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Roger Machado exclusivo: ‘Inseguranças se foram com a maturidade’

Quase cinquentão, técnico colhe os frutos dos cabelos brancos, sem renunciar às posições e lutas que o definem. Agora sonha alto: quer o fim da fila do Inter e seleção

Roger Machado, atração da PLACAR de fevereiro, já disponível para venda em nossa loja e nas bancas de todo o país, é um daqueles tipos bem raros no futebol. E gosta de ser assim.

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Logo no início da entrevista, convidado a se apresentar, o técnico não titubeou: “Sou Roger Machado Marques, tenho 49 anos. Pai da Júlia e da Gabriela, casado com a Camile. Treinador de futebol e ex-atleta por pelo menos 20 anos, que construiu sua trajetória buscando pensar fora da caixa”.

“Talvez essa seja a melhor definição do que procuro dentro desse jogo”, emendou, sorridente.

Próximo de completar 50 anos, em 4 de março, apesar de ter sido registrado só no dia 25 de abril, o técnico vive atualmente a melhor versão de si – sem, claro, abrir mão de suas lutas.

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Mais maduro, os fios de cabelo branco que explica terem subido da barba para a cabeça lhe fizeram bem.

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“Acho que quando eles começam a subir os pensamentos ficam mais maduros, as ideias mais claras. As experiências anteriores serviram de laboratório prático para uma maturidade que fui alcançando. E as inseguranças e dúvidas, que acabam sempre rodeando a cabeça do treinador, foram equalizadas com um pouco mais de serenidade”, conta.

“Mas eu sou o mesmo, tá? Mais experiente, mais vivido. Com muitos acertos e muitos erros.”

Roger Machado: 'são muitos anos juntos, muita história com a Placar' - Diego Vara/Placar
Roger Machado: ‘são muitos anos juntos, muita história com a Placar’ – Diego Vara/Placar

Para alcançar a paz no Beira-Rio, aonde chegou em julho passado, ele precisou driblar primeiro a longa relação com o lado azul de Porto Alegre, o Grêmio, do qual foi ídolo como jogador. “Sempre cultivei muito o respeito, isso ajudou”, sintetiza.

Ele assumiu o time na 13ª colocação do Brasileirão, sem vencer havia quatro jogos e na sequência eliminado na Sul-Americana. Rapidamente mudou a mentalidade, construiu um time dominante em campo que sustentou uma sequência de 16 jogos de invencibilidade e encerrou a competição nacional com a terceira melhor campanha do returno, além da quinta colocação geral.

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Tudo isso em meio ao rescaldo das enchentes que afetaram severamente Porto Alegre e dezenas de municípios em todo o estado do Rio Grande do Sul. “Conseguimos resgatar um início de ascensão (com o antecessor Coudet) para chegar ao final do ano no ápice.”

Curiosamente, ele tinha um plano pessoal: parar de trabalhar aos 50, ideia já completamente descartada: “Hoje está fora de cogitação. Uma filha já mora fora, outra diz que também vai. Daqui a pouco estamos só eu e a patroa, sozinhos, e aí vamos poder desfrutar desse Brasil, desse mundo novo. Vai haver outras pausas, sim, porque desejo fazer outra faculdade, mas acho que tenho uns 20 anos como treinador”.

Agora, entre os planos, está ser campeão com o Inter e chegar à seleção brasileira. Ele só não muda as convicções: “Das minhas lutas eu não abro mão, mas o meu palco é e sempre será o futebol”.

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Campeão da Libertadores peloGrêmio, ainda não foi derrotado nos dois Grenais disputados pelo Colorado até aqui - Ricardo Duarte/SC Internacional
Campeão da Libertadores pelo Grêmio, ainda não foi derrotado nos Grenais disputados pelo Colorado até aqui – Ricardo Duarte/Internacional

Causou estranhamento vê-lo de vermelho por sua história no Grêmio. Agora sente que esse casamento tinha mesmo que acontecer? Busco ser muito cuidadoso nessa relação. Nós que somos do Sul entendemos a rivalidade e todo o contexto. E, justamente por não querer magoar um dos lados, busco ter muito cuidado. Curiosamente, quando ainda era jogador [do Grêmio], a cada dez pessoas que pediam uma foto, três ou quatro eram torcedores do Inter, que sempre salientaram a forma como lidava com a rivalidade, nunca permitindo que extravasasse para além do campo. Esse é o respeito que tinha com o Inter.

