, explica.
Jogadores que comandou relatam uma coletânea de costumes no mínimo curiosos. Um dos mais marcantes, um inseparável tênis branco, todo rasgado, que não largava de jeito nenhum em 2019. “Se inicio o campeonato com uma roupa vou com ela até o final. Queriam jogar fora o meu tênis. Falei: ‘não vão jogar, estamos ganhando’”.
O hotel das concentrações, Pampas Palace, em São Bernardo do Campo, foi o mesmo desde os tempos de vacas magras do clube. “Mudamos uma vez e perdemos um jogo. Jogadores reclamando de dor nas costas, então achei melhor voltar para o Pampas”, lembra.
Também não abria mão de só treinar do mesmo lado quando realizava trabalhos em campo reduzido e de sentar no banco de reserva destinado aos visitantes na Arena Inamar. Se o time estivesse vencendo, jogadores também não podiam mudar suas duplas de quarto.
“O futebol evoluiu muito, eu sei, e temos que acompanhar. Mas tem situações que não abrimos mão e essas são as minhas”, justifica.
Ribeiro chegou em Diadema após passar por quase vinte clubes, a maior parte deles do interior de São Paulo. A primeira saída, curiosamente, foi selada dias antes de uma histórica goleada sobre o Palmeiras, por 4 a 1, em 2016.
Ele e o presidente Paulo Sirqueira decidiram colocar um fim no trabalho após quase três anos. Terminaram o almoço chorando em um shopping em São José do Rio Preto. Voltou em 2018, para salvar o clube do rebaixamento, e em 2019 conseguiu o último acesso para a Série A1.
“Acredito que em 2018 foi o momento mais importante porque estávamos com sete pontos, precisando vencer dois jogos para ficar na divisão, uma delas contra o líder Nacional. Se perdêssemos, cairíamos. O time iria para a A3 e viraria um desânimo muito grande”, relata.
“Eu e o Paulo somos dois cabeças duras, mas que sempre brigamos pelo mesmo ideal: o Água Santa. Tenho muita consideração e reconhecimento por tudo o que fizeram por mim”, completa.
Dirigente e treinador se tratam como irmãos. Não são poucas as vezes que Sirqueira afirmou publicamente que Márcio Ribeiro era um teimoso com sorte: “o pão dele só cai com a manteiga virada pra cima. É uma teimosia que tudo dá certo”.
Em um dos acessos, Sirqueira dispensou, sem consultar Ribeiro, um atacante do time por problemas disciplinares. O treinador insistia que precisava de uma referência na área e, por isso, teimava na escalação do camisa 9.
No jogo seguinte, já sem o atleta, encontrou uma solução inusitada: transformou durante a partida um zagueiro grandalhão no centroavante que não tinha mais. Ele fez o gol da classificação, dirigente e técnico se abraçaram no fim. “Vi o Cilinho fazendo isso em 1999 pelo América-SP. Pensei: vou tentar, também”.
No atual time, o treinador teve participação direta ao indicar jogadores como Luan Dias, meia e dono da camisa 10 do Netuno, e Rodrigo Sam, zagueiro líder de interceptações do elenco no torneio, segundo o o site de estatísticas SofaScore. No caso do articulador, o treinador relembra sua chegada ao clube.
“O que posso falar do Luan é que é um menino que vivia com a família num dique em Santos, vi ele na Copa Paulista em 2018 e guindei ele para cima na A2. Ele com muita qualidade, teve momentos difíceis, demorou a se firmar. Nós brigávamos para ele colocar o pé na área, tentando corrigir. Fui consultado pela Ponte Preta e disse para contratá-lo imediatamente. Ele é uma realidade não para o Água Santa, mas para o futebol brasileiro”, analisa.
E sobre esse olhar quase que cirúrgico para pinçar jogadores, Ribeiro fala de Dadá Belmonte, hoje no América Mineiro, que chegou ao Água Santa enquanto ele era treinador: “Eu fui para o Nordeste para assistir jogos, fui com o Derlei, meu diretor, e vi o Dadá jogando pelo Salgueiro. Não vou falar o valor que ele ganhava, mas falei o que ele ganharia. Ficou louco. O Dadá foi uma surpresa muito grande, era um jogador que não tinha medo, partia para cima.”
Mesmo afetivo com o Água Santa, Márcio reconhece a qualidade do Palmeiras, mas desenha um cenário hipotético em que, segundo ele, as chances do Netuno seriam quase iguais às do time da capital.
“A chance do Água Santa diminui quando se trata de dois jogos. Se fosse uma partida, a chance do Água Santa seria de 40%. Por que? Porque poderia fazer um gol e se fechar, com dois jogos isso diminui. Dificilmente o Palmeiras fará dois jogos abaixo pelo plantel que tem”, analisa.
Palmeiras e Água Santa já se enfrentam quatro vezes na história e o retrospecto favorece o Verdão: três vitórias palmeirenses e somente uma do Netuno. Entretanto, a esperança da equipe de Diadema segue viva: o time derrubou São Paulo e Red Bull Bragantino, ambos da elite nacional, para chegar na decisão.