Na sexta-feira, 29, dia em que a Copa do Mundo parou, como um respiro entre a fase de grupos e as oitavas, tudo conspira para a lembrança de uma data histórica. Atravessados os primeiros 48 jogos e definidas as partidas de mata-mata, um dado probabilístico extraído dos cruzamentos futuros informa que só há chance de uma única final se repetir: Brasil e Suécia. Brasileiros e suecos disputaram o título de 1958 em Estocolmo há exatos sessenta anos, dia a dia. Naquele 29 de junho de 1958 – parece que foi ontem – deixamos de ser vira-latas, na definição de Nelson Rodrigues. Havia Didi, havia Zito, havia a inteligência tática de Zagallo, Nilton e Djalma Santos, que não tinham parentesco, mas quem nasceu naquela jornada sueca foram Garrincha e Pelé, Pelé e Garrincha. Entrevistado por VEJA um pouco antes da Copa da Rússia, levado a cutucar a memória para voltar a 1958, o tempo da bossa nova, o rei do futebol resumiu o que brotou em preto e branco. “O mundo descobriu o Brasil, ficamos conhecidos e passamos a ser reconhecidos”, disse Pelé.
Tabela completa de jogos da Copa do Mundo de 2018
O preto e branco das fotos e filmes estão colados à vitória de 1958 lembrando que o tempo passou e já não volta. Sabemos que o Brasil jogou com o uniforme azul, o número 2, comprado numa loja sueca (a seleção dona da casa vestia amarelo e foi preciso improvisar), apenas pela leitura de jornais da época e por depoimentos de quem esteve lá. Sabíamos dos tons pela descrição dos narradores de rádio. Pelé chorou em preto e branco. Gilmar o abraçou em preto e branco. Nilton Santos e Djalma Santos, os dois laterais, brilharam em preto e branco. Até que, em 2013, um sueco subiu no YouTube quase sete minutos da final em cores. São emocionantes. A sensação de ver as imagens de 1958 coloridas provoca um estranhamento difícil de escapar, é magnético – tem a força dos documentários sobre a II Guerra colorizados (um deles está no Netflix, aparece com o título que o define, nem mais, nem menos: A Segunda Guerra em Cores). Depois, alguém conseguiu a íntegra do jogo, transmitida pela TV local.
Aqui, em cores:
Aqui, os 90 minutos:
As duas coisas somadas, as cores e a totalidade da partida, são a homenagem definitiva ao 29 de junho de 1958. É a reverência a jogadores – além do treinador Vicente Feola – cujos nomes enfileirados soam a poesia: Gilmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini e Nilton Santos; Zito e Didi: Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo. De novo, porque é bonito: Gilmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini e Nilton Santos; Zito e Didi: Garrincha, Pelé, Vavá e Zagallo. Talvez não tenha sido coincidência que justamente neste 29 de junho a Copa da Rússia tenha parado, e torcedores zanzem por aí, entre Moscou e São Petersburgo, sem saber o que fazer. Não pode haver futebol rolando numa data como essa, a do princípio de tudo. Amanhã a vida volta ao normal, com França x Argentina e Uruguai x Portugal, transmitidos em cores pela televisão. Haverá Griezmann, Messi, Suárez e Cristiano Ronaldo – mas não haverá Didi, Zito, Pelé e Garrincha.
Em tempo: nessa sexta, o Museu do Futebol, em São Paulo, tratou de dar à data sua dimensão. Transmitiu o jogo inteiro, mesclando cor e preto e branco, num telão, com filmes recolhidos na Inglaterra e Suécia, em um preciso e generoso trabalho de restauração do engenheiro Carlos Augusto Marconi, que sobrepôs o vídeo ao som das rádios Nacional e Bandeirantes.