Poucos são os esportistas cuja trajetória foi retratada pelo cinema ainda em vida. Todas as etapas da carreira de Andreas Nikolaus Lauda, o Niki Lauda, parecem ter sido escritas por um roteirista de ficção. Filho de uma família austríaca abastada (porém avessa a sua obsessão por carros), ele teve de pedir um vultoso empréstimo no banco para financiar seus primeiros passos no automobilismo — Lauda seria tricampeão da Fórmula 1 em 1975 e 1977, pela Ferrari, e em 1984, guiando um McLaren.
Entre o primeiro e o segundo título, contudo, Lauda sofreu um terrível acidente, no Grande Prêmio da Alemanha, do qual foi resgatado com o corpo tomado pelas chamas. No hospital, chegou a receber a extrema-unção, mas sobreviveu após um mês de internação. Seis semanas depois da batida, com o rosto ainda em processo de cicatrização, o “Rato” (apelido recebido em razão dos dentes proeminentes) estava novamente ao volante de uma Ferrari para disputar o título com seu grande rival, o inglês James Hunt (1947-1993). Na corrida decisiva, realizada no Japão debaixo de um temporal, Lauda abandonou a prova logo na segunda volta. “Há coisas mais importantes na vida que um campeonato”, disse. Hunt chegou ao final em terceiro lugar e ficou com o título mundial de 1976 pela diferença de 1 único ponto.
Nossa amizade, que acabou e voltou, é a grande verdade do filme.
Niki Lauda (1949-2019)
Como se fosse mesmo necessária a confirmação de que essa vida aventurosa daria um filme, em 2013 o diretor americano Ron Howard lançou o excelente Rush — No Limite da Emoção. “O roteiro está 80% certo, com uma pitada de Hollywood, é claro”, disse o austríaco. “Nossa amizade, a de Hunt e a minha, que acabou e voltou, é a grande verdade do filme.” Na segunda-feira 20, Lauda morreu, aos 70 anos, em Zurique, em decorrência de falência de múltiplos órgãos. Em 2018 ele se submetera a um transplante de pulmão.
Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636