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Neymar vai ao chão

O jogador leva uma vida desregrada, já perdeu patrocínios em função de confusões e pode ter sua imagem definitivamente arranhada por denúncia de estupro


DRAMA – A modelo Najila Trindade (abaixo, à dir) foi a Paris com tudo pago por Neymar. O sexo consentido, segundo ela, virou agressão. Acusado, o jogador divulgou pelo Instagram a conversa que teve com a moça, alegando uma armadilha. Foi uma péssima semana para o camisa 10, que se contundiu e foi cortado da Copa América Ueslei Marcelino/Reuters/Reprodução

Neymar tem dois modos de comunicação (ou três, se considerarmos a bola nos pés): sua conta no Instagram, seguida por mais de 119 milhões de pessoas, e as tatuagens coladas ao corpo. São pelo menos 35, em uma contagem modesta. A mais recente, de março passado, exibe, no lado esquerdo do peito, uma fênix — a ave que, segundo a mitologia grega, ardia em chamas para depois renascer. No Instagram (e onde mais poderia ser?), o tatuador, Thieres Paim, escreveu debaixo da fotografia do camisa 10 do PSG descamisado: “E que a gente consiga renascer quantas vezes forem necessárias para ser feliz”. Quantas vezes mais Neymar precisará renascer para não queimar no fogo que ele mesmo atiça? Pelo menos mais uma: superar o escândalo que se alastrou pelo Brasil e pelo mundo na semana passada, depois que a modelo baiana radicada em São Paulo Najila Trindade Mendes de Souza, de 26 anos, a quem ele convidara a dividir um quarto de hotel em Paris, o acusou de estupro, com boletim de ocorrência registrado na capital paulista.

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Ofendido, o craque foi ao Instagram (e onde mais?) para seis minutos de defesa, olhos nos olhos de seus seguidores. “Bom, vamos lá”, disse, para prosseguir, quase afoito. “Estou sendo acusado de estupro. É uma palavra muito forte, mas é o que está acontecendo no momento.” Disse ter sido pego de surpresa, afirmou querer “dar a cara a bater”, alegou uma tentativa de extorsão e, ao fim de sua diatribe, colou a troca de mensagens e fotos com a moça que o acusara, tendo o cuidado, por orientação de seus advo­gados, de borrar o rosto da “menina”, como ele a chamou. O tiro saiu pela culatra. Neymar foi intimado a depor, acusado de delito de divulgação sem consentimento de imagens íntimas pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, cuja viatura foi bater na Granja Comary, em Teresópolis, onde estava concentrada a seleção na véspera da partida amistosa contra o Catar (Neymar deixou o campo aos dezenove minutos, com o pé direito coberto de gelo, chorando, contundido. Saiu do estádio amparado em muletas, com uma entorse no tornozelo. De madrugada, a CBF anunciou seu corte da equipe que disputará a Copa América).

Diante da estrondosa repercussão da balbúrdia nas redes sociais, os responsáveis pelo Instagram removeram o vídeo por considerar que ele “violava os padrões da comunidade”. O pai, Neymar da Silva Santos, não vacilou um segundo e resumiu a ópera numa frase, como se fosse possível trocar um dano maior por um estrago menor: “Prefiro um crime de internet a um crime de estupro”. E Neymar, o cai-cai da Copa da Rússia, caiu de novo — um tombo que, desta vez, pode ser o mais dramático de todos, com sua imagem levada ao chão. Até o presidente Jair Bolsonaro deu seu parecer: “É um garoto. Neymar está em situação difícil, mas acredito nele”. O “garoto” Neymar tem 27 anos.