E como se deu a escolha de deixar o Juventude e aceitar a proposta? A oportunidade chegou em um momento de maior maturidade da minha carreira. Fosse antes, talvez, seria mais difícil acontecer. Mas pela experiência que adquiri e a visão diferente sobre algumas questões, deu certo. Foi uma decisão baseada em um plano de carreira: estar em um grande clube, que pode me colocar em grande destaque no futebol brasileiro, para almejar seleção e grandes conquistas.

Que problemas e dificuldades você encontrou ao assumir? É impossível falar de 2024 sem citar o evento climático [que atingiu todo o Rio Grande do Sul]. O Inter começou o ano bem. Enquanto técnico do Juventude, observei um adversário muito capaz, com um modelo claro idealizado pelo Coudet. Mas depois, no período das enchentes, todos os clubes do Sul tiveram dificuldades para treinar. E o lapso de atividades acaba interferindo nesse processo. Hoje eu tenho um craque na minha preparação física, que é o Paulo Paixão. É um cara que faz muito bem essa gestão das cargas e me permite trabalhar todas as variáveis do jogo.

Na segunda fileira, Roger (o segundo da esq. para a dir.) durante a histórica foto do título da Libertadores de 1995 - Edison Vara/Placar
Na segunda fileira, Roger (o segundo da esq. para a dir.) durante a histórica foto do título da Libertadores de 1995 – Edison Vara/Placar

O Inter não conquista o Brasileiro desde 1979, o Gauchão desde 2016. O último título foi o da Recopa Gaúcha de 2017. Como lida com isso? A questão é: de que forma isso acessa o vestiário? Pode ser um grande combustível, não? Quem é que não deseja marcar a história de um clube que está ausente dessas grandes conquistas? Ou seja, é a forma e a intensidade com que ela entra que precisam ser controladas. E esse é o meu trabalho como gestor de ambiente, capto essas emoções e filtro para passar da melhor forma aos atletas. Precisamos entender onde estamos e qual é o momento da instituição. O Paulo Paixão fala: “O mundo só reconhece os seus botadores de faixa”. E é uma grande verdade. O que conseguimos construir até aqui fez com que o torcedor voltasse ao estádio para além do resultado. Resgatamos a muitos, que hoje pensam: “Eu quero vencer, mas estou gostando da forma como meu time está se comportando”. É impossível prometermos conquistas, mas esse grupo está desejando marcar época com uma faixa no peito.

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Roger: 'enxergo uma partida de futebol como um grande círculo gigante - Diego Vara/Placar
Roger: ‘enxergo uma partida de futebol como um grande círculo gigante – Diego Vara/Placar

Você se considera um cara fora da caixa, mesmo? Acho que todos nós temos um pouco de estranheza em alguma parte de nossos raciocínios (risos). Penso que, se não criei, adotei uma forma de ver o jogo que foge um pouco do convencional. Ou, se não foge, pode levantar alguns questionamentos.

E como é isso? Parte da minha busca foi resgatar o futebol brasileiro. Enxergo uma partida de futebol como um grande círculo gigante. Digo aos atletas: “Vocês vão adorar o meu modelo, porque é o que mais gostam de fazer durante a semana”. Tento unir a roda de bobinho e o rachão, acredito que essas duas coisas são o futebol da forma como eu entendo, que são sete caras pela periferia e três caras por dentro. E é preciso manter essa forma circular, com esses caras por dentro, andando no campo. O círculo não pode estar tão aberto para que as linhas de passe não fiquem muito longas. E não pode estar tão fechado para que os que estão dentro do bobo tenham mais facilidade de roubar [a bola]. Desenvolvi a minha metodologia de atividades baseada nisso. Meus treinos vão buscar sempre a mesma ideia: conseguir manter a forma circular do jogo, que para mim remete à ancestralidade, que é um pouco da mitologia africana, do círculo como elemento central. Então, se isso é pensar fora da caixa, me considero assim.

Roger precisou de pouco tempo para fazer o Inter engrenar na última temporada - Ricardo Duarte/Internacional
Roger precisou de pouco tempo para fazer o Inter engrenar na última temporada – Ricardo Duarte/Internacional

Os jogadores assimilam todo esse conceito bem? Sim, com tranquilidade.

