País do futebol? Sim, mas…
Os estrangeiros já não conhecem apenas a velha trilogia de estereótipos sobre o Brasil – “samba, sex and soccer” –, mas ainda pisam na bola na hora de entender o futebol e seu significado para os brasileiros
A maioria dos estrangeiros parece ter superado o estereótipo dos três “s” sobre o Brasil: samba, sex and soccer. Embora o comportamento politicamente correto tenha levado os ingleses a confraternizar numa capoeira com os moradores da Rocinha e os alemães a compartilhar uma dança da chuva com os índios na Bahia, os estrangeiros já sabem, de modo geral, que os brasileiros não vivem pulando Carnaval e que suas mulheres não estão a um assovio da cama, mas o futebol, logo o futebol, ainda os confunde com letalidade. O El País, maior jornal espanhol, por exemplo, informou, mais de uma vez, que os protestos e as manifestações nas grandes cidades são a prova de que o Brasil já ganhou a Copa. O motivo? É que, “pela primeira vez”, os brasileiros não colocaram o futebol acima de “suas exigências sociais e políticas”. Conclui o jornal: “Hoje o Brasil é mais que futebol. Sonha mais alto”.
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Ganha ingresso para um jogo da Espanha, com direito a goleada, quem conseguir apontar em que momento da história os brasileiros renunciaram às “suas exigências sociais e políticas” em nome do futebol. Isso faz parte do velho mito de ver o Brasil como um país cegamente fanático a ponto de confundir a taça com o Santo Graal. Em que pesem as reiteradas tentativas, os políticos brasileiros nunca foram donos do futebol, cuja graça, portanto, jamais esteve a serviço da manipulação popular. Nem a ditadura militar teve sucesso na tentativa de se legitimar politicamente com a conquista do tricampeonato em 1970. O general Médici, com seu radinho de pilha colado no ouvido, não mudou de tamanho quando Pelé, na cena clássica, comemorou o gol dando um soco no ar.
A sério e usando tom até dramático, o Wall Street Journal de domingo passado disse que a derrota brasileira para o Uruguai, na final da Copa de 1950, é um “trauma nacional” ainda a ser superado. É mesmo? Na esportividade do futebol, o Maracanazo, de mais de seis décadas atrás, entra no cardápio apenas para apimentar rivalidades, nunca como cicatriz na psique coletiva. (Há onze anos o Brasil não perde para o Uruguai. Nas últimas sete partidas, empatou duas e ganhou as outras cinco, e a maioria nem lembra disso.) O Journal ainda traz uma novidade retumbante, ao revelar o que ninguém sabia. Diz que os protestos de junho do ano passado foram contra os gastos excessivos da Copa do Mundo. Orçado em 1 bilhão de dólares, o custo da Copa já passa de 11 bilhões de dólares e enfureceu os brasileiros. Nos protestos do ano passado, porém, isso era residual. Até o mote contra o Mundial “não vai ter Copa” só surgiria meses depois.
Observando o país de longe, alguns estrangeiros imaginam que tudo o que se tem feito no país é parte da “preparação para a Copa”. O semanário inglês The Week informou no sábado passado que até a política de pacificação nos morros do Rio de Janeiro se deve à Copa. A brava Al Jazeera, emissora do coração (e do bolso) da família real do mesmo Qatar enrolado com as denúncias de corrupção para sediar a Copa de 2022, chegou a divulgar que a greve dos policiais militares em Pernambuco era uma manifestação contra a Copa, e que o esforço do estado para esconder essas manifestações levou a uma política de “encarceramento em massa”. Sério? O autor dessa enormidade é Khaled Beydoun, professor de direito da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
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Outra descoberta intrigante foi feita pela Fox News, que lamentou que os moradores do Morro da Mangueira, de onde se pode avistar o Maracanã, não estarão no estádio assistindo à final por falta de dinheiro. Seria mesmo necessário subir o Morro da Mangueira para encontrar brasileiros sem condições de pagar o ingresso? Há duas verdades que todos conhecem sobre as copas da Fifa: são eventos altamente populares, mas não são eventos para populares.
A noção de que o futebol é uma prioridade – ou era – e que tem o poder mágico de definir o comportamento das urnas é mais ou menos recorrente lá fora. O experiente Vac Verikaitis, que já cobriu competições esportivas em todos os cantos do planeta, escreveu no Daily Beast, site americano de notícias, que “a presidente Rousseff sabe” que, se o Brasil vencer a Copa, suas chances de ser reeleita serão “muito melhores”. As Copas anteriores mostraram que essa relação não existe. A influência eleitoral de uma Copa realizada no próprio Brasil, no entanto, é uma variável desconhecida, pois o último Mundial no país ocorreu há 64 anos. Tratá-la como uma verdade histórica, e ainda parte das certezas eleitorais da presidente Rousseff, é um desses frutos bastardos dos mitos que insistem em permanecer de pé.
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