Qual a melhor forma de dar uma assistência? Canhoto ou destro pela direita? Por cima ou por baixo, no primeiro ou segundo pau? Investigamos cada detalhe
Matéria publicada na edição 1526 de PLACAR, de fevereiro de 2025, já disponível em versão digital e física em nossa loja
Qual é a forma mais efetiva para marcar um gol? Bola parada? Cruzamento pelo alto? Troca de passes? Contra-ataque? Chute de longa distância?
O futebol mudou. As linhas estão mais próximas, os espaços diminuíram, e a compactação virou palavra de ordem nos treinos e jogos. É cada vez mais difícil encontrar brechas entre defesa e meio-campo, e o caminho até a meta adversária virou um quebra-cabeça tático. Nesse cenário, as estatísticas ganharam protagonismo.
Munidos de GPS, câmeras e os mais modernos softwares, times contabilizam porcentagem de conversão de tudo quanto é jeito e destino. No fim, como se sabe, o único número que importa é o placar final, e tudo pode ir por água abaixo se a caprichosa resolver bater na trave e sair ao invés de entrar. Mas há como minimizar o peso do imponderável.
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Uma minuciosa análise feita por PLACAR, com base nos gols anotados pelos últimos cinco campeões do Brasileirão e de todos os 63 jogos da Copa do Mundo de 2022, evidencia alguns padrões, que na maioria das vezes refletem o planejamento tático e as características dos atletas envolvidos. Não há receita de bolo. Há equipes que apostam na posse de bola, outras que exploram o contra-ataque ou jogadas aéreas. Algumas priorizam cruzamentos no segundo pau, outras buscam infiltrações rasteiras. E sempre haverá do outro lado um time adversário, que também estudou comportamentos e usará suas próprias artimanhas para ganhar o jogo.
Cada detalhe importa, inclusive o pé de quem cruza. Canhoto ou destro? Pé trocado ou pé aberto? Bola no primeiro pau, no “funil” ou no segundo pau? A única certeza é que a boa e velha união de bons passadores e finalizadores segue sendo um diferencial e tanto.
Não é coincidência que o Palmeiras bicampeão em 2022 e 2023 tenha tido tantos gols do zagueiro Gustavo Gómez e assistências dos canhotos Gustavo Scarpa e Raphael Veiga, especialistas na batida da bola (e alçados à condição de meias “criativos” muito mais por cumprirem com primor mecânico os cruzamentos do que propriamente por tirarem coelhos da cartola). Quem combina leitura tática, execução técnica e inteligência nos detalhes está larga um passo à frente.
O coordenador do Clube do Remo, Cadu Furtado, destaca uma fase específica do jogo: “Cada vez mais, cresce a relevância das bolas paradas. Os estudos têm mostrado que em torno de 30% a 35% dos gols feitos em uma competição são originados assim. Temos em torno de 130 ações de bolas paradas em uma partida de futebol. São quase 30 minutos de um jogo”. Com passagens pelo setor de análise de desempenho de Cruzeiro e Flamengo (pelo último, conquistou os Brasileiros de 2019 e 2020 e a Libertadores de 2019), o profissional apresenta uma reflexão interessante: “O lance de bola parada é o único momento da partida em que as equipes se igualam tecnicamente e taticamente. É quando uma equipe inferior consegue se equiparar a uma superior.”
Porcentagem dos gols de cruzamento dos últimos cinco campeões brasileiros – PLACAR
Muitas zebras da história da modalidade, de fato, se beneficiaram das bolas alçadas. A seleção da Grécia que desbancou favoritos como o anfitrião Portugal no título da Eurocopa de 2004, por exemplo, fez gols oriundos de escanteio na semifinal e na decisão. Fechou a casinha e apostou na artilharia aérea, um clássico.
No entanto, os dados mostram que até mesmo as equipes mais caras, ofensivas e vitoriosas recorrem a boas batidas para vencer. O Campeonato Brasileiro é a prova disso. De acordo com o levantamento de PLACAR, o Botafogo de 2024, que findou uma fila de 29 anos na competição, contou com 28 gols originados de cruzamentos.
