Zé Carlos, 20 anos depois: da ‘glória’ na Copa à vida pacata
Ex-lateral-direito marcado por jogo contra a Holanda, na semifinal da Copa de 1998, leva vida sossegada no interior paulista. “A fama passou”
“Zé, se você jogar mal, imagina o que vai acontecer na sua carreira?” A pergunta de um jornalista jamais foi esquecida por Zé Carlos, 50 anos, ex-jogador com passagens por São Paulo, Grêmio e clubes menores, e protagonista de uma história incrível com a seleção brasileira numa Copa do Mundo. Há duas décadas, o esforçado lateral-direito foi convocado por Zagallo para ser reserva na Copa de 1998, na França. Ele havia feito apenas uma temporada de destaque no São Paulo e já beirava os 30 anos, o que levantou dúvidas nos torcedores. A desconfiança virou desespero quando Cafu foi suspenso da semifinal, que seria contra a poderosa Holanda. Vinte anos depois, Zé Carlos vive de forma pacata em Presidente Prudente (SP) e relembra seus momentos de glória e aquela inesquecível noite de 7 de julho de 1998, em Marselha.
O lateral nasceu em Presidente Bernardes, cidade paulista onde mantém um sítio, próxima à casa onde vive com a mulher e os dois filhos na vizinha Prudente. Tem uma pequena empresa do ramo de construção civil e também uma escolinha de futebol para crianças e adolescentes na cidade. “A fama passou, essa história já acabou”, diz, com jeito simples de homem do interior. Recentemente, aceitou convite do Partido da República (PR) para ser pré-candidato a deputado estadual.
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Zé Carlos se aposentou dos gramados em 2005, pelo Noroeste, com um currículo incomum. Até os 22 anos, apenas jogava peladas com os amigos, ainda como meio-campista, quando fez um teste no São José dos Campos, então treinado por Emerson Leão. De lá, foi para o Nacional, da capital paulista, onde foi orientado a se tornar um lateral, para aproveitar sua força física e capacidade de fazer bons cruzamentos. Ainda passou sem sucesso por São Caetano, União São João, entre outras equipes, até chegar à Matonense, em 1997. Campeão da Série A2 do Paulistão, recebeu uma ligação do São Paulo. “Nunca tive empresário, sempre atendi meu telefone. O treinador Darío Pereyra gostou de mim, e fui para o Morumbi. Tudo mudou.”
O jeito divertido – imitava animais na concentração e nas entrevistas – e, sobretudo, sua forma instintiva e eficiente de atacar logo chamaram a atenção. “Minha especialidade era o cruzamento. A cada assistência eu vibrava como se fosse gol.” Pelo São Paulo, Zé Carlos conquistou a Bola de Prata da revista PLACAR em 1997 e no ano seguinte foi um dos destaques do time na conquista do Estadual. O sonho de vestir a camisa da seleção se tornou real após o corte de Flávio Conceição. “Sempre tive os pés no chão e esperava uma oportunidade, sabia da minha capacidade. Um ano antes eu estava desempregado.” Confira o depoimento de Zé Carlos sobre a competição na França e sobre a vitória nos pênaltis, contra a Holanda, após empate em 1 a 1, com gols de Ronaldo e Patrick Kluivert.
De Presidente Bernardes a Paris
“Fui muito bem recebido na seleção. Dunga, Taffarel, Rivaldo, todos eram gente boa demais. Dividi quarto com o César Sampaio, o Giovanni também estava sempre junto. A adaptação foi tranquila. Lá eu não não estava tímido, foi tudo normal. Fui com a minha noiva, a Berta, que hoje é minha mulher, mas nos vimos só uma ou duas vezes por lá, tinha pouca folga. Era tudo corrido, mas deu tempo de conhecer a Torre Eiffel.”
Cafu suspenso. E agora?