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VEJA teve acesso aos profissionais atrelados aos dois lados do episódio. A partir do depoimento de Najila Trindade à polícia, cruzando o que ela disse com as mensagens postadas por Neymar, é possível reconstituir parcialmente o que se deu em Paris — embora, naturalmente, sejam necessárias comprovações. A paquera virtual durou três meses. Neymar reservou uma suíte no Sofitel Paris Arc de Triomphe, com diária média de 1 300 reais, para conhecer a mulher com quem trocava mensagens e fotos íntimas. Najila é separada, tem um filho de 5 anos, está devendo 40 000 reais de aluguel, recebeu recentemente uma ordem de despejo e já trocou boletins de ocorrência com o ex-­marido, um acusando o outro de agressão a faca. Em 15 de maio, o plano de uma noite quente virou pesadelo. Neymar teria aparecido “muito louco” no quarto do hotel, segundo palavras dela. Depois da troca de carícias, a garota deitou-se na cama. A violência teria se iniciado com tapas fortes nas nádegas, sem aviso prévio nem anuência. Em entrevista ao repórter Roberto Cabrini, do SBT, ela admitiu que se aproximou de Neymar em busca de sexo, “um desejo meu”, mas que as coisas degringolaram. “Deixou de ser consensual quando ele se tornou agressivo e, sem preservativo, eu disse ‘não podemos’.” Najila conta que ele começou a bater em seu traseiro de modo muito violento, penetrando-a. “Para, está doendo”, teria dito. “Desculpe, linda”, ele respondeu, mas continuou a fazer o que estava fazendo. Depois, ela se trancou no banheiro. Diz ter tido uma crise de choro. Ao sair, ainda nua, “assustada”, atendeu a um pedido de Neymar, que quis fotografá-la por trás (o jogador exibiu a foto das nádegas avermelhadas em sua defesa feita no Instagram). Ela questionou qual seria o objetivo, ao que ele teria retrucado: “Relaxa, é só para mim”. Ao deixar o hotel, Neymar mandou a imagem por WhatsApp para a mulher. Ela respondeu: “Vai ter volta”.

Teve. Houve um segundo encontro, no dia seguinte, e a própria denunciante diz ter montado uma armadilha — irritada com o que supostamente ocorrera na véspera, decidiu filmar o novo compromisso. Ladina, atraiu Neymar com promessas de devassidão e o pedido de uma lembrança para o filho. Deixou o smartphone filmando, encostado num abajur. Quando o jogador chegou, Najila demonstrou carinho e delicadeza até levá-lo para a cama — onde o ângulo da câmera conseguia capturá-los. E então começou a desferir tapas, de joelhos em cima do corpo de Neymar, querendo alimentar uma nova cena de agressividade. Não funcionou. Há um vídeo desse momento, ao som de Every Breath You Take, do Police — são pouco mais de vinte segundos, entregues a Juliana Bussacos, titular da 6ª Delegacia da Mulher de Santo Amaro, em São Paulo. A moça desvencilhou-se de Neymar e arremessou uma garrafa de vinho na direção dele. Ao voltar ao Brasil, a modelo procurou o criminalista José Edgard da Cunha Bueno Filho. O profissional sugeriu que fosse feito um exame para comprovar as agressões. O laudo, assinado pelo gastroenterologista Luiz Eduardo Rossi Campedelli, do Hospital Albert Einstein, constatou lesões como “hematomas, arranhaduras na região topográfica dos glúteos, estrias de coloração arroxeadas e ocre, além de sintomas de ansiedade e depressão”. Há uma foto feita em Paris, a que Neymar divulgou, e outras tiradas no consultório.

O roteiro já tumultuado ganhou contornos ainda mais nebulosos. Cunha Bueno Filho disse a VEJA que seu objetivo inicial era não entrar numa briga judicial. “Por postura profissional e por considerar quem estava envolvido, não queria escândalo na imprensa e propus um acordo”, diz. Uma primeira reunião foi agendada no apartamento do pai de Neymar, em São Paulo. Ao redor da mesa estavam apenas os advogados. Não houve consenso. Cunha Bueno não deu cifras. Em nota, um dos defensores de Neymar, Davi Tangerino, afirmou ter havido “um substancial pedido de cala boca”. Sem acordo, e com a alegação de que a cliente decidira subir o tom, transformando as agressões em estupro, o advogado abandonou a causa, não sem antes divulgar tudo para a imprensa, em postura considerada antiética pela OAB. Há três possibilidades de desfecho nas barras dos tribunais. Uma delas é a absolvição, por falta de provas. Os outros dois veredictos possíveis: crime de estupro ou de importunação sexual. O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal, com pena de reclusão que varia de seis a dez anos de prisão. O crime de importunação sexual, artigo 215-A, diz respeito à prática de ato libidinoso contra alguém sem anuência com o objetivo de satisfazer a si próprio. A pena vai de um a cinco anos. A pena de divulgação de cena de estupro também vai de um a cinco anos de prisão.

