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O fim das dores de Tiago Splitter, o brasileiro que fez história na NBA

Primeiro brasileiro campeão da liga americana, ex-atleta catarinense de 33 anos relembra vitoriosa carreira – abreviada por sequência de lesões

Tiago Splitter tem um dos currículos mais invejáveis do esporte brasileiro. Ainda adolescente, o menino loiro e grandalhão de ascendência alemã vestiu a camisa da seleção brasileira de basquete pela primeira vez – e só deixaria de ostentá-la depois dos 30, quando as dores se tornaram insuportáveis. O talento do pivô de Blumenau (SC) foi notado ainda na adolescência, por um olheiro que o levou para o Baskonia, da Espanha, onde viveu seu ápice individual: foi eleito MVP (jogador mais valioso, na sigla em inglês) da Liga Espanhola de 2010, mesmo ano em que foi contratado pelo San Antonio Spurs, uma das equipes de maior sucesso da NBA.

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O sonho de Splitter sempre foi jogar na liga americana, mas sua trajetória com a camisa dos Spurs superou as expectativas. Foi titular em boa parte de sua trajetória na franquia, que contava com estrelas como Manu Ginobili, Tim Duncan e Tony Parker e, em 2014, tornou-se o primeiro brasileiro campeão da liga americana, com média de 8,2 pontos e 6,2 rebotes por partida. “O carinho dos fãs comigo é maior em San Antonio do que no Brasil ou qualquer outro lugar do mundo”, orgulha-se. O atleta catarinense de 2,11 metros também defendeu o Atlanta Hawks e o Philadelphia 76ers na NBA, e foi uma das referências da seleção brasileira, que recuperou o prestígio em 2012 e voltou às Olimpíadas após 16 anos de ausência.

Apesar de vitoriosa, a carreira de Splitter terminou mais cedo do que o previsto: em 2018, aos 33 anos, o pivô anunciou sua aposentadoria, abatido por uma sequência de graves lesões e cirurgias no quadril, que o tiraram da Rio-2016 e o impedem até mesmo de correr atualmente. “Psicologicamente, foi muito difícil. Estava na maior liga do mundo, participando de finais, mas o corpo já não respondia, era muito frustrante.”

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Ainda vivendo nos EUA e livre das dores insuportáveis, o brasileiro foi contratado pelo Brooklyn Nets para ajudar na parte administrativa e técnica. Em entrevista exclusiva, Tiago Splitter relembrou seus feitos, elegeu o atleta mais difícil de marcar na NBA, o maior provocador da liga e contou bastidores do vestiário dos Spurs – dos trotes de Tim Duncan às broncas do técnico Gregg Popovich:

Como foi o início de sua carreira até chegar à Espanha? Saí de casa com 13 anos para jogar torneios, quase não ficava em casa, era só seleção brasileira, seleção catarinense. Um olheiro me viu num campeonato sul-americano com a seleção brasileira e me convidou para ir para a Espanha. Com 15 anos eu já estava jogando na seleção sub-20, estava bastante adiantado e era o que eu queria fazer. Me ofereceram um contrato de dez anos no Baskonia, uma situação financeira legal. Fui para a Espanha e apostei no meu futuro no basquete.

Você foi escolhido em 2007 pelos Spurs, mas só chegou de fato à equipe três anos depois. Por quê? Porque fui apenas o 28º escolhido do draft, então não foi uma coisa positiva como as pessoas pensam, eu queria estar entre os dez primeiros. Passei vários anos na expectativa de ser selecionado, só que eu tinha um contrato muito longo com o Baskonia, que só acabaria em 2010. Por esse motivo, muitos times tinham medo de me draftar e eu não ir por estar preso àquele contrato. Por isso, acabei deixando a oportunidade passar. Com certeza os anos na Europa me ajudaram a amadurecer. O San Antonio Spurs precisava de jogadores prontos.

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Popovich e Splitter em 2011 D. Clarke Evans/NBAE/Getty Images

O técnico Gregg Popovich tem fama de durão. Como foi o primeiro contato com ele? Ele é um cara muito ‘paizão’. Lembro que fomos jantar – acho que ele convida todo mundo que chega para tomar um vinho –, uma coisa descontraída. Falamos da vida, sobre a experiência de basquete, sobre a minha vida, para ele me conhecer um pouquinho melhor, nada muito centrado nos Spurs. E sempre foi assim, uma conversa muito franca e aberta. 