Ou seja, 47,4% de todas as 59 bolas na rede saíram de bolas enviadas de forma lateral para a área, seja pelo alto ou por baixo, com bola rolando ou não. Entre esses tentos,10 foram partiram de escanteios diretos.
A base de dados da página FBref permite elucidar cada caso com maior precisão. Sexto time com maior posse de bola da competição (média de 53,8%), a equipe comandada à época por Artur Jorge apostou muitas fichas em chegadas pelos lados, com 813 cruzamentos realizados, atrás apenas do Palmeiras, que somou 913.
Cruzar, no entanto, não foi uma das vias de sucesso apenas para o Fogão. O próprio Alviverde de Abel Ferreira se destacou no bicampeonato de 2022 e 2023 criando muito com bolas cruzadas (até mesmo com a mão, já que o lateral Marcos Rocha se notabiliza pela força de seus laterais cobrados para a área).
No título mais recente do Verdão, foram 31 gols de cruzamentos. Já em 2022, ano do recorde em cinco anos, somou 39 tentos desta forma. Uma particularidade no período chama a atenção: a maioria dos passes desse modelo saíram de um “pé trocado” – um passe de esquerda no flanco direito ou um passe de direita no flanco esquerdo. Foi a única vez que isso ocorreu nos cinco anos analisados.
Os jogadores com mais cruzamentos nos últimos campeonatos brasileiros – PLACAR
O treinador Leandro Zago, que comanda a categoria sub-20 do Atlético Mineiro matou a charada: “Desconfio que tenha alguma relação com a presença do Gustavo Scarpa. Ele é um jogador que tende a jogar pelo lado direito e gera muito cruzamento com precisão, então ele pode ter até ‘deformado’ um pouco esses dados.” Bingo. Das 10 assistências do meia canhoto, oito partiram do lado direito: um de falta, três de escanteio e quatro com a bola rolando. Já as duas com pé natural partiram do corner esquerdo.
Esta é a exceção que confirma a regra. Das 145 assistências analisadas, 94 foram de pé natural, 51 pé trocado. “Existem algumas vantagens para a utilização do cruzamento aberto. Uma delas é que geralmente o marcador tende a proteger o centro, então, o fundo fica mais desprotegido. Portanto, se o jogador consegue ganhar a profundidade, pode fazer um cruzamento que, geralmente, tem uma curva que foge da zona de ação do goleiro adversário e chega de maneira frontal para seu atacante”, explica Zago.
Eis um dado bastante curioso: dentre os gols frutos de cruzamentos dos últimos cinco campeões brasileiros, 63 saíram dos metros finais de campo, mas com predominância significativa do lado direito sobre o esquerdo (42 a 21, exatamente o dobro). O Flamengo de 2020 foi quem menos recorreu a cruzamentos, mas quem mais se beneficiou de assistências com pé natural (destros passando da direita e canhotos da esquerda): 81,5%, contra apenas 18,5% de pé trocado.
O time dirigido por Rogério Ceni atuava sem pontas e o líder de assistências foi Arrascaeta, com quatro de seus cinco cruzamentos para gol partindo do lado direito.
Pé trocado ou natural? A condição dos cruzadores em gols no Brasileirão – PLACAR
A interpretação do levantamento dos setores e dos lados de onde partem os cruzamentos nos leva a um ponto-chave do debate: a disputa cada vez maior por espaço no campo. Segundo o veterano técnico Vanderlei Luxemburgo, o duelo territorial está ligado a uma nova onda de modelos de treino, muitos deles importados da Europa, que prioriza – de forma exagerada, segundo Luxa – os toques curtos (confira abaixo). Para driblar essa dificuldade de adentrar à área adversária, uma das chaves é, então, trabalhar as jogadas ensaiadas.
