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‘Meu sonho não acabou’, diz David Luiz para a Revista Placar

Transformado em inimigo público número 1 de um país inteiro, depois de vacilar contra o Uruguai, quando ainda estava aberto o inquérito por seu protagonismo como capitão do 7 x 1, David Luiz diz em entrevista exclusiva para a PLACAR que quer ser campeão mundial com a Seleção

No dia 26 de março, no começo do sábado de Aleluia, o cidadão brasileiro David Luiz Moreira Marinho, 28 anos, conseguiu unir um país irremediavelmente dividido pela polêmica nos últimos meses. Conhecido pela sua cabeleira e caretas, o zagueiro foi crucificado, de Norte a Sul, pela sua participação direta em lances que permitiram que o Uruguai empatasse uma partida que perdia por 2 a 0, contra a seleção brasileira, na Arena Pernambuco – e por um triz não virasse o placar. Pouco importava a tendência política de seus críticos, se contra ou a favor do governo, dos panelaços e manifestações: por algumas horas, nas redes sociais e mesas-redondas, programas de rádio e TV e páginas de jornais, o cabeludo zagueiro da seleção brasileira e do Paris Saint-Germain foi julgado e condenado, quase em uníssono.

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Eis as acusações: dar espaço para o uruguaio Edinson Cavani, no primeiro gol da Celeste (em cumplicidade com Filipe Luís); ser antecipado por Luís Suárez, no tento de empate; e recuar, perigosamente, uma bola que quase resultou na virada adversária, a poucos minutos do final da partida.

Cabe como agravantes: ostentar um estilo classificado como ‘estabanado e ansioso’ por vários de seus críticos – dos ex-jogadores da seleção inglesa, Gary Neville e Gary Lineker (que já comparou David Luiz com “um jogador de videogame nas mãos de uma criança de 10 anos de idade”) e o fato de desfalcar constantemente a seleção, pelo acúmulo de contusões e cartões amarelos recebidos.

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OK, como atenuante, naquela noite contra o Uruguai, em uma das subidas ao ataque, que fazem parte do seu estilo, desde seus tempos de juvenil, David Luiz sofreu um pênalti escandaloso, não marcado pelo árbitro argentino Néstor Pitana. O zagueiro foi agarrado por Cavani, na área adversária: Pitana fingiu que não viu. Mesmo assim, a atuação do zagueiro da seleção brasileira não foi defendida por ninguém. “David Luiz deu espaço aos atacantes uruguaios, e isso não pode”, sentenciou Walter Casagrande Júnior, comentarista da TV Globo e ex-atacante da seleção brasileira e do Corinthians. “No primeiro gol do Uruguai, ele se esqueceu de marcar Cavani, depois deu sustos”, escreveu o comentarista Paulo Vínícius Coelho, da Folha de S.Paulo e do Canal de TV Fox Sports. “Houve situações anormais na nossa defesa, até pela experiência de nossos jogadores”, reconheceu o técnico Dunga, na entrevista coletiva que concedeu, logo depois da partida, na Arena Pernambuco.

No dia 8 de junho de 2014, o mesmo David Luiz era o capitão da seleção brasileira no dia em que o time perdeu por 7 a 1 para a Alemanha, na Copa de 2014. Noventa minutos depois da maior humilhação sofrida pela Seleção Brasileira, aos prantos, ele pedia a quase 200 milhões de brasileiros em estado de choque que levantassem suas cabeças, depois da maior humilhação da história da seleção. “Queria dar uma alegria ao nosso povo, ver o meu país contente com o hexa. Mas ele não veio”, balbuciou o líder do time, naquele dia, diante das câmeras, ainda dentro do campo, antes de cair no choro.

Mais lágrimas viriam quando ele passou pelos jornalistas e microfones das rádios, ainda com os olhos lacrimejantes e um gorro. Cobria a cabeleira cacheada, que se tornou uma de suas marcas registradas, ao lado de um estilo de jogo vigoroso e dos potentes chutes, de fora da área e em cobranças de falta.“A luta e o sonho de ganhar uma Copa do Mundo continuam”, disse antes de sumir rumo ao ônibus que levou os jogadores de volta ao hotel, em Belo Horizonte.

