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Seleção do Camboja, o desafio do treinador Leonardo Vitorino

Após bons trabalhos em Angola, Tailândia, Catar e Laos, o carioca foi contratado para treinar a 173ª seleção do ranking da Fifa em 2017

Mudar-se para um novo país e adaptar-se a uma realidade cultural totalmente distinta já deixou de ser um desafio na vida do carioca Leonardo Vitorino. Longe do Brasil há mais de uma década, o treinador de 43 anos assumiu, no início de março, a modesta seleção do Camboja, 173ª colocada do ranking da Fifa. Ex-goleiro das categorias de base do Botafogo e profissional por Madureira, Americano, entre outros, Vitorino trilhou um caminho incomum: entre diversos cargos, como treinador de goleiros e auxiliar, trabalhou em países como Estados Unidos e Austrália e em clubes pequenos do Brasil até iniciar sua aventura pela África e pela Ásia. Com foco no desenvolvimento de atletas jovens, o brasileiro colecionou bons trabalhos em AngolaCatar, TailândiaLaos, até receber o convite da federação cambojana.

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A trajetória de Leonardo Vitorino
1993 – Arraial do Cabo
1994 – seleção sub-17 dos Estados Unidos
1996 – Cianorte
1997 – Zico Centro de Futebol
1998 a 2000 – Categorias de base do Botafogo
2000 – seleção sub-20 de Trinidad e Tobago
2002 a 2004 – Santos FC (Angola)
2005 – Universidade de La Sierra (EUA)
2006 – Estrela do Norte (ES)
2007 – América (RJ)
2007 a 2012 – Al Gharafa (Catar)
2012 a 2014 – El Jaish (Catar)
2014 – Buriram United (Tailândia)
2016 – Lanexang United (Laos)
2017 – Seleção do Camboja

Na última quarta-feira, Vitorino fez sua estreia pelo Camboja e, apesar da derrota por 3 a 2, em casa, para a Índia, saiu satisfeito com o que viu. Mais de 50.000 torcedores lotaram o Estádio Olímpico da capital Phnom Penh e deixaram o brasileiro animado. “Meu objetivo principal é desenvolver o futebol no país, quero iniciar uma nova era do futebol do Camboja.” Enquanto aguarda a chegada da família ao país, o que deve ocorrer no segundo semestre, Vitorino trabalha incessantemente para garimpar os talentos do futebol local, que tem o Brasil como referência. “O maior ídolo aqui é o Neymar”. E diz ainda estar se adaptando à culinária local, carregada de pimenta – mas mais agradável que a carne de camelo que teve de comer com um sheik no Catar. 

Fluente em espanhol e inglês e com algum conhecimento em árabe e francês, Vitorino falou sobre como é viver e trabalhar em países tão distantes geográfica e culturalmente do Brasil, recordou histórias curiosas e contou quais são seus objetivos profissionais no Camboja. Também disse ter recusado ofertas de clubes brasileiros, mas não descartou um dia retornar ao país.

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O senhor já se acostumou a viver tão longe do Brasil? Sua família não se incomoda? Moro há mais de dez anos no exterior. Voltei em 2007 por apenas três meses, mas logo retornei à Ásia. Sou casado, tenho um filho, o Leonardo, de 15 anos, que foi alfabetizado no Catar, fala inglês e um pouco de árabe. Eles gostam de viver fora. Nesse ano, como acabei de me mudar, meus familiares ainda estão no Brasil, mas o objetivo é trazê-los no segundo semestre. Eu adoro trabalhar na Ásia, porque tenho tempo de implantar minha filosofia, e me sinto reconhecido. No Brasil, se o time não ganhar treinador dura nem três semanas.

Nesse tempo morando fora, passou por muitos choques culturais? Houve alguns fatos interessantes. No Catar, era a cultura da reza. Às vezes a partida atrasava porque os atletas muçulmanos tinham de rezar. Aqui no Camboja e no Laos não se entra de sapato nem de tênis em nenhuma casa, tem de ficar descalço. Por isso, nunca podemos estar com meia furada para não passar vergonha.

E a culinária? Aqui no Camboja, o mais difícil é o tempero, é muito forte. Quando você pede a comida com pouca pimenta, vem mais ardida que comida baiana. No Catar também teve um episódio engraçado. Quando o time é campeão, o sheik coloca comida no seu prato e eles fazem até camelo assado. Eu não queria comer camelo, fiquei enrolando, comendo arroz, mas o sheik ficou me encarando e não teve jeito… Mas comi um pedacinho só.

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E era bom? Olha, eu prefiro a nossa picanha (risos). O cheiro é muito forte.