Passou por muitos ‘trotes’ como novato? Nada demais, eu só tinha de levar donuts nos dias de jogos para o Tim Duncan. Ele era um cara muito tranquilo, nunca foi muito de fazer as pessoas se sentir mal ou envergonhadas. Ele era um capitão bem reservado nesse aspecto e nunca tivemos de fazer nada demais.

A presença de outros estrangeiros na equipe ajudou em sua adaptação? Sim, facilitou bastante. O Manu Ginobili me ajudou muito na época, tínhamos amigos em comum, o Luis Scola e o Pablo Prigioni jogaram comigo na Espanha e eram seus companheiros na seleção argentina. Essa relação com o Ginobili foi uma ponte, tive bastante facilidade em me comunicar com ele, que era uma das peças-chave do time. Nos entendíamos dentro e fora de quadra.

Como era a relação com Ginobili depois dos clássicos entre Brasil e Argentina? Sempre teve brincadeiras, principalmente pelos jogos de futebol. Ele era a pessoa com quem eu mais tinha afinidade dentro do vestiário. Por sermos sul-americanos, pensamos de forma parecida sobre muitas coisas e temos muitos amigos em comum.

Ele chegou a conversar com você antes de se aposentar? Sim. Ano passado ele já estava com dúvida se jogaria ou não, o Popovich pediu para ele continuar mais um ano para estar com o time depois da saída do Tim Duncan, e ele acabou jogando, fez um grande esforço. Neste ano ele está desgastado mentalmente e fisicamente, o basquete tira muito tempo do atleta com sua família. Ele quer curtir um pouco mais com a família e os filhos.

Mantém contato com os ex-companheiros? Falo com a maioria dos jogadores, são pessoas que marcaram em minha vida, passamos por alegrias e dificuldades. O fato de termos perdido uma final, em um arremesso no último segundo, e ganhar uma final no ano seguinte nos uniu muito. Com certeza, essa é uma relação que vai durar, algo muito especial.

Aquela derrota na final de 2013 para o Miami Heat o fez crescer como atleta? Sim. Tínhamos um grande time, o Miami também, e por dois ou três minutos nós vacilamos mesmo, a palavra é essa. Tivemos erros infantis e acabamos perdendo o jogo. Mas são coisas que acontecem no esporte, você aprende com isso e se torna mais forte, melhor pessoa, melhor jogador. Tenho gratidão por ter passado por esse momento, aprendi muito, no esporte e na vida.

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Como foi a conversa com Popovich depois daquele jogo? Não teve nada muito agressivo, ele nos disse que não tinha mais nada a fazer, o que passou, passou. A conversa mais importante veio no primeiro treino da temporada seguinte, analisamos aquele jogo e o que fizemos de errado. Ficamos mais ou menos quatro horas assistindo a esse jogo, detalhe por detalhe, até vermos tudo o que cada um tinha de fazer melhor. Nosso objetivo era chegar na final de novo e ganhar deles. Quando ficávamos um pouco mais ‘para baixo’, esse jogo era sempre lembrado, era uma motivação extra para nós. 

Como é enfrentar LeBron James? Ele é um super jogador, um cara que realmente é bom em tudo, arremessa bem, infiltra, passa, é alto, forte, explosivo… O objetivo não era pará-lo, mas minimizar o estrago que ele iria fazer na nossa defesa.

E quem é o jogador mais difícil de ser marcado na NBA? Kevin Durant. A final da conferência oeste de 2014, contra o Oklahoma City Thunder, foi muito mais difícil do que a final contra o Miami. Tivemos de contar com muitos dos nossos jogadores no mais alto nível para vencer. Foi espetacular o que fizemos naquela final.

Esperava essa ascensão do Golden State Warriors? O crescimento deles não nos surpreendeu. Eles já tinham um time bom, mas a chegada de alguns jogadores, como o Durant, os elevou a outro nível. O Stephen Curry já era um cara espetacular na época, mas agora eles jogam com mais liberdade e confiança, tudo isso faz com que eles sejam muito perigosos.

O que acha dos atletas adeptos do trash talk (provocação com ofensas em quadra)? Nunca fizemos trash talk, não era parte da nossa cultura e nem bem visto entre nós. É algo que vende na imprensa, mas nunca me afetou em nada, não fazia diferença, sempre aprendi a responder jogando. Houve vezes em que o Kevin Garnett falou um monte para mim e eu só fiquei olhando para a cara dele. Cair em provocação é pior, é como um apelido de escola, se você não gostar, vai pegar para sempre.

