Com Tom Brady próximo do ocaso, o ‘lançador’ subverte as características de sua posição ao sair correndo com a bola
Para a tristeza de muitos (entre eles Donald Trump, amigo de longa data) e alegria de outros tantos, Tom Brady, o indefectível camisa 12 do New England Patriots, não estará presente no Super Bowl do próximo dia 2 de fevereiro, o jogo decisivo que apontará o vencedor da NFL, a liga nacional de futebol americano, apoteose do produto de entretenimento esportivo mais bem-acabado do planeta. A equipe dos arredores de Boston perdeu no último sábado, 4, para o Tennessee Titans e deu adeus à disputa deste ano. É um fato raro, afinal o veteraníssimo Brady esteve presente em nove das últimas vinte finais, das quais em seis empunhou o troféu Vince Lombardi, dado aos campeões. Aos 42 anos e sem contrato a partir da próxima temporada, paira uma forte especulação sobre a aposentadoria do marido da modelo brasileira Gisele Bündchen, algo que o próprio atleta resiste em aceitar. “Espero que seja improvável”, disse o jogador dos Patriots depois da derrota. “Vamos deixar assim: quem sabe o que o futuro me aguarda?”
Sem Brady, contudo, as próximas partidas de play-off da NFL não perderão em atratividade. O motivo: o brilho inovador de um outro “lançador” — a tradução possível para a posição de quarterback. Com uma ressalva: Lamar Jackson, o camisa 8 do Baltimore Ravens, eis o nome da fera, grande favorito ao prêmio de melhor jogador da temporada, se destaca ao pôr a bola oval debaixo dos braços e sair em disparada pelo gramado. Sua especialidade, insista-se, não são os lançamentos que fizeram a fama de Brady.
Embora não represente total ineditismo, o quarterback que tem como principal atributo a velocidade (e não o passe) é uma exceção histórica na NFL. Enquadram-se no grupo Colin Kaepernick, vice-campeão em 2012, e Michael Vick, que chocou a liga por sua explosão física no início dos anos 2000. Lamar Jackson impressiona, entre outras coisas, pela rapidez. “Ele é completamente fora da curva em termos de habilidade atlética”, diz Paulo Antunes, comentarista de futebol americano da ESPN, emissora por assinatura que transmite a competição com exclusividade para o Brasil. “Nunca vi ninguém com tal velocidade jogando nessa posição.” Basta comparar seus dados de jardas percorridas com os de Brady, um lançador clássico, para notar a diferença (veja o quadro).
Em sua segunda temporada como profissional, Lamar foi o sexto jogador com o maior número de jardas alcançadas com as pernas durante os dezesseis jogos da “fase de grupos” da NFL. Ele só ficou atrás de cinco running backs, os grandes especialistas em carregar a bola pelo campo. As 1 206 jardas alcançadas superaram as 1 039 de Michael Vick, recorde entre os jogadores da posição estabelecido em 2006. A celebração do surgimento de um novo mito pode ser prematura, mas há espanto. “Sinceramente, tinha muitas dúvidas, porque, para ser quarterback na liga, você precisa saber lançar a bola”, pondera Paulo Antunes.
A desconfiança dos especialistas foi superada graças a uma mudança significativa de estratégia — e estratégia é quase tudo no futebol americano. A comissão técnica dos Ravens resolveu apostar na melhor característica de Lamar para reescrever totalmente o enorme livro de jogadas ensaiadas pelo ataque. Como os adversários passaram a ficar mais preocupados com o chamado jogo terrestre, obteve-se uma vantagem importante: os recebedores acabaram ganhando mais espaço. Dessa forma, quando a bola lançada pelos ares se mostra a opção mais adequada, Lamar tem maior liberdade para executar o passe, se achar melhor. “Ele veio dos torneios universitários muito cru. Foi feito um trabalho formidável para maximizar seus talentos e montar um time ao seu redor”, diz Antony Curti, outro comentarista da ESPN. Explorar as virtudes do craque do time é meio caminho andado para o touchdown. Ou melhor: meio caminho corrido.
Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669