Cada dia eu fico mais maduro, apesar das tempestades e dos momentos ruins pelos quais passamos aqui. Em nenhum momento perdi a cabeça, procurei manter a minha tranquilidade e pensei com sabedoria como faríamos para sair daquela situação. E rezei muito, muito mesmo. Nunca rezei tanto na minha vida. Vou ter que pagar uma porrada […]
Cada dia eu fico mais maduro, apesar das tempestades e dos momentos ruins pelos quais passamos aqui. Em nenhum momento perdi a cabeça, procurei manter a minha tranquilidade e pensei com sabedoria como faríamos para sair daquela situação. E rezei muito, muito mesmo. Nunca rezei tanto na minha vida. Vou ter que pagar uma porrada de promessas.
Quem vê a figura serena, de fala cadenciada, do técnico José Roberto Guimarães quase não acredita que trata-se do maior vencedor brasileiro da história dos Jogos Olímpicos. Campeão com a seleção masculina em 1992, na Olimpíada de Barcelona, e agora bicampeão com o time feminino, Zé Roberto abriu seu coração logo após a vitória frente a seleção americana, a grande favorita, mas sem perder a calma na fala e nas explanações. Nos bastidores, no entanto, quando os microfones estavam já estavam desligados, deu para ouvir um grito bem alto: “É campeão!” Não era para menos: o técnico tirou uma tonelada de cobranças (internas e externas) das costas, afinal a campanha começou com duas derrotas na primeira fase e uma classificação quase impossível. Na hora da decisão, em um jogo duríssimo contra a Rússia, nas quartas-de-final, o Brasil salvou seis match points das adversárias no set final e provou que estava vivíssimo na disputa. Na zona mista da arena montada em Earl’s Court, o treinador contou um pouco dos bastidores dessa conquista.
O que aconteceu com a seleção que finalmente superou a seleção americana? No Brasil, as pessoas tendem a valorizar muito o que vem de fora. E sempre que a gente jogava contra os Estados Unidos na fase de classificação e perdia, ou mesmo na final do Grand Prix desse ano, as pessoas diziam que tomamos um nó tático. Eu escuto essa história desde 1984, quando eu nem estava na seleção brasileira. O nós fizemos nesses últimos anos foi monitorar o jogo contra as americanas, e quando uma coisa dava certo nós não ficávamos incisivamente martelando aquele ponto, mesmo sabendo que nós correríamos o risco de perder o jogo. A gente precisa estudar melhor os Estados Unidos porque eles são o melhor time do mundo.
E não parecia que as coisas seriam melhores na Olimpíada? O nosso time passou por um momento de dificuldade enorme. Saiu como fênix, das cinzas, e começou a crescer, a acreditar. Aquele jogo contra a Rússia foi um marco na nossa história. Já contra os Estados Unidos eu confesso que no começou fiquei apreensivo, pois no primeiro set nós tomamos um coro. Nós não vimos a cor da bola e elas contra-atacavam com uma facilidade enorme. Antes de sairmos para o segundo set nós conversamos o seguinte: “olha, estamos fazendo tudo aquilo que não devemos. Temos que ter mais paciência, mais agressividade no saque, ir mais pelo meio do bloqueio. Enfim, vamos jogar com as nossas características fortes, e não ficar pensando no que as americanas tem de forte, mudando nosso jeito de jogar.” Depois do segundo set, o Brasil virou os Estados Unidos, nós é que tocávamos nas bolas e contra-atacávamos com certa tranquilidade.
E como foi possível superar o início ruim da campanha? Eu tive um momento extremamente crítico aqui, logo depois o jogo contra a Coreia do Sul. Eu fiquei pensando: “o que eu vou falar pro pessoal lá fora? Como é que eu vou explicar essa derrota.” Saí de lá e falei que o meu coração sentia. Disse que o time estava treinando bem, mas jogando mal. Estava todo mundo pesado, querendo chamar a responsabilidade sem dividi-la. Depois daquele jogo nós sentamos, nos reunimos numa roda e conversamos sobre o que estávamos fazendo. A partir daí tudo começou a fluir melhor.