Garnett era o maior provocador? Da época mais antiga, o maior falastrão era ele. Da atual, é o DeMarcus Cousins, mas contra nosso time era diferente, quase ninguém fazia isso, porque eles sabiam que eu não ia cair na provocação, muito menos o Tim Duncan, Tony Parker, Manu Ginobili. Eles sabiam que iríamos devolver com pontos na cara deles.

Qual foi o melhor momento de sua carreira? Preciso citar dois: primeiro o título com o San Antonio Spurs, em 2014, e depois a classificação da seleção brasileira para as Olimpíadas de Londres, em 2012, por causa da pressão que tivemos que enfrentar, tanto da mídia, como de patrocinadores.

Qual o tamanho da frustração por não ter conquistado uma medalha olímpica? Com certeza era nosso sonho, é algo que fica entalado na garganta, mas durmo tranquilo porque sei que demos o máximo. Não é fácil, passamos perto muitas vezes, era nosso objetivo em todas as competições. Terminamos em quinto em uma Olimpíada e em sexto em um Mundial, brigando com uma geração dourada da Argentina – que foi campeã olímpica – e, muitas das vezes, não passamos por causa deles, mas temos que dar o crédito a eles, fizeram história.

Como você lidou com a sequência de lesões até decidir pela aposentadoria? Aos poucos fui começando a sentir o corpo mais frágil, não era mais o mesmo. É difícil, porque a cabeça quer ir, mas o corpo não acompanha. Nos últimos anos em que joguei, até mesmo quando fomos campeões em 2014, tive de medir muito o que eu fazia para não me machucar e estar bem para o próximo jogo. Eu sentia que o momento estava chegando e depois da operação, voltei a jogar um pouco, mas já sabia que era o final.

Ainda sente dores? Não sinto dor no cotidiano, mas não posso mais correr e nem jogar basquete. Pelo desgaste de todos esses anos de basquete, tenho pouca cartilagem no quadril, tanto no lado operado, como no outro. Mas posso ir para a academia fazer bicicleta e outras atividades sem impacto.

Acredita que o basquete brasileiro regrediu nos últimos anos? São ciclos, tivemos uma geração com nove jogadores na NBA e agora passa por uma renovação, um ciclo que ainda vai crescer, da mesma forma que cresceu quando o Nenê chegou, Leandrinho, Anderson Varejão e os demais jogadores. Acho que é uma questão de momento, de olhar para o próprio umbigo e ver o que temos de fazer melhor como país, como formação de jogadores, e seguir para onde o basquete mundial está indo.

Como avalia os recentes escândalos envolvendo a Confederação Brasileira de Basquete? Parece que é uma doença brasileira. Toda instituição ou confederação tem seus problemas, corrupção, pega o dinheiro daqui, bota ali, parece que é algo normal. Já nem chega a ser uma surpresa quando acordamos e vemos essas notícias, é triste.

Você apoiou a manifestação de jogadores da NBA contra Donald Trump? É difícil comentar porque sou estrangeiro, mas o que se nota são jogadores interessados num país melhor, olhando o futuro de uma nação, de certos conceitos de vida, de igualdade entre pessoas negras e brancas. Por outro lado, vemos um presidente que divide todo mundo, ele acha que não é algo racista, outros dizem que sim, mas com certeza é uma briga que vai durar. Como um estrangeiro nos Estados Unidos, resta olhar de longe e torcer pelo melhor de todos.

E o que pensa sobre as eleições no Brasil? É um momento importante para nosso futuro, não dá para continuar do jeito que está, precisamos de alguém que mude nosso país. Os problemas brasileiros não vão ser resolvidos nessas eleições, mas acho que podemos semear algo para o futuro. O problema do Brasil vem de anos, é algo cultural, de jeitinho brasileiro, onde a malandragem é uma coisa bem vista. Sou brasileiro com muito orgulho e quando falo com estrangeiros sempre digo que amo meu país, mas ao falar com os próprios brasileiros é preciso debater.

Tiago Splitter, da seleção brasileira de basquete
Tiago Splitter jogou mais de uma década na seleção brasileira de basquete Reuters/VEJA
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