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GRANDE FAMÍLIA – Em 2014, Neymar da Silva Santos, o pai, deixa o tribunal em Madri, depois de depor em um caso de sonegação fiscal (à esq.). Os amigos de sempre, os “parças”, são personagens onipresentes no círculo mais íntimo do atacante Dani Pozo/AFP/Reprodução

Houve, no coração de todo o imbróglio, uma única reação aceitável, por envolver humor, movimento típico da internet: a avalanche de memes que repetiram as frases do dom-juan do WhatsApp na dança de acasalamento com a brasileira que foi parar no Sofitel parisiense. Ressoa nas redes uma coleção de platitudes, para dizer o mínimo, tais como “razão dos meus pensamentos impuros” e “saudade do que a gente não viveu ainda”, as abordagens de Neymar transformadas em bordões. Todo o restante, à exceção desse pequeno nicho benigno, foi muito ruim para o atacante — sobraram impurezas e algo que ele ainda não vivera, apesar da vontade atávica de se meter em confusões. Neymar já foi acusado de sonegar o Fisco espanhol e deu soco em um torcedor adversário que o provocou na final da Copa da França, além de rolar feito bobo achando estar enganando alguém durante a Copa de 2018 — mas nunca deparara com uma acusação de violência sexual, ainda que, ressalve-se, tudo tenha de ser comprovado nos tribunais.

Em breve, porém, os resultados concretos da reputação arranhada poderão ser medidos — e convém sempre lembrar, a título de antecipação, que as ações na bolsa de valores da Juventus italiana, o atual clube de Cristiano Ronaldo, caíram 15% depois de ele ter sido acusado pela modelo Kathryn Mayorga de ataque sexual em 2009, num hotel de Las Vegas (na semana passada, o caso subiu da instância estadual para a federal dos tribunais americanos; sabe-se, pela papelada apresentada aos juízes, que o português e a vítima tinham selado um acordo em 2010, pelo qual ele pagaria 375 000 dólares para que ela ficasse calada). Um hipotético pacto entre Neymar e sua acusadora é, por enquanto, mera possibilidade, até porque as investigações do que houve em Paris mal começaram. Mas já é possível imaginar que haverá menos dinheiro de empresas em torno do brasileiro. Ele ganha, anualmente, cerca de 100 milhões de reais por temporada, somando-se o salário do PSG aos vencimentos com propaganda e direitos de imagem. Há sérios furos no casco. A Red Bull, que o patrocina desde 2010, pediu rápidos esclarecimentos, e pode ser a primeira a abandonar o barco. A Nike, que o acompanha há catorze anos, emitiu nota em que diz estar “profundamente preocupada” com as acusações. A Mastercard tinha comerciais prontos para ir ao ar durante a Copa América e os cancelou. Em paralelo, a participação de Neymar numa campanha pela reforma da Previdência a convite do governo foi congelada. E o Real Madrid, que demonstrara interesse pelo brasileiro, recuou. Há pouco mais de um mês, outra má notícia: logo depois da agressão contra um torcedor, a Gillette não renovou o contrato com o atleta (uma decisão que havia sido tomada antes, mas que o episódio mercurial só reforçou).

“Há permanente pressão para que as marcas comentem alguma coisa em situações que podem ferir sua imagem”, disse a VEJA o inglês Michael Rocha-Keys, diretor comercial da Entourage, uma agência baseada em Londres e que faz a gestão da imagem de futebolistas do presente e do passado, como Roberto Carlos e Thierry Henry. “Se você ignora o fato e, depois, o pior acontece, é muito ruim para a empresa patrocinadora.” Para o especialista, o dano à figura pública de Neymar pode não ser permanente. “Até a polícia investigar tudo, é difícil dar uma resposta precisa. Mas, caso se comprove a sua inocência, imagino que o fato ficará no passado”, diz Rocha-Keys. VEJA conversou também com Eduardo Musa, o primeiro gestor da carreira do craque, ainda no Santos, e que rompeu com o pai de Neymar, afastando-se dos negócios. “Convivi quase seis anos com o Neymar, tinha uma relação de irmão mais velho. Por isso, custo a acreditar que ele poderia estuprar alguém. Eu não estava lá, não tenho mais contato, mas acho muito difícil ter acontecido”, diz Musa. “Mas acho que ele errou muito na prevenção de tudo o que viria a ocorrer.” Para Musa, houve um erro original, alimentado pelo pai de Neymar, afeito a confrontos. “O confronto tem de deixar para a Justiça. Bastaria dizer que teve uma conversa com a menina depois, que se surpreendera, e que deixaria para a Justiça resolver. Deveria apenas demonstrar tranquilidade. Ponto. Eu não exibiria as conversas íntimas.”