O futebol brasileiro ainda é admirado na Ásia ou teve seu prestígio abalado pelo 7 a 1? Não abalou em nada. Vejo muitas camisas da seleção brasileira, hoje mesmo vi um rapaz, de olhos puxados, com a camisa azul do Brasil. O ídolo máximo aqui é o Neymar. Depois, mais abaixo, escuto sobre Cristiano Ronaldo e Messi. E o Gabriel Jesus também está ganhando bastante destaque.

O Camboja ocupa hoje a 173ª posição do ranking da Fifa. Quais são suas metas para o time? O primeiro objetivo é classificar para a Copa do Mundo de 2022, no Catar. A de 2018 não tem mais como. Mas o objetivo principal é desenvolver o futebol no país, digo que quero iniciar uma nova era do futebol do Camboja.

Em termos salariais, ser treinador no Camboja equivale a quê? Equivale a treinar um clube da Série B do Brasileirão, que brigue para subir. A faixa salarial, dependendo do clube, é muito boa. Para os jogadores também não é ruim. Os jogadores são todos  profissionais. No Laos tem jogador que até trabalha com outras coisas, mas no Camboja não. Até a arbitragem aqui é profissionalizada e no Brasil ainda não.

Aliás, fala-se muito sobre escândalos de corrupção e manipulação de resultados no futebol asiático. O senhor já presenciou algo? Sinceramente, comigo nunca aconteceu. No Laos, a equipe rival à nossa teve jogadores punidos, mas por jogos da seleção do Laos. Então não tinha nada a ver com o campeonato nacional que eu disputava. Desde que estou na Ásia, nunca vi nem soube de nada.

E como é o campeonato nacional no Camboja? A qualidade da liga é boa, bem melhor do que imaginava. O campo do estádio Olímpico é de grama sintética, e os estádios dos grandes clubes do país são bons. A média de público nos jogos da seleção do Camboja é de 50.000pessoas. As pessoas amam futebol, me lembra bastante a torcida do Fortaleza, que lota o estádio e faz barulho.

Como o senhor montou sua primeira convocação? Conhecia algum jogador? Sim, já conhecia os melhores atletas do país. Por ter trabalhado num grande clube da Tailândia, tinha de acompanhar os times da região. A maioria joga por aqui, mas tem dois atletas que jogam fora: o ídolo do país, Vathanaka, no Japão, e o Chanta Bin, na Tailândia.

Como é a comunicação com os atletas? O idioma local é o khmer. Já colocaram uma professora à minha disposição, mas converso com os jogadores em inglês, todos sabem falar, não preciso de tradutor. Mas quero aprender o khmer, sim, pelo menos os termos técnicos do futebol, como fiz com o árabe.

Os treinos são semelhantes aos do Brasil? Não, os métodos têm de ser um pouco diferentes. Aqui os jogadores têm certa dificuldade na parte técnica, de coordenação motora,  fundamento, controle, passe, cabeceio. Então muitas vezes temos de fazer o trabalho que deveria ter sido feito nas categorias de base.

Seleções menores costumam recorrer à naturalização de jogadores. O senhor pretende levar brasileiros para o Camboja? Não, até tem um brasileiro jogando aqui, mas ele chegou há pouco tempo. Não existe essa possibilidade porque para se naturalizar o jogador deve estar há cinco anos no país. Nossa meta é trabalhar a base, renovar essa equipe, já que os últimos resultados não foram bons.

Em qual país o senhor foi mais feliz? O Catar marcou minha vida, porque me deu totais condições de trabalho, qualidade de vida. Trabalhei com grandes jogadores como Juninho Pernambucano, Araújo, Zé Roberto, Fernandão. E, profissionalmente, o Laos também me marcou muito.

E dá para aguentar o calor no Catar? Acha que o país conseguirá sediar uma boa Copa em 2022? Claro, o Catar tem totais condições, porque os estádios são todos climatizados. Pode estar 40° do lado de fora, mas tem ar-condicionado até debaixo da arquibancada, a sensação é de 20°. E como as distâncias são curtas, será possível uma pessoa assistir dois jogos da Copa num mesmo dia pela primeira vez na história.

Mas o fato de ser um país minúsculo não pode atrapalhar na logística, hotelaria, segurança, etc? Creio que não. Eles organizaram em 2011 a Copa da Ásia com muito sucesso. Claro que é diferente de uma Copa do Mundo, mas acho que vai dar tudo certo. Acho que o maior problema vai ser liberar a bebida no estádio, mas de qualquer forma nos hotéis a torcida vai poder beber.

Sonha em fazer carreira também num grande clube brasileiro? Claro que o sonho de voltar ao Brasil sempre existe. Quando deixei o Laos, recebi uma sondagem dos grandes clubes do Ceará, mas não deu certo porque faltaram detalhes, como prazo de contrato e valores. Quem sabe um dia…

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