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Nos 623 dias que separaram as duas partidas nas quais foi protagonista, o zagueiro teve uma trajetória agitada. Tornou-se um dos destaques do milionário elenco do Paris Saint-Germain. Foi comprado ainda em 2014 por 50 milhões de euros, então o maior valor pago por um zagueiro. Ajudou a transformar seu clube em imbatível na França e um dos candidatos a conquistar a Liga dos Campeões. Caberá a ele marcar atacantes habilidosos, como Neymar, Messi e Luiz Suárez, do Barcelona, fortes e rápidos, como Cristiano Ronaldo, do Real Madrid ou Douglas Costa do Bayern deMunique, entre outras estrelas.

Nascido em Diadema, na Grande São Paulo, filho do instrutor do Senai, Ladislau, e da professora, Regina Célia, David Luiz cresceu ao lado da irmã, Isabelle, em uma família de classe média. Ele decidiu se tornar jogador de futebol aos 12 anos. Inspirado nas faltas de seu ídolo, Marcelinho Carioca, decidiu que queria ser jogador de futebol profissional quando ainda frequentava uma das escolinhas que o ex-atacante do Corinthians criou, nos anos 1990. Superou uma dispensa no São Paulo, onde começou como juvenil, bem como uma passagem-relâmpago pelo América Mineiro, e renasceu no Vitória, da Bahia, nos tempos em que ainda não era um dos rostos mais conhecidos dos campos de futebol, com suas caretas e a enorme cabeleira. David Luiz recebeu a reportagem de Placar no Camps de Loges, o centro de treinamento do PSG, em Saint-Germainen-Laye, nos arredores de Paris. Poucas horas depois da partida contra o Uruguai – e nos dias em que se seguiram à partida – foi procurado novamente pela revista, para se pronunciar sobre o jogo e a instabilidade apresentada pelo setor defensivo da seleção. Tomou conhecimento das cinco perguntas sobre as suas atuações na seleção e a constante instabilidade da defesa do time, reproduzidas no início da entrevista, mas preferiu não respondê-la:

P: O país inteiro o criticou depois que o Brasil levou dois gols do Uruguai, nas Eliminatórias. Você acha justo?

P: Como se explica a Seleção demonstrar tanta instabilidade durante os jogos?

P: Seu lugar na zaga titular brasileira está ameaçado pela falta de sequência de jogos?

P: Como você analisa as falhas da defesa da Seleção?

P: Você já sofreu críticas por dar espaços e ser estabanado, a ponto de certa vez o ex-jogador Gary Neville dizer que há dias em que você parece jogador de videogame comandado por criança. É justo?……………………………………………………………Vamos voltar ao 8 de julho de 2014. O que aconteceu naquele dia, no Mineirão, contra a Alemanha?

Vamos voltar porque você quer (risos). Naquele dia não conseguimos reagir contra uma equipe bem organizada e para a qual deu tudo certo…

Dava para ter feito algo diferente?

Eu era o capitão da seleção naquele dia e poderia ter tido uma reação diferente. Talvez, depois do segundo gol deles, fosse o caso de reunir meus companheiros, acalmar as coisas, esfriar o jogo, trancar o nosso time… Tentar jogar feio e levar a partida para o vestiário, sem tomar mais gols, em busca de uma reação possível no segundo tempo. Pode ser que mesmo com 2 ou 3 a 0 contra, a gente conseguisse acertar nosso jogo e reagir. Mas o fato é que tivemos uma pane geral e tomamos quatro gols em seis minutos, sete no total. O que aconteceu no Mineirão, naquele dia, foi atípico, inexplicável. Acredito que se Brasil e Alemanha jogassem dez vezes, com os mesmos jogadores, nunca mais teria acontecido nada igual.

Os alemães tiveram dó de nós e aliviaram, depois que marcaram o sétimo gol?

Em nenhum momento os alemães nos desrespeitaram ou tiraram o pé, naquele dia. Jogaram sério, movimentaram-se, fizeram os gols… E quer saber? Eu bato palma para eles pelo profissionalismo que demonstraram no Mineirão. Não fizeram gracinhas ou nos menosprezaram. Jogaram no ritmo deles até o apito final.

Como se reconstrói um time e a reputação do futebol brasileiro depois do que aconteceu aqui, na Copa?

Tirando lições de um momento ruim e trabalhando duro, todos os dias, com o objetivo fixo de levar o Brasil a mais um título mundial.

E para a Copa da Rússia, em 2018, qual é o estágio da Seleção profissional?

A gente está em um caminho correto para chegar ao título. As Eliminatórias serão complicadas, mas nos ajudarão a formar um time entrosado, com bons jogadores e em condições de brigar pelo título na Rússia.