Por muitas vezes, Fernando Diniz é questionado por uma metodologia pou co convencional, da qual não abre mão. Acha possível empregar isso na seleção brasileira? Esse questionamento está muito mais ligado com questões socioculturais do que propriamente com a capacidade do jogador de entender as informações que o treinador passa. Julgam o atleta por ausência de uma estrutura familiar ou não ter tido acesso ao conhecimento formal, até porque investe muito tempo na sua formação para ser jogador de futebol. Por isso interpretam que não terá o nível de consciência para entender as informações, e isso não é verdade. O atleta que consegue atuar em alto nível tem um grau muito alto de inteligência esportiva, e é isso que basta. Ele é sinestésico, aprende correndo. Como também é possível aprender através da consciência, mas eles o fazem se deslocando pelo campo.

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Roger: 'enxergo uma partida de futebol como um grande círculo gigante - Diego Vara/Placar
Treinador chegou ao Inter em sua versão mais madura: ‘ideias estão mais claras’ – Diego Vara/Placar

Nos tempos de Palmeiras, Atlético-MG e Bahia era possível ver alguns comportamentos e inseguranças que hoje parecem mais distantes. O treinador que vemos no Inter é um novo Roger? Eu sou o mesmo. Mais experiente, mais vivido… com muitos acertos e muitos erros. Tenho parado para reavaliar tudo, mas digo: não sou um novo Roger, sou o mesmo. Só mais velho, com mais cabelos brancos. A barba começou a ficar branca antes, agora que está vindo para o topo da cabeça. Eu acho que quando isso ocorre os pensamentos ficam mais maduros e as ideias mais claras. As experiências anteriores serviram de laboratório prático. A juventude te dá um pouco mais de ímpeto, mas a maturidade traz o freio, o olhar mais holístico, mais global.

O trabalho fora do campo é tão importante quanto? Hoje tenho a tranquilidade e a segurança que, mais do que ter o conhecimento tático ou ser muito bom estrategicamente, preciso buscar esse melhor gerenciamento das emoções dentro de um ambiente que sabemos que é muito hostil, às vezes. Todos nesse ambiente de estafe trabalhamos pelo atleta e para que o atleta esteja na melhor condição para desempenhar o que sabe. É uma gestão mais global, mais sistêmica do processo. Sou um apaixonado pelo futebol como um esporte de alto rendimento, de disputa e conquista de território, de estratégias de jogo, mas as relações humanas são importantes para que você consiga lidar nesse ambiente.

No Palmeiras: sete meses de trabalho, 44 jogos, 27 vitórias, 8 derrotas e 9 empates - Divulgação/Palmeiras
No Palmeiras: sete meses de trabalho, 44 jogos, 27 vitórias, 8 derrotas e 9 empates – Divulgação/Palmeiras

Como gerir as relações pessoais dentro de um vestiário? É um universo de 35 jogadores em que o meu mais novo tem 16 anos e o mais experiente, 38, em fases diferentes da carreira, em momentos diferentes de vida, velocidades e necessidades diferentes. Precisamos conseguir com que todos olhem para o mesmo lugar. Vivemos em um eterno balanço e equilíbrio. Mesmo quando os resultados de campo não estão acontecendo, é preciso entender que, investindo na gestão do ambiente, por vezes se acaba solucionando alguns problemas. Como gestor, eu costumo dizer que na véspera de um jogo eu contratei 23 (os relacionados) e demiti 12. Amanhã, vou ter que ter a capacidade de recontratar aqueles 12, mostrando para eles que podem ser importantes.

Sobre a carreira, você dizia que pararia aos 50. É o seu último ano? Hoje está fora de cogitação. Me dei conta que com 50 as minhas filhas já estão adultas, né? Uma já mora fora, no interior, para estudar, e a outra diz que daqui a pouco também vai. Daqui a pouco estamos só eu e a patroa de novo, sozinhos. Aí poderemos começar a desfrutar desse Brasil, desse mundo de novo. Então, hoje não faz parte mais da minha decisão essa pausa. Haverá outras pausas, sim, porque tenho muito desejo de voltar a estudar psicologia, ciências sociais ou direito. Acho que tenho uns 20 anos ainda como treinador.

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Você ainda presenteia seus jogadores com livros? Sempre que posso. Já presenteei o Alan [Patrick] com um de futebol e outro da coleção Diálogos. Quando começo um trabalho, uma das coisas que faço é uma anamnese [conversa que antecede um diagnóstico] para entender um pouco o jogador e seu momento.

Como funciona? Faço com todos. Pergunto diretamente: onde eu posso contribuir na sua carreira? E uma das coisas que o Alan comentou foi: “Professor, estou desfrutando da minha carreira e quero aprender o máximo que eu puder sobre o jogo”. Eu disse: “Penso que posso te ajudar”.