“Quando o Cafu levou o cartão contra a Dinamarca, nas quartas de final, eu estava no banco, tranquilo. Imaginei que o substituto seria eu, mas na hora não falei nada, tinha de esperar. Acabou o jogo, era um momento de alegria pela classificação, não falamos nisso. Na reapresentação, o Zagallo me avisou que eu ia jogar. Só disse para eu me preparar porque ia para o jogo, me deu confiança. ‘Zé, joga o que você sabe, pronto e acabou.’ Eu não senti medo nenhum, a única dificuldade que sabia que teria era a questão física, porque tinha jogado pela última vez em 13 de maio, contra o Vasco. Depois fui jogar só no dia 7 de julho, contra a Holanda.”
Pressão
“Um dia antes do jogo, mais de 200 repórteres estavam em cima de mim, e um, não lembro o nome, me perguntou: ‘Zé, se você jogar mal, imagina o que vai acontecer na sua carreira?’ Olha o que o cara fala… fiquei tranquilo, acho que nem respondi, mas jamais esqueci. O cara já quis me prejudicar. Achou que eu fosse ‘pipocar’, tremer, mas sabia do meu potencial. Da Matonense fui para o São Paulo e não sai mais. Pela seleção, só tinha jogado 20 minutos, num amistoso contra o Athletic Bilbao, mas sempre tive personalidade. Claro que existiu essa pressão, não vou negar, mas tinha 29 anos, não era mais um menino.”
O jogo
“A Holanda tinha um dos melhores times. Quando entrei em campo, sabia que não ia render como no Paulistão porque estava sem ritmo de jogo. Lembro de um jogador, o Zenden, que atuou mais do meu lado. Revendo o jogo, noto que fiquei mais preocupado em marcar do que jogar, e geralmente era o contrário, o adversário se preocupava comigo. Sabia que contra a Holanda teria de marcar mais, só cheguei uma ou duas vezes à linha de fundo. Mas minha preocupação era aguentar até o fim e graças a Deus consegui, resisti até os pênaltis. Se tivesse de bater um pênalti, não teria problema. Acho que era o oitavo na ordem. Apesar de nunca ter sido batedor, se precisasse eu cobraria com confiança, temos de estar preparados. Mas o Taffarel pegou dois e nem foi preciso. Depois do jogo, troquei a camisa com um holandês, mas não lembro quem. Nem sei se a camisa está em casa, preciso procurar.”
Ronaldo não foi responsável por derrota
“No dia da final contra a França, eu estava no quarto do lado do Ronaldo. Na hora da convulsão, eu e o César Sampaio fomos os primeiros a chegar. Ficamos um pouco assustados, mas isso foi várias horas antes do jogo, depois o Ronaldo foi para o hospital, não deu nada nos exames e ele jogou. Não perdemos por causa disso. Quando acontece alguma coisa, o time fica triste, mas na hora do jogo esquece, a adrenalina vai a mil. Perdemos porque jogamos mal e não merecemos. Não tem de dar desculpa, era um grupo de mais de 20 jogadores. E não aconteceu nada com o Ronaldo, depois do jogo ele estava bem. De repente se ele estivesse mal, no hospital… Mas ele chegou uns 40 minutos antes do jogo, disse que estava bem, com os exames na mão. Tinha de jogar mesmo. Perdemos porque a França mereceu ganhar. E tinha o Zidane… Saía para os dois lados, trabalhava bem com as duas pernas, era muito completo. E ainda estava muito feliz naquele dia.”
Vida após futebol
“Não tinha como eu ter guardado muito dinheiro, porque não ganhei muito. Joguei em clube grande só uns três ou quatro anos. E naquela época não se ganhava como agora. O pouco que ganhei não joguei fora. Não se pode manter o mesmo padrão de antes, muitos jogadores cometem esse erro: não precisa manter vários carros, por exemplo; tem de gastar menos por mês, porque não entra mais o dinheiro que entrava. A fama passou, não jogo mais, essa história acabou. Sou muito simples, voltei para o interior. Tenho uma casa e um sítio a 20 km, em Presidente Bernardes. Vivo tranquilo, mas com os pés no chão, não me empolgo com nada.”