Os tênis de corrida com placas de carbono revolucionaram o esporte
Eles quase foram banidos, mas hoje são o sonho de consumo de qualquer praticante
Nunca se correu tanto — nem tão rápido. Correr é um esporte individual, muitas vezes solitário, praticado de dia e de noite, sob sol ou chuva, e especialmente prazeroso em dias de temperatura amena. Quem corre — ou caminha com velocidade — garante que é relaxante, revigorante e libertador. Em tempos de pandemia, com piscinas e quadras fechadas, tornou-se para muitos a única opção segura. O número de praticantes acelerou em 2020, como demonstram as vendas e o uso de aplicativos atrelados à modalidade esportiva. Aumentaram também as opções de acessórios para corredores, como relógios com GPS para medir a performance, roupas antitranspirantes com proteção contra raios UV e até mesmo máscaras especiais que facilitam a respiração. O tênis, no entanto, continua sendo o sonho de consumo, o item indispensável para quem quer ir mais rápido ou mais longe — ou ambos. Entre tantos modelos disponíveis no mercado, a nova geração high-tech, com suas bases grossas porém levíssimas, feitas de fibra de carbono que impulsionam o corredor, é definitivamente a mais desejada.
Tênis com placas de fibra de carbono — material que, além de mais leve, é cinco vezes mais resistente que o aço — existem há décadas, mas a revolução do gênero começou em 2017, com o lançamento do Nike Vaporfly 4%, usado pelo recordista mundial da maratona, o queniano Eliud Kipchoge, que se tornaria garoto-propaganda da marca. Em 2018, o atleta de 1,67 metro e 52 quilos venceu a Maratona de Berlim, cravando a marca de 2h1m39s, sete minutos abaixo do tempo com o qual conquistou o ouro na Olimpíada do Rio. Na sequência, em 2019, ele foi o primeiro a terminar a prova (42 195 metros) em menos de duas horas, feito inigualável, o santo graal da distância.
A conquista do queniano bastou para fazer com que as vendas da Nike disparassem. No começo restritos a profissionais como ele, os supertênis logo passaram a ser acessíveis ao grande público e, mesmo custando em média 1 500 reais o par, hoje desaparecem das lojas físicas e virtuais. No entanto — e talvez alguns corredores não saibam disso —, a marca de 1h59m40s de Kipchoge, obtida em Viena, não foi oficializada, pois se tratava de um evento-exibição no qual o atleta recebeu ajuda externa, com um laser apontando onde ele deveria pisar e, principalmente, um protótipo exclusivo de tênis, com carbono reforçado, não produzido em série. Isso, como era de esperar, provocou debate.
Diante da gritaria de outros competidores, a World Athletics, órgão que rege o atletismo, decidiu revisar as normas de utilização de equipamentos. Afinal, havia precedente: o supermaiô de natação LZR Racer, que impulsionou campeões como Michael Phelps, ajudava a melhorar o desempenho dos competidores, como foi comprovado depois. Dessa forma, a World Athletics determinou que os calçados deveriam ter no máximo 40 milímetros de entressola, conter uma única placa de carbono e estar disponíveis no varejo quatro meses antes da estreia em competições. Mesmo sem o protótipo exclusivo (talvez agora Kipchoge não repita seu tempo), a melhora das marcas com o tênis produzido em série já foi cientificamente comprovada (veja o quadro). Um dos pontos negativos, contudo, é a durabilidade: o tipo fibra de carbono suporta cerca de 300 quilômetros, metade dos convencionais.
Passados quase quatro anos da estreia do Vaporfly, concorrentes multinacionais como Adidas e Asics já lançaram modelos semelhantes, mas nenhum deles sai por menos de 1 000 reais — o que não parece preocupar varejistas como a Netshoes, cuja venda de tênis de corrida em 2020 foi 60% maior do que no ano anterior. O número de praticantes, de fato, aumentou substancialmente. De acordo com o Strava, rede social voltada para esse esporte, com 10 milhões de usuários no Brasil, o registro em seu aplicativo cresceu 90% no período de um ano. Entre os usuários antigos, 55% bateram seus recordes pessoais em provas de 5 e 10 quilômetros, muitos provavelmente usando o novo produto. “O tênis faz toda a diferença, mesmo para amadores”, diz a personal trainer Luiza Fellippa. Ainda que o corredor não tenha a pretensão de ser um campeão queniano, ele fará corridas melhores e, com treinamento, chegará ao final delas mais inteiro.
Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729