Pode haver tempo e espaço para a recuperação de imagem? Sim, desde que Neymar comprove inocência, mas aqui também convém um olhar histórico para enxergar as pedras pelo caminho. Em 2009, o golfista Tiger Woods, recentemente renascido, perdeu quase todos os seus patrocinadores ao revelar casos extraconjugais e admitir vício em sexo, além de ter sido flagrado embriagado ao volante de um carro. Em 2016, a Nike rescindiu o contrato com o pugilista filipino Manny Pacquiao depois de ele ter dito que gays eram “piores que animais”, ainda que tivesse se arrependido. É cedo, reafirme-se com insistência, para saber o que de fato aconteceu entre quatro paredes. Neymar pode ser absolvido da acusação de estupro, a mulher com quem ele se relacionou pode ter montado uma armadilha (embora nada, absolutamente nada, justifique qualquer avanço de sinal num relacionamento). Para onde quer que caminhe o caso, porém, os prejuízos concretos para Neymar soam palpáveis — e tendem a crescer com a falta de profissionalismo que o cerca. Escreveu o ex-jogador e hoje cronista Tostão na Folha de S.Paulo: “É péssimo para o futebol brasileiro ver um talento tão fenomenal perdido no mundo da fama, sem a devida orientação”.

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DESTINOS DIFERENTES – Mike Tyson (à esq.), Cristiano Ronaldo e Robinho foram acusados de estupro. Só o boxeador acabou levado à cadeia Sipa Press/The Sun/.

Há, como satélite de Neymar, uma azeitada máquina, quiçá a melhor do mundo, para piorar o que já é muito ruim. Seu piloto: o pai, o Rei Sol, que tudo decide, autocraticamente. Em entrevista ao UOL, antes da atual crise, ele foi enfático: “O desafio da minha empresa e de todos que habitam o seu redor é fazê-lo (Neymar) feliz”. Para desempenhar essa função, existem os conhecidíssimos “parças”, como ficaram conhecidos os amigos de Neymar que o acompanham desde o início da carreira, em Santos, e se mudaram com o craque para a Europa. Na troca de mensagens com a garota, Neymar disse que providenciaria alguém para apanhá-la no aeroporto. De acordo com o relato dela, apresentou-se um homem chamado Gallo, que, segundo fontes próximas ao staff do atleta, atua como assessor de marketing e circula sempre ao redor do pai do jogador.

No início, uma cafajestagem, o autoproclamado “efeito rebote” (a maneira como os parças apelidaram o ato de namorar as meninas interessadas em ficar com o amigo famoso) acontecia apenas nas baladas. Com o aumento da fama de Neymar, ele foi extrapolado para hotéis e apartamentos ao redor do mundo (a atriz Bruna Marquezine rompeu com Neymar por não suportar esse ambiente). Dentro da alta corte futebolística do príncipe nascido em Mogi das Cruzes e descoberto em Santos, destacam-se dois personagens: Gilmar Lima, o Gil Cebola, de 31 anos, fotógrafo particular de Neymar, e Joclécio dos Santos, o Jota Amâncio, de 26 anos, assessor pessoal, o faz-­tudo. Com a remuneração paga pelas empresas de Neymar, a dupla aventura-se em outros empreendimentos. Cebola é sócio de uma marca de roupas, a Hundred Limit, possivelmente porque é mais fino do que escrever em português “100 limite”. Os dois chegaram a ser convidados por um fabricante de creme de açaí para estrelar um comercial ao lado do surfista Gabriel Medina, amicíssimo de Neymar. O nome da peça? “Vida de Parça”. Os parças também atuam, geralmente na linha de frente, quando o assunto é defender o amigo famoso. Na Copa da Rússia, foram eles que ecoaram as postagens malcria­das de Neymar nas redes sociais, aproveitando para xingar seus críticos, inclusive o narrador Galvão Bueno. A grita foi tamanha que o pai do jogador teve de intervir e acalmar os ânimos. Alguns dos amigos de Neymar foram vistos, inclusive, arrumando briga em uma casa noturna de Moscou. O motivo: ouviram outro grupo de brasileiros criticar o camisa 10 da seleção.