Alan Patrick, craque do time,, a quem presenteou com livros e tenta ajudar no entendimento do jogo - Ricardo Duarte/Internacional
Alan Patrick, craque do time, a quem presenteou com livros e tenta ajudar no entendimento do jogo – Ricardo Duarte/Internacional

Esse é um interesse incomum no futebol, não? A impressão que temos é que os jogadores estão alheios à cultura… Acho que essa geração já vem com um chip diferente. Vejo um interesse muito maior. Interesse pelo jogo sempre há, mas alguns desejam teorizar isso. Porque a prática eles já compreendem como ninguém. Fazem fórmulas matemáticas da velocidade e de distância da bola, entendem o tempo e o espaço tanto quanto quem estuda física. Agora muitos estão buscando a teoria do processo, assim como a minha faculdade de educação física foi muito importante. Digo que, se eu tivesse feito a faculdade de educação física enquanto jogador, seriaum atleta completamente diferente. Não do ponto de vista da consciência da profissão, tive boa consciência, mas do entendimento do todo. Do que é importante para estar em alto nível.

Sua irmã é a responsável pelo seu amor à literatura… Sou o caçula de sete irmãos. E a Lena foi a primeira dos irmãos a acessar a universidade. Formada em letras, professora de francês e de português. Quando comecei a dar minhas primeiras entrevistas, muito nervoso, já tinha certeza de que meia hora depois ela me ligaria dizendo: “Ô, guri, tu errou esse verbo, não se fala assim”. Mas antes disso, ainda no juvenil, ela botava uns livros por baixo do forro da mochila. Volta e meia eu achava e dizia: “Lena, eu não gosto de ler”. Ela dizia: “Vai que um dia atrasa o ônibus, a viagem é longa, e tu não tem o que fazer”. E um dia atrasou mesmo, eu peguei o livro e criei o hábito. Aprender através da cultura é uma das formas que marcam para sempre a nossa vida.

Roger entre as filhas Júlia e Gabriela, além da esposa Camile - Arquivo pessoal
Roger entre as filhas Júlia e Gabriela, além da esposa Camile – Arquivo pessoal

A Lena é também sua gestora de carreira, certo? Sim, hoje converso menos com a Lena, mas ela ainda segue firme e forte administrando as minhas questões financeiras. Se me perguntar quanto tenho na minha conta, não sei.

E suas filhas cultivam esse hábito? Desde muito pequenas leem muito. A mais velha dormia com o livro abraçado, não precisei fazer nenhum trabalho. Penso que o exemplo é a melhor forma de ensinar. Assim como um refrigerador abastecido alimenta o corpo, a biblioteca abastecida é alimento para a alma.

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No banco de reservas, uma espécie de cavaleiro solitário na elite nacional - Diego Vara/Placar
No banco de reservas, uma espécie de cavaleiro solitário na elite nacional – Diego Vara/Placar

Você parece mais cuidadoso ao falar de racismo. Crê que estava sendo reconhecido exclusivamente pela postura firme nesse combate? Tudo anda junto, porque faz parte da minha história, da minha ancestralidade e da forma como entendo esse jogo. O que passei a medir mais são esses momentos de exposição. Para que o ambiente não acabe me rotulando, como alguns momentos aconteceram dizendo que eu poderia estar mais interessado nas causas e menos no futebol. Das minhas lutas eu não abro mão, porque elas estão no cerne da minha individualidade. Porém o meu palco é o futebol. Então, na verdade, é um cuidado maior, somente isso.

Acha que críticas passaram do ponto? Não sei se passaram do ponto, mas em alguns momentos foram mais fortes e desproporcionais.

E o quanto isso te magoou e te fez refletir? É paixão, não é? Estou há 30 anos nesse meio e costumo dizer que não estou adaptado ao ambiente. Algumas coisas me acostumo, outras não desejo me acostumar. De novo, a maturidade acaba dando a capacidade de discernir os momentos, de entender o torcedor e sua passionalidade, mesmo que por vezes possa ser desproporcional. Não questiono a paixão do torcedor. Nós todos estamos nesse ambiente cujo único lucro é a alegria para o torcedor e o escudo que defendemos, então precisamos compreender, nos adaptar para que tudo possa ser mais equilibrado.

