Olhar tático e técnico: os grandes erros na crise da Era Dorival
Em quinto nas Eliminatórias, seleção brasileira encara problemas de liderança, sumiço de Vinicius Jr. e outros reflexos do abandono da gestão de Ednaldo Rodrigues
A derrota do Brasil para o Paraguai, na última terça-feira, 10, no Estádio Defensores del Chaco, em Assunção, expôs ainda mais a profunda crise da seleção brasileira. Ainda que muitos considerem esta uma uma atuação “para esquecer”, convém fazer o oposto: rever, refletir e analisar cada problema com atenção.
Os 90 minutos na capital paraguaia foram o retrato perfeito de um futebol que definha. Confuso, inseguro e nada agressivo, o time comandado por Dorival Júnior fez jus à queda de rendimento progressiva após os dois primeiros amistosos.
No fim das contas, a vitória sobre a Inglaterra e o empate com a Espanha foram enganosos. E a sequência não deixa mentir, visto que o futebol caiu de nível com o período de treinamento para a Copa América, piorou durante a competição e chegou à sua pior fase no 10° jogo do trabalho. Confira os pecados do time:
Rigidez tática
Treinador de bons trabalhos recentes em São Paulo e Flamengo, Dorival não consegue replicar seu modelo na seleção. Não apenas o rendimento é diferente, mas também o modelo, visto que se destacou com ataques mais móveis nos clubes, mas apresenta um Brasil rígido, como foi até na vitória sobre o Equador, na última sexta-feira, 6.
O técnico vem escalando a equipe com quatro defensores, três meio-campistas e três atacantes. Ainda que algumas mudanças em peças sejam executadas (como a utilização ou não de um centroavante), o 4-3-3 é a base.
A grande questão, no entanto, não está na formação, mas sim na forma de atacar. Faltam ultrapassagens pelos lados, apoios no meio-campo e utilização coerente de Vinicius Júnior, a principal peça.
Cadê o Vini do Real Madrid?
“Os jogos na Europa são mais rápidos do que aqui. A bola chega mais rápido por conta do campo, temos que nos adaptar para jogarmos da melhor maneira para ganharmos os jogos”. Foi assim que Vini justificou a diferença entre seu rendimento pelo Real Madrid e pela seleção.
Porém, outros pontos também precisam entrar na balança. Desde que passou a brilhar na Espanha, especialmente sob comando de Carlo Ancelotti, Vinicius não é escalado “na esquerda”, mas sim “da esquerda”, como mostra o mapa de calor de sua última La Liga.
A diferença, que pode parecer sutil, é gritante. Enquanto no Real o brasileiro alterna entre ponta e atacante, com liberdade para partir dos lados para o centro, explorando o espaço vazio, conduzindo ou surgindo como opção, na seleção ele é um extremo.
Nessa função, suas atuações de fato não são boas. Nas partidas contra Equador e Paraguai, ele perdeu a posse da bola 31 vezes e venceu apenas quatro de 12 duelos no chão. Além de uma clara queda técnica, os números também passam por ele estar colado à linha, o que vai ao encontro de outro ponto negativo: a utilização dos laterais.
Utilização dos laterais
Lembrar com saudade de Nilton Santos, Roberto Carlos, Júnior, Cafu, Leandro e Jorginho pode deprimir o torcedor da seleção brasileira. E não é segredo para ninguém que, atualmente, o nível não é comparável ao desses craques de antigamente.
Ainda assim, o rendimento na posição poderia – e deveria – ser melhor. Por características, Guilherme Arana é o mais agudo entre os convocados para a função e rende no Atlético Mineiro com boas chegadas, em grande maioria como o mais aberto pelo lado esquerdo.
Já no time de Dorival, o lateral apareceu muitas vezes em uma linha mais próxima ao centro. Além de não ter realizado tantas ultrapassagens, o que minou a fluidez pelo setor. Na imagem abaixo, é possível ver Arana (destacado em azul) por dentro e Vini (destacado em amarelo) em amplitude máxima.
Enquanto Arana não teve suas características potencializadas na esquerda, o lado direito parecia abandonado. Contra o Equador, Luiz Henrique, ponta do lado, se viu sozinho sob marcações dobradas constantes, enquanto contra o Paraguai, com Rodrygo de titular, o espaço ficou ainda menos agressivo, o que passa pela utilização do conservador Danilo.
Danilo, improvisado como lateral e capitão
Desde o fim da Copa do Mundo de 2018, a direita defensiva do Brasil tem um dono. Jogador de muita consistência defensiva, boa noção de construção em pressão e preenchimento de espaços, Danilo foi titular na direita no último ciclo de Tite – e se manteve após o Mundial de 2022.
O problema central, contudo, é que sua escalação como lateral-direito tem se tornado cada vez mais restrita à seleção brasileira. Jogador da Juventus, ele atuou boa parte da temporada 2023/24 como zagueiro pelo lado esquerdo.
Ou seja, além de estar atuando improvisado em posição, também aparece do lado oposto do campo em que vem se acostumando. Como resultado, a direita se tornou nada agressiva, especialmente quando Rodrygo, escalado para flutuar, deixou o espaço vazio para um ataque de Danilo – o que não aconteceu.
Apesar disso, a titularidade do atleta parece ser incontestável. Isso, pois, assumiu o papel de capitão da reestruturação, mesmo com papéis controversos para um líder, como nas declarações contra o trabalho de Fernando Diniz ainda durante a passagem do técnico e na discussão com torcedores após um empate nada inspirado na estreia da Copa América.
A bagunça de Ednaldo
A fase crítica acabou sendo reverberada em muitos nomes que, sim, têm parcelas de culpa, mas não estão no topo de uma entidade que exala desorganização. Por isso, é sempre importante elencar questões e colocar Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, como um grande responsável pelo momento.
Desde que o dirigente assumiu o comando da confederação que comanda o futebol nacional, a lista de fracassos é extensa. Apenas no recorte depois da Copa do Mundo de 2022, Ednaldo deixou a seleção brasileira sem um técnico efetivo por mais de um ano, com a ilusão de um acerto com Carlo Ancelotti.
E, nesse meio tempo, as soluções foram apontar Ramon Menezes, técnico que sequer justifica o trabalho nas categorias de base, e Fernando Diniz, que dividiu funções com seu cargo no Fluminense, para as posições de interino. Decisões que atrasaram em dois anos o desenvolvimento do ciclo para o Mundial de 2026. Depois, um dia após retornar de um processo de impeachment, Ednaldo resolveu se apressar na contratação de Dorival Júnior, que agora surge como escudo para o cartola.
Como reflexo, a bagunça tomou conta e o Brasil corre, sim, riscos de ficar fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez na história. Fato inédito que não seria injusto para uma CBF que, além de não ter linha de trabalho no futebol, sequer consegue manter no ar o seu site oficial.