Verdão levou a melhor na final do Brasileirão, mas foi derrotado pelo Glorioso na Libertadores, três meses depois; confira como PLACAR contou essa história
Palmeiras e Botafogo já formam uma nova rivalidade no futebol brasileiro… e mundial. No próximo sábado, 28, às 13h (horário de Brasília), na Filadélfia, paulistas e cariocas duelam pelas oitavas de final do Mundial de Clubes da Fifa.
Nos últimos dois anos, os confrontos pelo Brasileirão 2023 (vencido pelo Palmeiras, em uma virada histórica) e pela Libertadores (o campeão Botafogo obteve sua revanche nas oitavas) apimentaram uma rivalidade que agora chega a seu ápice. Os primeiros grandes confrontos entre os clubes, porém, datam do inicio da década de 1970.
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Conforme detalhou o Blog do Rodolfo Rodrigues, Palmeiras e Botafogo já se enfrentaram em mata-matas oito vezes, com cinco duelos vencidos pelo Verdão e três pelo Glorioso. Em finais, os clubes duelaram apenas uma vez, na final do Brasileirão de 1972. Naquele ano, a decisão foi realizada no Morumbi, em jogo único, e o Palmeiras sagrou-se campeão com 0 a 0, já que havia feito melhor campanha durante o campeonato.
PLACAR destacou o merecimento do Palmeiras de Ademir da Guia, o Divino:
“A partir do momento que à bola começou a rolar, só mesmo um grande torcedor (e quem não é?) podia sentir emoção nas jogadas. Perigo de gol, muito pouco. Jogadas bonitas, ensaiadas, poucas. Nem mesmo havia o clima tenso e veloz que envolve os grandes momentos.
Talvez a culpa tenha sido de Ademir, que impôs sua personalidade, ritmo e calma aos movimentos dos outros 21 jogadores. Afinal, ele fez isso em todos os campos onde o Palmeiras jogou, contra todos os times.”
No ano seguinte, na fase de grupos da Libertadores, as duas equipes empataram em pontos (9 cada), no Grupo 2, que tinha ainda Nacional e Peñarol. Assim, precisaram disputar um jogo desempate. Por ter feito melhor campanha, o Botafogo teve o direito de jogar em casa, e no Maracanã, venceu por 2 a 1, com Jairzinho marcando o gol da vitória aos 40 minutos do 2º tempo.
Àquela altura, PLACAR já sonhava com com a presença do Botafogo no Mundial de Clubes, com a chamada “Que venha o Ajax”.
” — No todo, temos o melhor time do Brasil.
O responsável pela frase cheia de orgulho é Roberto, dono de uma outra: “Se derem sopa vamos ter o maior time do mundo. É só chegarmos às finais do Mundial de Clubes”.
Porém, o Glorioso cairia na semifinal para o chileno Colo-Colo, vice-campeão diante do argentino Independiente. O título da América só viria 51 anos depois, em 2024, deixando para trás o Palmeiras na campanha.
Em sua primeira década de vida, PLACAR acompanhou in loco as partidas de 1972 e 1973. E o blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nosso acervo, reproduz na íntegra, os textos das edições 146 (29/12/72) e 160 (6/4/1973).
Acabou a maratona do Nacional. Seu vencedor foi aquele que melhor se apresentou, o que todos esperavam chegar
Agomar Martins apita o fim do jogo, a torcida começa a gritar, pular, chorar. Ademir da Guia dá um chutão na bola e sai correndo em direção aos repórteres de campo, braços erguidos.
— É meu, é meu. Nós somos campeões.
Ele sabia que tinha ganhado o troféu de melhor jogador do Nacional, a Bola de Prata e a maioria dos prêmios que as rádios e tevês dão ao melhor de cada jogo.
Pela primeira vez, em três meses e catorze dias, Ademir perdia a calma.
— Nós merecemos o título. Marcamos gols quando foi preciso e soubemos, no fim, mostrar que um campeão tem que ter paciência, calma, para segurar um jogo. Esse ano ganhamos cinco títulos. Só um grande time faz isso.
Sem camisa, erguido pelos torcedores que invadiram o campo, Luís Pereira não conseguia segurar o choro. Aquele negro enorme, que corre para o ataque, segura a bola, dribla e defende como um leão, era o verdadeiro herói do último jogo, um jogo feio, chato, como é quase todo jogo decisivo.
— O ataque deles deu um pouco de trabalho. Mas a gente esperava mais. Olha só a faixa, a nossa faixa de campeões.
No seu peito nu, a faixa verde e branca, oferecida pela Rádio Tupi, com o nome Palmeiras, Campeão Nacional de 72.
Uma chuva forte começou a cair no gramado do Morumbi. Os jogadores foram correndo para o vestiário. Ficou Nei, do Botafogo.
— O Palmeiras merece mesmo. Nós acabamos chegando onde não esperávamos mais. O importante é ser vice-campeão do Brasil, isso vale. Nós estamos na Libertadores da América, um torneio internacional, um bom mercado para 0 Botafogo.