Em 2021, o Marcão, do Fluminense, fez um questionamento sobre a falta de treinadores negros na elite. Como se sente ainda solitário? Tento imaginar as razões, mas uma delas, que tenho certeza, é a cultura colonial que nos arrasta há 500 anos. Durante uma aula online da [CBF] Academy, o Paulo Isidoro [ex-jogador] reforçou a importância desse lugar que ocupo para que outros também possam acessar. Sei o tamanho da responsabilidade que tenho de manter essa porta aberta. Se imaginarmos o futebol como uma pirâmide social, todos que estão no campo, pretos ou brancos, são vistos do topo como pretos. Porque ou somos pretos pela cor da pele ou porque viemos na maioria esmagadorada mesma classe social. Neste universo, os espaços foram reservados para um grupo em detrimento de outro. O ambiente do esporte nada mais é do que o extrato do que somos como sociedade. Já houve muitos avanços, e hoje se permite que até mesmo falemos de forma aberta, sem o julgamento de estar desejando sofrência.

Os técnicos Roger Machado e Marcão se cumprimentam antes da partida entre Fluminense e Bahia pelo Brasileirão 2019 – Agif

Antes isso não era possível? Com certeza não. Poder falar sobre esse assunto, sem considerarem que você está reivindicando algo, é recente. Hoje se permite falarmos sobre o assunto e consigo externar minha verdade baseada no que leio, no que vivo, no que sinto e no que o ambiente me mostra claramente como sociedade do futebol.

A mensagem de Martin Luther King, ‘I have a dream’, faz sentido para você no futebol? É linda, é linda… talvez seja utópica (risos). Esse contexto nós só vamos ajudar a melhorar a partir da distopia. Por enquanto, esse ambiente está posto. Esse sonho é possível? Ele é possível, sim, mas nós precisamos lidar com extrato atual, com a realidade. Eu também tenho o sonho, também adoro o mérito. Adoro a disputa pelo mérito, mas numa sociedade que a gente sabe que indivíduos diferentes partem de lugares diferentes na corrida. É preciso você criar mecanismos para que essas corridas sejam um pouco mais iguais.

E quem poderia criar? Nós

Não faltam mais movimentos efetivos da CBF e da própria classe de treinadores? Sou palestrante da CBF e já falei que os cursos poderiam ser mais acessíveis ou ter iniciativas que facilitassem o acesso de ex-atletas. Os que não têm a capacidade financeira de pagá-lo, por exemplo. Digo que 3% dos jogadores profissionais ganham mais do que dez salários mínimos, segundo pesquisas. Conto a história de um amigo que jogou 15 anos como profissional, nunca ficou mais de três meses desempregado, mas seu salário nunca foi maior que R$ 3 000. Ele acabou a carreira aos 35 e no outro dia teve que procurar emprego para conseguir vencer o mês, as contas que chegam. Ele vivia dizendo: “Roger, você foi jogador. Eu fui dublê”. Pedi para ele nunca mais falar isso, porque a experiência dele foi muito maior que a minha. Eu joguei em três clubes, ganhei muito mais que a média, poucas vezes tive salários atrasados… Então, se tem alguém que pode contribuir, é ele. Não podemos ter exclusividade para que só um pequeno grupo acesse, mas permitir que pessoas assim possam continuar no futebol. Percebo que o número de ex-atletas nos cursos tem diminuído porque os acessos estão restritos.

Com relação ao Vinicius Júnior, como acompanhou toda a discussão envolvendo a perda da Bola de Ouro? Eu esperava que o Vini fosse ser o vencedor. É difícil a gente descolar uma coisa da outra, não é? Agora mesmo a gente estava falando da eleição da edição do Meu Time dos Sonhos e os critérios acabam sendo individuais: pela tamanho da história ou pelo talento ou pelo momento… então é um conjunto de fatores que acabam determinando uma escolha. E a figura do Vinícius Júnior, sua atuação forte e firme contra o racismo na Europa, não tenha dúvida que acaba gerando um ambiente um pouco mais mais tenso para ele. Mas a avaliação técnica do seu jogo e de sua qualidade é indiscutível. No ano corrente da avaliação da Bola de Ouro ele fez uma grande temporada. E assim como todo brasileiro, a gente deseja muito ver um de nós vencendo um título individual de expressão mundial. Todos acabam comemorando juntos. O peso do seu posicionamento não tenha dúvida que impacta nesse universo [de escolha].

Com Roger, Inter saltou de 13º para terminar em 5º no Brasileirão - Diego Vara/Placar
Com Roger, Inter saltou de 13º para terminar em 5º no Brasileirão – Diego Vara/Placar

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Capa da PLACAR de fevereiro, edição 1520
Capa da PLACAR de fevereiro, edição 1520 – Reprodução/Placar

 

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