“Elas são importantes para surpreender o adversário aproveitando as deficiências e espaços gerados no posicionamento defensivo da equipe. Para isso, é bom identificar as zonas que podem ser exploradas”, diz Cadu Furtado, que as separa em: 1ª trave (zona 1), centro (zona 2) e 2ª trave (zona 3), zona do pênalti e zona do rebote.
O coordenador do Remo ressalta a necessidade de considerar o material humano disponível, para moldar seu plano. “É preciso entender as características do seu elenco. Saber quem são seus cobradores, os atletas que podem ser bloqueadores, saber os que ficarão responsáveis pelo rebote e os que têm potencial ofensivo para atacar a bola (atletas alvos). A partir dessas informações, você adapta as estratégias.”
O mapa dos cruzamentos que resultaram em gols no Brasileirão desde 2020 – PLACAR
E como analisar o tema sob a ótica defensiva? Em uma era de tantas informações sobre posicionamento e jogadas, a proteção da própria área tornou-se ainda mais crucial. Na última Copa do Mundo de seleções, a relação entre os resultados e a segurança nos cruzamentos também ficou clara. A Argentina campeã no Catar sofreu apenas um único gol que partiu de cruzamentos, enquanto a vice França levou dois.
Leandro Zago ressalta a importância de afastar o perigo. “Esse tipo de defesa de área é muito complexo. Equipes que têm sucesso nisso levam muita vantagem, porque quando a bola entra na sua lateral de campo toda sua linha de defesa precisa mudar o posicionamento corporal. A linha está acostumada a ficar de costas para seu gol, quando a bola vai para o lado os zagueiros têm que ficar perfilados e isso muda totalmente a forma de controlar espaço”, explica.
O técnico do Galo sub-20 ainda aborda a questão emocional dos torneios de “tiro-curto” como o Mundial. “São momentos de extrema tensão, tendo em vista que um descuido pode acarretar uma eliminação.” Tudo está sendo observado, seja pelo seu time ou pelo adversário. De onde, como e para quem cruzar? As nuances são várias e a busca pelo caminho do gol segue instigando jogadores, analistas e técnicos. Mudam-se os métodos, mas o gol segue sendo um momento raro, complexo e, muitas vezes, uma junção de obras aleatórias.
Vandelei Luxemburgo trabalhou no Corinthians em 2023 – Instagram/@luxaoficial
“Mudamos nossas características para imitar a Europa”. À PLACAR, técnico Vanderlei Luxemburgo, de 73 anos, aponta problemas na formação de laterais e meias
O futebol brasileiro vive uma crise na formação de laterais mais agudos. Como o senhor, um ex-jogador da posição e treinador, analisa as causas e consequências disso? Nós mudamos as nossas características para as do futebol europeu. Só tem treinador europeu, a grande maioria nos grandes clubes, e a imprensa acha que temos que jogar como eles. Por isso, acabamos com nossos laterais, agora são três zagueiros o tempo todo, os laterais agora vão para frente, esquecem de fazer a cobertura, não fazem as coisas que têm que fazer. E meia também não tem mais, jogadores como o Estevão, como outros que jogam ali pela meia, estão indo para o lado de campo, isso é complicado.
O senhor falou algumas vezes sobre como o campo tem sido aproveitado de forma diferente, com cada vez menos espaço. É por isso que muitos times abusam de cruzamentos? Não, pelo contrário, vejo que o problema é que agora as pessoas só querem fazer campo reduzido, minijogo, e aí fica um futebol de toquezinho para lá e para cá, sem virada de bola, não tem mais treinamento técnico. Então, acho que nem tem muito cruzamento, é mais posse de bola e marcação, posse de bola e marcação.
Você tem preferência quanto ao pé dos cobradores? Para mim, é indiferente, o que importa é a qualidade do batedor. Dá para treinar o jogador canhoto a cobrar tanto pela direita quanto pela esquerda, o mesmo vale para o destro, dependendo do posicionamento. Tem treinamentos específicos para isso, é uma situação normal no futebol.
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