O milagre do Independência: o dia em que Victor virou santo
O maior momento da carreira do goleiro campeão da Libertadores com o Atlético Mineiro foi o tema da seção “Um Lance Inesquecível” na PLACAR de julho
“Olhar para o campo era como encarar a morte, sensação reforçada pelas máscaras do filme Pânico que a torcida combinou usar. (…) O apito do árbitro foi seguido de um silêncio desolador”. Assim o jornalista Pedro Galvão descreveu os segundos que antecederam a cobrança de pênalti de Duvier Riascos, do Tijuana, já nos acréscimos das quartas de final da Libertadores de 2013, contra o Atlético-MG. O relato do lance que eternizou o goleiro Victor como santo e fez o Galo dar o mais importante dos passos rumo ao título inédito foi relembrado na seção “Um lance inesquecível” na edição do mês de julho de PLACAR.
O atacante colombiano só precisava converter o pênalti para classificar os mexicanos e acabar com o sonho do Atlético em pleno Independência. Victor tinha outros planos. Voou para o canto direito e se esticou para, com o pé esquerdo salvador, evitar o gol quase certo. Pedro Galvão, que é atleticano e topou o convite de PLACAR para escrever sobre o momento que assistiu das arquibancadas, contou a história pelo olhar do mais apaixonado torcedor.
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“’Adianta e pega, Victor! Em Libertadores ninguém manda voltar!’, gritei, sonhando com a possibilidade mesquinha (porém factível) de salvação. E assim foi. São Victor do Horto surgiu com seu pé esquerdo salvador, uma defesa improvável que virou o lance mais inesquecível na memória atleticana — desde 2014, todo ano, religiosamente, mesmo os torcedores agnósticos fazem uma procissão no entorno do Independência em 30 de maio”, escreveu.
No último ano de contrato com o Galo, hoje Victor, aos 37 anos, amarga a reserva da equipe do técnico Jorge Sampaoli. Independente de qual seja o destino do goleiro, a lembrança para o torcedor atleticano será eterna. Confira o relato completo publicado na edição de julho de PLACAR, com ilustração de Pedro Lins:
O MILAGRE DO INDEPENDÊNCIA
O Atlético Mineiro estava em grande fase, mas fez um jogo ruim em casa. Quando tudo parecia perdido, a massa que lotava o estádio viu nascer São Victor do Horto e passou a entoar um grito que virou marca: “Ah, eu acredito”
Noite de 30 de maio de 2013, Estádio Independência, em Belo Horizonte. Eu era um dos 21 000 torcedores no jogo de volta das quartas de final da Taça Libertadores. O Atlético Mineiro estava “voando”. Depois de fazer a melhor campanha na fase de grupos e trucidar o São Paulo nas oitavas, tinha ido ao México enfrentar o Tijuana e voltara com um empate e dois gols marcados fora de casa. A expectativa era enorme — outra noite de festa e esperanças renovadas pelo troféu inédito e pelo fim do longo jejum de grandes conquistas. Mas…
Ronaldinho, Tardelli e companhia não se encontraram em campo, e os mexicanos abriram o placar, ainda no primeiro tempo. Réver empatou, e o resultado garantia a classificação. Até que, aos 46 minutos da etapa final, o juiz chileno Patricio Polic marcou pênalti para o Tijuana, em falta de Leonardo Silva sobre Aguilar.
Olhar para o campo era como encarar a morte, sensação reforçada pelas máscaras do filme Pânico que a torcida combinou usar. Até porque, àquela altura, muitas estavam viradas para trás, na nuca, fitando o torcedor no degrau acima da arquibancada, o que só aumentava o medo de reencontrar os fantasmas mais aterrorizantes, os de sempre, e cair novamente no inferno da desilusão, tantas vezes visitado desde o já longínquo título brasileiro de 1971. O apito do árbitro foi seguido de um silêncio desolador.
Eu me recusava a aceitar, mas não conseguia escapar de um pensamento: “Vai ser sempre assim”. Ao meu redor, a massa tão vibrante se dividia entre os que já partiam, os que xingavam e os que se encolhiam, olhando fixamente para o chão, para não ver a tragédia iminente. Eu lembro que consegui “ver para crer” (frase atribuída a São Tomé no catolicismo) a realização de um milagre seguido do nascimento de um “santo”.
Nos menos de dois minutos até a cobrança da penalidade máxima, vi um menino, por volta de 10 anos de idade, a consolar o pai, que lutava inutilmente para segurar as lágrimas, talvez envergonhado de chorar na frente do filho, talvez culpado por fazer a criança passar por aquilo. Foi o que me deu coragem para abrir os olhos e voltar ao que se passava no gramado.
O centroavante colombiano Duvier Riascos ajeitava a bola, confiante no gol que classificaria o Tijuana. “Adianta e pega, Victor! Em Libertadores ninguém manda voltar!”, gritei, sonhando com a possibilidade mesquinha (porém factível) de salvação. E assim foi. São Victor do Horto surgiu com seu pé esquerdo salvador, uma defesa improvável que virou o lance mais inesquecível na memória atleticana — desde 2014, todo ano, religiosamente, mesmo os torcedores agnósticos fazem uma procissão no entorno do Independência em 30 de maio.
Victor, até então apenas um ótimo goleiro, responsável por duas ou três defesas importantes durante aquele jogo, ainda pegaria outros dois pênaltis decisivos na Libertadores de 2013 e se tornaria o herói do título, como foram Marcos, Ceni e Cássio por outros times vencedores do maior torneio das Américas. E então, o vento, contra quem o atleticano tanto torceu a vida inteira, finalmente virou a favor e foi possível “acreditar” em reviravoltas, vitórias e conquistas.