Skate: como um estilo de vida fez a transição para esporte olímpico
Há quem diga que perdeu a originalidade. Tem exagero nessa ideia: paixão é bom, mas publicidade também
O que acontece quando uma atividade esportiva atrelada a um estilo de vida, a um jeito de corpo, ímã de adolescentes, passa a distribuir medalhas em torneios profissionais? Há uma grita generalizada dos praticantes mais apaixonados, que lamentam ter de vestir a camisa de força das regras convencionais, dando adeus à espontaneidade. É o que ocorre, aqui e agora, com o skate — nova modalidade olímpica nos Jogos do ano que vem, em Tóquio, ao lado do surfe, da escalada e do caratê. Convém, contudo, acompanhar com atenção e fascínio as alterações provocadas pela adoção do mainstream. Quem assistiu ao documentário Dogtown and Z-Boys, de 2001, sabe que o skate só se tornou o fenômeno de hoje graças aos nomes que tiveram a capacidade de aliar o amor pelo esporte à exposição dos contratos de publicidade. “É um jogo delicado”, disse a VEJA o catarinense Pedro Barros, oito vezes campeão mundial e integrante da seleção brasileira da categoria Park (leia a entrevista completa aqui).
Oriundo da comunidade do Rio Tavares, um grupo de trinta famílias que faz quase duas décadas se congregou na paradisíaca ilha de Florianópolis em torno do surfe e do skate, Pedro tem apenas 24 anos, mas vive há dez como um profissional da prancha em cima de rodinhas. Embora seja respeitado entre os puristas, aqueles que se veem mais como artistas do que como atletas (ele próprio se considera membro dessa turma), o catarinense sofreu críticas de seus pares. No dia em que esteve em São Paulo, acompanhado da reportagem de VEJA, anônimos que desciam e subiam rampas e corrimões da metrópole cobraram do ídolo sua recente participação em um comercial no qual ele aparecia de calça imaculadamente branca. Onde estavam as cores e sobretudo a originalidade skatista? Ainda assim, apesar dos disparos, ele vê benefícios em sua potencial participação olímpica. “O Comitê Olímpico selecionou o skate justamente para trazer de volta ao universo competitivo o componente da paixão”, diz. “Foi um jeito de atrair jovens, que pensam fora da caixa.”
Definitivamente, não se pode escapar da realidade do cotidiano — e esse caminho não é necessariamente negativo, ao contrário. Há quem olhe feio, tomando como exemplo, a título de comparação, a superprofissionalização do surfe. É inegável, contudo, que a participação dos brasileiros em torneios de ponta pelos litorais do mundo representou um impulso e tanto. Paixão é sempre bom, mas o dinheiro ajuda a alimentá-la. No Brasil, estima-se que apenas a venda de roupas e acessórios ligados ao universo do skate movimente anualmente 1 bilhão de reais. Mais do que apenas atrelarem seu nome a feras do esporte, as grandes marcas estão de olho em potenciais consumidores. A própria CBSK, entidade que rege o esporte no país, fala em 5 milhões de skatistas, o que tornaria a prática amadora a segunda mais popular entre os homens brasileiros, atrás apenas do futebol. Na maioria homens, frise-se. E como vento democrático, de abertura das competições para as mulheres, a inclusão no programa olímpico também deve ser celebrada.
“Ando de skate há vinte anos e, infelizmente, vi muitas amigas parar por não terem condições de seguir o sonho”, diz a paulista Karen Jonz, de 34 anos, a primeira skatista do Brasil a vencer uma edição dos X-Games, referência no universo das modalidades radicais. “A Olimpíada pode ser ótima vitrine para as mulheres.” Há no horizonte novos talentos, que podem tornar o skate feminino tão forte quanto o masculino: a paulista Pamela Rosa, de 20 anos; e a sensação mirim Rayssa Leal, de Imperatriz no Maranhão, que atende pelo apelido de Fadinha e faz parte, aos 11 anos, da elite da modalidade Street. As duas atletas, titulares da seleção brasileira, são presença constante no pódio das principais competições nacionais e internacionais — na etapa final da Street League Skateboarding, o circuito mundial do esporte, realizada em São Paulo, Pamela terminou o torneio em primeiro lugar, seguida de perto por Fadinha. “Continuo me divertindo muito andando de skate, mas agora tem um peso maior”, resume Pamela, que começou no esporte aos 9 anos, sempre apoiada pelos pais. Com calma, longe da disputa entre os muito românticos e os mais modernos, vê-se que nem tudo é problema. “Em nenhum momento me vi perdendo a essência do skate chamado de ‘raiz’”, diz Pamela. “Para mim, o estilo de vida caminha independente da profissão.” Para a turma mais jovem, nascida em um mundo feito de cifras, metas e contratos, sem o amadorismo rebelde do asfalto, o rigor — no avesso do “deixar rolar” — é até prazeroso.
Com reportagem de Bruna Motta
Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.