As jogadoras comentaram que sua atitude compreensiva foi importante para a recuperação da equipe. Não era um momento de crítica, de cobrança, de dizer “vocês são isso ou aquilo”. Ao contrário, era o momento em que elas mais precisavam de uma palavra de carinho. Nós todos da comissão técnica precisávamos resgatar a auto-estima, o brio delas. Todas são boas jogadoras e capazes. Não era o momento de botar pra baixo, porque sentíamos como estava o emocional dessas atletas. Isso foi uma coisa importante para a reação vir delas próprias.
Como você se sente sendo o primeiro tricampeão olímpico da história do Brasil? A ficha não caiu ainda, eu só tenho que agradecer a Deus, a todos os técnicos e professores que trabalham com o voleibol, às pessoas da Confederação que acreditaram nesse trabalho e que me deram a oportunidade de continuar dirigindo a seleção brasileira. Cada dia eu fico mais maduro, apesar das tempestades e dos momentos ruins pelos quais passamos aqui. Em nenhum momento perdi a cabeça, procurei manter a minha tranquilidade e pensei com sabedoria como faríamos para sair daquela situação. E rezei muito, muito mesmo. Nunca rezei tanto na minha vida. Vou ter que pagar uma porrada de promessas.
E olhando para frente. O que você pensa dos Jogos do Rio? Eu não sei, vamos ver. Ainda não passa nada na minha cabeça. Não sei se continuo, meu contrato acabou hoje.
Você sempre foi uma pessoa supersticiosa, com muitos rituais. Qual foi o dessa Olimpíada? Eu tenho uma história boa. Quando fui entrar a primeira vez na Vila Olímpica, passando pelo scanner, a minha credencial não passou. Fui olhar do lado para ver se não tinha ficado para trás e vi um corcunda. Foi a mesma coisa em Barcelona. Lá eu fui jantar uma noite com o Amauri e nossas esposas e no restaurante havia um garçom que era corcunda. Dizem que quando você passa por uma pessoa corcunda você deve pedir um desejo. Aí quando eu vi esse cara aqui em Londres, pensei: “O que vou fazer, eu preciso tocar na corcunda desse cara. Não custa nada, não é? Deu certo da primeira vez.” Fiquei ali uns minutos arquitetando um plano, o Rodrigo (do COB) estava do meu lado e pedi uma ajuda a ele. Ele me deu um pin. Era tudo que eu precisava, peguei o pin e fui correndo atrás do cara.
E as promessas? Minha mulher eu sei que fez um monte para mim. Vou ter que fazer uma parte do caminho de Santiago de Compostela de novo. Vou te que pedir para o pessoal da Amil (o novo clube para o qual Zé Roberto trabalha) para me liberarem pelo menos uma semana, porque vai ser uma semana de caminhada.
E sua família, você viu durante o jogo? Só aqui durante os jogos. Eu não saí da Vila um dia sequer para encontrá-los. Só falava com elas por telefone ou aqui da arquibancada mesmo (estavam presentes no Earl’s Court Alcione, esposa do técnico, e Anna Carolina, a filha mais velha do casal). Agora, as encontrei rapidinho para agradecer. Minha mulher passou três horas e meia na igreja rezando. Ela faz as promessas para eu pagar. Mas ela também tem as dela: fica sem comer chocolate.
Se tivesse que resumir em uma palavra a sua carreira, que palavra seria essa? Perseverança. Ela traduz muita coisa, como de não ter desistido, principalmente depois de 2004, que foi o pior momento da minha vida. De carregar essa missão de ser professor e gostar de ensinar. Essa é a missão que eu carrego e vou morrer com ela.
E nessa campanha mais uma vez isso prevaleceu, não é? Muito. Eu não sou muito de escutar música, gosto de me manter concentrado. Mas depois daquele jogo contra a Coreia, eu estava ouvindo músicas no caminho. Gosto muito de música italiana, então botei uma música do Antonello Venditti, Che fantastica historia è la vita. Ela diz algo do tipo: quando as coisas estão muito ruins, muito complicadas, acredita que vai dar certo. Mesmo nos momentos de maior dificuldade a gente pode sair e foi isso que aconteceu com aqui.