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O quinto tempo de Putin

Com a seleção russa viva na Copa, o presidente ganha fôlego na grita contra a reforma da previdência (não, não é no Brasil)

É, Putin, agora que a Rússia conseguiu se manter viva na Copa do Mundo, ao vencer nos pênaltis a Espanha, depois de empate em 1 a 1 em 120 minutos, agora que o futebol pode continuar a ser o ópio do povo, ao menos você ganhou um colchão para deixar o povo calmo, reclamando só nas conversas de cozinha (hábito russo por excelência). Mas até quando? No domingo, 1º de julho, enquanto a seleção dona da casa eliminava os espanhóis nas oitavas-de-final no estádio Lujniki, milhares de pessoas – bem poucos milhares, é verdade, bem menos que os 78 000 da arena – saíram às ruas de algumas cidades do país para protestar contra o aumento da idade de aposentadoria, cujo projeto foi oficialmente apresentado pelo governo do primeiro-ministro Dmitri Medvedv, fantoche de Putin, no dia de abertura do torneio. Desde que a União Soviética de Stalin começou a pagar aposentadorias – a partir de 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens –, o teto nunca foi mexido, não que faltasse pressão para fazê-lo. O plano, agora, é deixar que as mulheres vistam pijamas aos 63 anos e os homens, aos 65.

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Os defensores da reforma, aliados de Putin e Medvedev, alegam que a rigidez é herança maldita do tempo soviético, e que inevitavelmente quebrará o Estado, como já aconteceu no colapso do império, em 1991. Os inimigos da reforma têm um bom argumento: como a expectativa de vida na Rússia é de 70 anos, empurrar a idade equivaleria obrigar as pessoas a trabalharem até a antessala da morte. Para efeito de comparação, no Brasil, a idade mínima para pedir o direito a aposentadoria é de 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens – mas a expectativa de vida vai um pouquinho mais longe, a quase 75 anos (um parêntese para lembrar que também no Brasil a questão é incendiária, e como os problemas do cotidiano russo se parecem com os brasileiros).

A guerra da aposentadoria é o grande tema da Rússia no momento – ok, ok, há a Copa do Mundo, o choro espanhol, a prematura saída de Messi, Cristiano Ronaldo e Iniesta. Um youtuber muito popular postou recentemente uma tirada que fez muito sucesso, termômetro dos humores da população e do governo no equilíbrio entre as falsas promessas do futebol e a realidade do dia-a-dia. No vídeo, o blogueiro se aproxima de dois policiais em Moscou e pergunta: “podemos sair por aí, bebendo à vontade, quando a Copa acabar?”. A resposta dos policiais: “Se vocês são russos, não. Mas se são estrangeiros, sim”.

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Parte da justificativa para poucas pessoas terem ido à rua neste domingo, 1º, a convite do líder da oposição, Alexei Nalvany, é a dureza com que Putin trata qualquer tipo de manifestação política – durante a Copa foram proibidas, e sair para a rua, que não seja para gritar gol, incide em multa pesada, multiplicada nos casos de reincidência. Mas o desconforto da população é nítido. Mais de 2,5 milhões de russos assinaram, há pouco tempo, uma petição on-line contra a ideia da aposentadoria adiada; segundo recentes pesquisas, a aprovação de Putin caiu para “apenas” 72% em 17 de junho. Pouco, sim, para os padrões autocráticos do presidente, que a tudo controla e cuja popularidade não chegava a ponto tão “baixo” desde a anexação da Crimeia, em março de 2014.

Como não há VAR que mude os sentimentos da população, como não há VAR que os convença a perder um direito de mais de sete décadas, Putin tem pela frente um quinto tempo quente, depois dos dois regulamentares e da prorrogação. Vai levar para os pênaltis, sem dúvida, mas a briga pela aposentadoria  é jogo de mata-mata – e terá de pegar bolas como a do goleirão Akinfeev, o herdeiro de Yashin (e que bela defesa ele fez no último pênalti da disputa, batido por Iago Aspas!).

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