Leivinha foi abraçar Nei, antes de sumir. Cercado, sem poder sequer falar direito, ele procurava não se impressionar com a festa da torcida.
— Um campeonato se disputa a cada jogo. Por isso não acho feio empatar na decisão e ganhar o título sem fazer gol. Um campeão tem que ter personalidade, saber o que significa cada jogo, antes de entrar em campo. Tem que ter humildade, para não se julgar o melhor. Tem que ter bons jogadores, boa direção, paz de espírito. O Palmeiras teve tudo isso.
Um dia antes do jogo, a delegação do Botafogo já estava em São Paulo, desmentindo a imagem de boêmia e irresponsável. De Jairzinho, Zequinha, Nei, Cao, Fischer ou qualquer outro, só saíam palavras humildes e iguais às do técnico Leônidas.
Parecia um plano arquitetado para trazer a vitória.
— O Palmeiras merece ser o campeão, fez a melhor campanha, joga em casa e pelo empate. Nós tivemos uma campanha irregular, com vitórias e derrotas sem explicação. No fim, acertamos o time e ganhamos moral. Mas sabemos que não dá para ganhar do Palmeiras aqui em São Paulo, no Pacaembu ou no Morumbi.
O Palmeiras queria jogar no Pacaembu, o Botafogo, no Morumbi. Na discussão, valeu a ordem da CBD, na véspera do jogo: “No Morumbi, às 16 horas”.
A CBD, por outro lado, aceitou o pedido dos clubes, que vetaram de comum acordo, o nome de Armando Marques.
No Morumbi, nem mesmo “quase cheio”, muita festa, muitas bandeiras (até do Fogo, com uma torcida barulhenta, que veio do Rio em 64 ônibus), um atraso de 50 minutos.
Antes de os times entrarem em campo, a emoção parecia ter sua presença garantida. Era O que se percebia nas palavras de Jairzinho:
— Vai ser difícil ganhar aqui, mas vamos jogar para isso. Temos experiência suficiente para chegarmos ao título. Vamos para o ataque, que é o que nos interessa.
Sempre que há uma decisão entre paulistas e cariocas, faz-se um levantamento, cheio de vitórias e derrotas, datas e detalhes. E a tradição mostra: 60% das vezes valeu o mando do jogo. Para Ademir, o Morumbi diminuía esta vantagem do Palmeiras.
— É grande, um bom gramado, que facilita o jogo dos times que tocam bem na bola, como o Botafogo. No Pacaembu, com um gramado pior, nossa vantagem seria maior, pois jogamos lá o ano inteiro e eles, uma ou duas vezes.
A partir do momento que à bola começou a rolar, só mesmo um grande torcedor (e quem não é?) podia sentir emoção nas jogadas. Perigo de gol, muito pouco. Jogadas bonitas, ensaiadas, poucas. Nem mesmo havia o clima tenso e veloz que envolve os grandes momentos.
Talvez a culpa tenha sido de Ademir, que impôs sua personalidade, ritmo e calma aos movimentos dos outros 21 jogadores. Afinal, ele fez isso em todos os campos onde o Palmeiras jogou, contra todos os times.
O ataque do Botafogo quase não existiu. Todas as suas jogadas morriam no combate de Dudu, na segurança de Alfredo ou na classe e coragem de Luís Pereira. E o ataque do Palmeiras só durou alguns minutos, os primeiros.
Mesmo assim, houve uma morte. José Lazzarini, torcedor de 73 anos, morreu do coração. Ao chegar na enfermaria ele estava morto.
Arnaldo Tirone, que já foi diretor de futebol do Palmeiras, teve também um problema cardíaco. O médico aconselhou que ele fosse levado para casa e não escutasse o fim do jogo.
O plantão da Polícia Militar não foi chamado para nenhum caso grave. Os quase quatrocentos soldados destacados para o polícia, mento atenderam apenas a dezenas nas brigas e casos comuns, sem destaque.
A superstição se mostrou presente, dos dois lados. Mário Genevese, diretor social do Palmeiras, por exemplo:
— Não preparamos nada para festejar o título. Mas, se ganharmos, a torcida está convidada a ir ao Parque Antártica para um pequeno carnaval, com orquestra e tudo. Não quero falar mais sobre isso. dá azar.
No vestiário do Botafogo, sobraram algumas velas que iluminaram um pequeno altar.
Um cortejo de carros, buzinas tocando insistentes, muitos foguetes soltos pelos bairros, a torcida se reunindo no Parque Antártica para o carnaval marcaram o fim do Campeonato Nacional de 72. E foi como Brandão falou:
— Venceu o melhor. Quem pode duvidar disso?
* A cobertura das finais e semifinais é de Carlos Maranhão e Narciso James (SP), Teixeira Heizer e Fausto Neto (GB) e Divino Fonseca (RS).
Será que o Botafogo superará Colo-Colo, Independiente, San Lorenzo, Cerro e Millionarios e reconquistará a Libertadores?