A trupe comporta-se de modo tão amador e sem profissionalismo como as equipes que enredavam o brasileiro Robinho e o boxeador Mike Tyson, para ficar em apenas dois personagens de casos conhecidos de acusação de estupro. Mal orientados, levados à confusão, irresponsáveis, eles se perderam no meio do caminho. Robinho ainda sobrevive nas arestas legais. Tyson foi nocauteado. Robinho teve seu nome envolvido em duas acusações de estupro. No primeiro, ocorrido em janeiro de 2009, teria abusado sexualmente de uma jovem de 18 anos no banheiro de uma boate da cidade inglesa de Leeds. Naquele tempo, o jogador, que atuava pelo Manchester City, já era casado e tinha um filho. Em abril daquele ano, após a investigação policial, ficou provado que a relação havia sido consensual e as queixas foram arquivadas. Em 2017, porém, Robinho não escapou da Justiça e acabou condenado a nove anos de prisão por ter participado, quatro anos antes, do estupro coletivo de uma albanesa de 22 anos numa casa noturna na cidade de Milão, quando o atleta defendia as cores do Milan. Durante o julgamento, a vítima afirmou que Robinho e outros quatro brasileiros (dos quais apenas um foi identificado) aproveitaram-se do seu estado de embriaguez para manter “múltiplas e consecutivas relações sexuais com ela”. Não há previsão se ou quando Robinho, que hoje joga na Turquia, cumprirá a pena, pois a Itália não pedirá sua extradição até que se esgotem os recursos da defesa.

SALVO - Bem assessorado, Ronaldo sobreviveu a sucessivos escândalos Severino Silva/Agência O Dia/.

Talvez o único caso de um esportista multimilionário que tenha passado ao menos um dia na cadeia em razão de abuso sexual seja o de Tyson. Em 1992, aos 25 anos, logo depois de perder o título mundial, ele foi levado a júri popular e condenado a seis anos de prisão pelo estupro da jovem Desiree Washington, de somente 18 anos — cumpriu apenas metade da pena e foi libertado em março de 1995. No tribunal, Vincent Fuller, o advogado de Tyson, tentou incutir a seguinte inquietação na cabeça dos jurados: “Ela foi para o carro, entrou no hotel, subiu ao quarto e sentou-se na cama. Tudo isso às 2 da manhã. A essa hora não há muito que fazer em Indianápolis. Para quê? Para ver televisão?”. A resposta do promotor do Estado de Indiana, Gregory Garrison, virou um marco: “Então uma mulher que comete um erro de julgamento deve ser punida com estupro? Quando uma mulher diz não, ela quer dizer não. Ela é dona do próprio corpo”.

Diante de tanto descaso, de tanta negligência e falta de bom-senso, nem é preciso ir tão longe para saber como fazer profissionalmente para lidar com vidas que muito rapidamente saíram das dificuldades da pobreza para as facilidades tentadoras da fama. Em 2004, quando jogava no Real Madrid, Ronaldo Fenômeno, que então tinha rendimentos de mais de 100 milhões de reais anuais, montou um bem estruturado grupo empresarial, o R9, que naquele momento tinha cerca de 150 funcionários, diretos e indiretos. A chave do sucesso: ele terceirizou o comando das operações. Muitos esportistas entregam a gestão de seus negócios a parentes, como faz Neymar, tão despreparados quanto eles para lidar com negócios. Ronaldo contratou os serviços de um escritório de advocacia especializado em administração de carreiras como a sua, o Garrigues, o primeiro da Europa e um dos maiores do mundo, que zelava pelos negócios de David Beckham. Ronaldo foi tão bem assessorado que sobreviveu até a estragos como o envolvimento com travestis e drogas, em 2008.

Resta a Neymar uma única saída, e que talvez seja insuficiente: revelar a real história de seu envolvimento com a moça, pedir desculpa por eventuais exageros e depois recolher-se, atendo-­se a fazer o que o fez celebrado mundialmente: jogar futebol (de preferência, em pé). Pode, quem sabe, pedir ajuda psicológica, algo que nunca recebeu e que é praxe entre os atletas da NBA, a liga profissional de basquete dos Estados Unidos, por exemplo. Pode ainda, quem sabe, imprimir uma nova tatuagem em seu dorso. Uma sugestão, já que jogadores de futebol adoram citar passagens bíblicas — de Marcos, capítulo 2, versículo 17: “Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento”.

Com reportagem de Alexandre Senechal e Luiz Felipe Castro

Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638

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