Rei na Itália, Lukaku venceu pobreza e passou por transformação alimentar
Vivendo o esplendor de sua carreira, atacante da Inter de Milão é a grande atração do duelo entre belgas e italianos pelas quartas de final da Eurocopa
Romelu Lukaku, 28 anos, é, sem margem para dúvidas, figura central do confronto mais aguardado das quartas de final da Eurocopa, entre Bélgica e Itália, a partir das 16h (de Brasília) desta sexta-feira, 2, na Arena de Munique, na Alemanha. Se há preocupação em torno das possíveis ausências de Kevin De Bruyne e Eden Hazard, lesionados, a presença do atacante – principal artilheiro dos belgas na competição, com três gols – traz alento.
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Lukaku fez o que parecia impossível nesta temporada com a Inter de Milão e conseguiu romper a melhor marca construída em toda a sua carreira: 34 gols em 51 jogos, entre 2019 e 2020, uma média de 0,66. Ele terminou a temporada com 30 bolas nas redes em 44 partidas, média superior, de 0,68. Ainda distribuiu dez assistências, conduziu a Inter de Milão ao fim de um incômodo jejum de 11 anos sem conquistar a Série A, o Campeonato Italiano, e empilhou premiações individuais. A principal delas, a de melhor jogador do país.
“O verdadeiro Deus coroou o rei. Agora, incline-se ao rei de Milão”, disse em 3 de maio, em clara provocação a Zlatan Ibrahimovic, seu desafeto, em referência ao antigo hábito do sueco de se referir a si mesmo com um deus.
A construção de um atacante cada vez mais letal aconteceu fora de campo, com a ajuda particular do nutricionista do clube, Matteo Pincella, figura frequente em palestras da Federação Italiana de Futebol (FIGC, pela sigla original) e na Escola Técnica de Coverciano, a mais famosa do país.
Pincella convenceu Lukaku a mudar por completo os seus hábitos alimentares. O jogador teve convertidos sete quilos de gordura para massa magra, deixando de lado, principalmente, o consumo de doces e massas. O prato preferido de Lukaku era bastante inusitado: pizza de abacaxi. Além disso, comia diariamente espaguete à carbonara, típico na Itália. Enxugou de 100 kg para 93.
“Desde que estou aqui na Inter fizemos uma análise do meu corpo e muita coisa mudou. Cheguei a outro nível físico e mental. Nas vésperas dos jogos posso pegar leve com carboidratos. Para me recuperar, depois, na maioria das vezes como dois pacotes de nhoque. Eles passam rapidamente por meu sangue e me ajudam muito”, explicou Lukaku, em entrevista à La Gazzetta dello Sport em 23 de março.
“Me sinto melhor em campo, estou mais ágil, mais rápido”, disse. Ele passou a consumir com frequência shirataki, farinha que ajuda na sensação de satisfação, além de batata doce, arroz negro, frango e vegetais. “Não me chame mais de Big Rom (o grande Romelu)”.
Não foi só a dieta rigorosa o grande desafio vencido Lukaku. Antes do início no Anderlecht, com 16 anos, contou em 18 de junho de 2018, ao The Player’s Tribune, que passou dificuldades em casa com a mãe precisando misturar água ao leite por não terem o que comer, além de tomar banhos frios e de ficar, muitas vezes, sem luz em casa. O pai foi jogador de pequenos clubes.
“Minha mãe estava misturando água com o leite, não tínhamos dinheiro suficiente para fazer durar a semana inteira. Estávamos sem dinheiro. Não apenas pobres, mas falidos”, contou no relato. “Houve até momentos em que minha mãe teve que ‘pegar emprestado’ pão na padaria”, completou.
Protegido por brasileiro, aprendeu português
Lukaku conta que, ao chegar na equipe principal do Anderlecht surpreendeu ao roupeiro pela personalidade ao pedir a camisa 10. Ele foi informado que jogadores mais jovens utilizavam somente do número 30 para frente. Escolheu a 36, pela soma dar 9, número que hoje utiliza na seleção belga e na Inter. Fã do futebol brasileiro, especialmente de Adriano Imperador, que assim como ele tinha na explosão física e potência na perna esquerda suas marcas principais, Lukaku fez amizade com um atacante baiano em seu início de carreira na Bélgica e chegou a aprender português.
“Na época, ele tinha 15 anos quando subiu. Ele fez a estreia com 16, marcou um gol, e começamos a criar uma amizade, eu tinha 24 anos. Ele falou que queria aprender português, é um cara muito estudioso. Achei muito curioso, pois comprou um dicionário e foi aprendendo mesmo. Ele falava: ‘bom dia, mano, e aí?’. O Lukaku não saia de casa, jogávamos videogame juntos”, contou a PLACAR atacante brasileiro Kanu, ex-companheiro no Anderlecht.
“Desde os 16 era muito forte, viam muito futuro nele, por isso fizeram um investimento muito grande. E você vê os resultados. Ele tem feito a diferença em seu time, na seleção, para que a Bélgica esteja onde está. É uma pessoa muito boa, com um coração muito bom. Hoje está mais experiente. Eu falei que jogamos juntos, mas que virei fã dele. Está em outro patamar e nunca mudou a essência”, completou.
Companheiros de ataque por três temporadas, Kanu lembra que a amizade foi fortalecida quando defendeu Lukaku após um desentendimento com um companheiro, o belga Guillaume Gillet, com quem se chocou durante o treinamento. “O Gillet deu uma pegada nele e o Lukaku subindo, novinho ainda, ficou com cara de choro. Aí tomei as dores e assim que ele tocou na boal dei uma chegada no Gillett, foi aí que criamos a nossa amizade. Não foi do dia para a noite. Eu ia assistir jogos dele no time B”.
A carreira de Lukaku passou por momentos de afirmação. Negociado com o Chelsea, em 2011, teve pouco espaço no clube e passou por empréstimos no West Bromwich e no Everton, onde reencontrou a melhor fase, como a vivida na Bélgica.
Foram quatro temporadas e 87 gols marcados até a negociação com o United por 75 milhões de libras (320 milhões de reais à época). Após boa primeira temporada, oscilou entre banco de reservas e titularidade na segunda. Foi o despertar para deixar o país e optar pela melhor mudança da carreira. “Hoje é o maior centroavante do futebol mundial. O único que tem a mesma força é o Lewandowski, mas ele é mais explosivo e finalizador”, concluiu Kanu.