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Olimpíada: Paris será uma festa em 2024

A cidade usará monumentos históricos e pontos turísticos nas competições. Depois da melancolia de Tóquio, o mundo se prepara para Jogos espetaculares

Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes, ela reproduz fielmente o passado, mas com os encantos do presente. Em 2024, Paris receberá uma Olimpíada exatos 100 anos depois de sediar o evento. Apesar de um século separar os dois acontecimentos, eles guardam semelhanças impressionantes entre si. Em 1924, o mundo havia superado uma pandemia global, a gripe espanhola, e espera-se que em 2024 a Covid-19 também tenha desaparecido do planeta. Na década de 20, novas possibilidades tecnológicas — carros nas ruas, telefones, filmes e até energia elétrica — começaram a ser usadas em ampla escala em metrópoles como Paris, escancarando as portas do futuro. Nos tempos atuais, máquinas inteligentes, redes sociais e a digitalização em massa têm efeito semelhante, e também há no ar a sensação de que tudo pode mudar a qualquer momento. Nos “loucos anos 20”, expressão consagrada pelos pesquisadores, a capital francesa foi palco dos primeiros debates sobre igualdade de gênero, e não há tema mais presente do que esse na segunda — e alucinada — década do século XXI.

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NO CHÃO - Projeção da Avenida Champs-Élysées, a mais famosa da cidade: o lugar deverá receber provas de ciclismo -
NO CHÃO - Projeção da Avenida Champs-Élysées, a mais famosa da cidade: o lugar deverá receber provas de ciclismo – Paris 2024/Luxigon/.

As semelhanças já seriam suficientes para fazer de Paris 2024 um evento histórico, mas há outro fator que torna a futura edição olímpica ainda mais fascinante: os organizadores querem usar a cidade como pano de fundo para as disputas, integrando atletas e fãs à paisagem urbana como jamais foi feito nas edições anteriores dos Jogos. Parece algo sem importância, mas na Cidade-Luz, e com seus monumentos, museus, galerias e outras fantásticas atrações turísticas, isso fará toda a diferença. “Estamos nos preparando para a Olimpíada mais mágica da história”, disse Tony Estanguet, chefe da comissão de organização, em entrevista recente.

Estanguet não está exagerando. Para ressaltar seu ponto, é preciso dizer que a Olimpíada de Paris terá um componente indispensável para eventos dessa magnitude: a presença do público. Se Tóquio foi penalizada pela pandemia, que afastou fãs e deixou certa atmosfera melancólica no ar, Paris representará a vitória da humanidade contra o vírus, na medida em que, espera-se, torcedores de diversas partes do mundo retomarão o espírito ecumênico que sempre marcou a realização de toda e qualquer Olimpíada. “Nosso objetivo é levar os Jogos para fora dos estádios, para lugares onde as pessoas estão, como museus e praças públicas”, afirmou Estanguet. Paris pretende, portanto, recuperar o que foi perdido nos anos de pandemia.

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Basta observar com atenção os planos olímpicos da cidade para entender que 2024 poderá, sim, ser um marco da nova era. A começar pela cerimônia de abertura. Segundo o comitê organizador, uma das propostas é que as delegações dos países, em vez de dar a tradicional volta olímpica nos estádios, sejam apresentadas no convés de barcos no Rio Sena, algo tão inédito quanto surpreendente. Nesse formato, centenas de milhares de pessoas poderiam ver, às margens do rio, o desfile dos atletas, mas pairam dúvidas sobre como garantir a segurança para contingente tão grande.

JOGOS DE 1900 - Natação no Sena: como no passado, o rio terá competições -
JOGOS DE 1900 - Natação no Sena: como no passado, o rio terá competições – //COI

O que já é certo é o local de algumas competições, e eis aqui o charme irresistível que só a França é capaz de oferecer. As provas de hipismo terão um certo quê nostálgico. Elas serão realizadas nos jardins do Palácio de Versalhes, local onde, três séculos atrás, a cavalaria do rei Luís XIV certamente impressionou toda a sorte de monarcas. No coração da capital francesa, o Grand Palais, palco da célebre Exposição Universal de 1900, receberá os atletas da esgrima e do tae kwon do. O túmulo de Napoleão Bonaparte, que repousa no Palácio Nacional dos Inválidos, terá como companhia as provas de tiro com arco, enquanto a Praça da Concórdia, uma das mais famosas do mundo, abrigará modalidades urbanas como ciclismo BMX, skate e basquete 3×3. A França abusará de seu feitiço até no surfe. As baterias olímpicas ocorrerão nas águas turquesas da Polinésia Francesa, território a 15 000 quilômetros de Paris.

Dois ícones parisienses resplandecerão ainda mais nos Jogos. Aos pés da Torre Eiffel, no gramado do Champ de Mars, ficarão as arenas de vôlei de praia, para a satisfação de fotógrafos e turistas. É no Rio Sena, porém, que a festa atingirá o seu auge. Além da cerimônia de abertura, as competições em águas abertas serão realizadas ali, incluindo a maratona aquática e um dos braços do triatlo. Não será a primeira vez que o Sena servirá de palco para os atletas. Em 1900, quando Paris também sediou os Jogos, as provas de natação foram realizadas nas suas águas, com a correnteza a favor — não à toa, diversos recordes foram quebrados.

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GRAND PALAIS - Touché: palácio centenário abrigará duelos de esgrima e tae kwon do -
GRAND PALAIS – Touché: palácio centenário abrigará duelos de esgrima e tae kwon do – Franck Fife/AFP

A Olimpíada da França interromperá o ciclo de investimentos em infraestruturas superdimensionadas e, na maioria das vezes, inúteis. Também não será preciso gastar fortunas em mobilidade urbana, já que a maior parte das disputas ocorrerá em um raio de 10 quilômetros. Além disso, a proposta de Paris é usar 93% das instalações existentes, deixando apenas uma pequena parcela para novos projetos. Por todas essas razões, os organizadores dizem que a Olimpíada será a mais sustentável de todos os tempos, sem desperdício de recursos, com reciclagem de materiais e preservação das áreas verdes. Promessas desse tipo, lembre-se, são corriqueiras no universo dos grandes eventos, mas Paris assegura que elas são reais.

No aspecto financeiro, os Jogos estão orçados em 6,2 bilhões de euros, quase a metade do valor que foi gasto em Tóquio, atropelada pelos protocolos para conter a pandemia. A tradição olímpica, porém, é extrapolar os valores previstos inicialmente. O presidente Emmanuel Macron garantiu que o montante será mantido, mas os políticos em geral dizem isso, mesmo se depois a história mudar completamente. Os Jogos também deverão ser os primeiros em que a divisão de atletas dos sexos feminino e masculino será igual. Se for assim, melhor ainda. De todo modo, a festa em 2024 deverá ser inesquecível. Quando chegar a hora, Paris será uma festa, pronta para iluminar o mundo inteiro.

Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751

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