Teixeira Heizer
Dez homens amontoados sobre Jairzinho, um quadro emocionante, uma estranha comemoração, quase um massacre, Jairzinho acabava de marcar o segundo gol do Botafogo no jogo contra o Palmeiras, evitando uma prorrogação que não aguentaria e ganhando o direito de continuar disputando a Taça Libertadores. Alegria.
A impressionante cena vista à distância e outras que o grande público talvez não tenha percebi- do, como o beijo cinematográfico de Wendell em Fischer, revelavam, acima de tudo, o espírito de unidade que tomou conta do time do Botafogo, unidade e força que não chegam a ser quebradas nem mesmo pelos desentendimentos entre Fischer e alguns companheiros, ou vice-versa.
— Eu vivi um grande momento na minha vida. Um momento quase igual àqueles dos gols que marcamos no Mundial do México. Por isso ajoelhei-me e rezei agradecendo a Deus. Não tenho vergonha disso. (Jairzinho.)
A diferença entre Palmeiras e Botafogo estava justamente aí. Em nomes como o de Jairzinho, gente acostumada às grandes decisões, quentes no todo do jogo, frias nos momentos necessários, fundamentais, mais importantes. Jairzinho tinha recebido o passe de Fischer aos 43 minutos do segundo tempo. quando todo o Maracanã, com os nervos à flor da pele, mostrava nos olhos o olhar do medo e sufocava na garganta o grito de gol.
Do passe preciso, à entrada na área, ao chute certo. ao desabafo coletivo, Gol.
— O gol pode ser analisado de várias maneiras. Naquele momento só pensei que não aguentaríamos uma prorrogação. Nós estávamos em desvantagem, músculos e nervos massacrados pelo jogo contra o Fluminense, que tinha arrancado tudo da gente.
O gol de Jairzinho matava um pouco mais aquela torcida tomada de alegria. Primeiro o de Marinho, com a cumplicidade e o azar de Luís Pereira; depois o de Ademir da Guia, que parecia dar números definitivos àqueles noventa minutos, Por fim o gol de Jairzinho, mais que um gol, a classificação do time que o tinha em seu ataque. Ganharia o Palmeiras, se Jairzinho estivesse vestindo a sua camisa.
De madrugada, quebrando o silêncio da noite, alguns grupos ainda gritavam pelas ruas: “Fogo, fog0″. Um grito de guerra saído de garganta rouca enquanto cabeças ainda quentes já pensavam nos Planos para o futuro. O presidente Rivadávia Correia Meyer mandava dois dirigentes a Assunção para verem o sorteio dos próximos jogos.
— Agora temos interesse dobrado. Além da parte esportiva, dos títulos, o lado financeiro, o dinheiro de que precisamos para ir liquidando as dívidas que passam de Cr$ 8000 000,00. É a fama aumentada, são novos convites, meIhores cotas e as chances de pagarmos os credores que sempre chegam de todos os lados. Nossas rendas estão gravadas em mais de 80%, mas os salários, bichos e luvas estão mais ou menos em dia, Rivinha acha que os principais problemas já estão sendo resolvidos.
A indisciplina está, praticamente, contida. Jogadores quase perdidos entre brigas e fofocas, como Roberto, estão recuperados, As contratações deram certo. Sorrisos, Leônidas, o técnico, um criou-lo de fala mansa, amigo dos jogadores, conhecedor dos segredos do futebol, vai superando, com humildade e firmeza, os problemas. Não abro mão do direito de escolha. Fischer é reserva. Roberto é titular.
Fischer, internacional, grande jogador, não aceita a reserva, Grita, reclama, perdoa, esquece, protesta, A torcida está com ele. Fischer joga beijos para a torcida. Entre ele e a torcida a lua-de-mel que não consegue viver com seus companheiros. Seu temperamento não permite, É tão forte quanto seu futebol.
— Não fala com ninguém. Não entra na nossa. Está na dele. Nós ficamos na nossa. (Roberto.)
Mas o problema Fischer não divide a unidade. É, segundo Leônidas, um problema de inadaptação.
— Como jogador ele é ótimo. No campo é disciplinadíssimo. É o que para mim importa. Feliz do time que tem Fischer e Roberto disputando à mesma posição. Com Jair e Roberto, venho jogando de trás. em contra-ataques. Depois mudo tudo: coloco Fischer e Ferreti e mando que façam jogo pelo alto.
Discutível no time é a resistência da defesa. Marinho, seduzido pela vontade de atacar e marcar gols, nem sempre tem sua posição coberta por Scala, veterano e mais preocupado com a sua posição. Brito sente o peso da idade, e Valtencir — coração a serviço do clube — tem limitações que complicam sua vida. E a dos outros.
— No todo, temos o melhor time do Brasil.
O responsável pela frase cheia de orgulho é Roberto, dono de uma outra: “Se derem sopa vamos ter o maior time do mundo. É só chegarmos às finais do Mundial de Clubes”.