Qualquer brasileiro sabe que, quando o assunto é Copa do Mundo, não basta chegar à final. No nosso país, ninguém se contenta com um vice-campeonato. Como eu falei logo depois da partida contra a Alemanha, ainda no Mineirão, aquele dia marcou, mas não foi o fim da história. O que aconteceu no Mineirão não é possível de apagar, mas dá para superar.

David Luiz lamenta derrota para a Alemanha – Felipe Dana/Pool/Getty Images

O que você quer dizer?

Que eu ainda quero ser campeão do mundo com a Seleção Brasileira. Nunca vou desistir de dar essa alegria aos brasileiros.

Participar das Olimpíadas do Rio, este ano, e conquistar a medalha de ouro seria um bom aperitivo para você?

Eu nunca tive a oportunidade de jogar pela seleção olímpica. Mas, se o Dunga (à época, ainda treinador da Seleção) me chamar, estou à disposição dele para jogar nas Olimpíadas. Ganhar uma medalha de ouro seria um sonho para mim. (NR: David Luiz não entrou na pré-lista do Brasil para os Jogos)

Antes disso, dá para ser campeão da Champions League com o PSG?

Estamos entre os candidatos, por que não? Temos grandes jogadores e, em comparação com 2015, nossa equipe melhorou. Por exemplo, no ano passado, foi um sufoco para passarmos pelo Chelsea, nas quartas de final da Champions. Este ano, jogamos contra eles, novamente, e vencemos as duas partidas. Conquistamos a Liga Francesa, com oito rodadas de antecedência, estamos no páreo na Copa da França e na Copa da Liga… Nosso time não teve muitas mudanças no elenco. Mas melhoramos o nosso entrosamento, nosso posicionamento em campo. Sem dúvida, o PSG está mais forte em 2016. (NR: Clube foi eliminado pelo Manchester City nas quartas de final)

No ano passado seu clube conquistou Liga, Copa da França e Copa da Liga. Dá para ir mais longe?

Somos um dos grandes times da Europa. Conquistamos o título nacional, com folga, e queremos ganhar todos os que estiverem a nosso alcance na França e na Europa. (NR: Também conquistou a Copa da França)

Qual foi a razão para esse salto de qualidade, já que o elenco é praticamente o mesmo da temporada anterior?

Futebol é um esporte coletivo. E, quando você tem a oportunidade de trabalhar junto com os seus companheiros, durante algum tempo com a mesma filosofia, as coisas melhoram. É como uma empresa que mantém seus empregados e um plano de trabalho eficiente. A produtividade cresce e tudo funciona melhor. Acontece com a gente, no PSG, e também em times que têm seus esqueletos montados há anos. É o caso do Barcelona, atual campeão, e que tem uma filosofia de jogo implantada faz tempo.

No ano passado, o PSG teve pela frente o Barcelona de Neymar-Messi-Suárez. E, no primeiro jogo das quartas de final, o uruguaio deu duas ‘canetas’ em cima de você e fizeram 3 a 1, em Paris…

O lance do Suárez? É um recurso técnico que faz parte do futebol. Nem sempre a gente pode desempenhar da melhor forma.

Luis Suárez infernizou a vida de David Luiz – Paulo Whitaker/Reuters

E as vitórias do Barça?

Na primeira partida, o PSG não entrou em campo na sua melhor forma. O Ibrahimovic não jogou, porque estava suspenso, Thiago Motta e Verrati não entraram em campo, porque estavam lesionados… Thiago Silva saiu de campo machucado. Eu entrei em seu lugar. Naquele dia, eu também estava voltando de um problema muscular na minha coxa. Quase não pude sequer ficar na reserva… Só fiquei em condições de jogo depois de um tratamento intenso. [NdR: foi em São Petersburgo, na Rússia, com o fisioterapeuta brasileiro Eduardo Santos, que trabalha no Zenit, então treinado pelo português André Villas-Boas, ex-técnico de David Luiz no Chelsea. Especula-se que o tratamento utilizado por Santos tenha sido o de ministrar injeções enriquecidas em plaquetas sanguíneas. Perguntado por Placar, David Luiz não quis se pronunciar sobre o assunto. Desde 2013, esse método, conhecido como PRP, não é considerado doping pela Agência Mundial Antidoping].

Por que a história do PSG na Champions poderá ser diferente este ano?

Espero que a gente possa ter sempre o melhor time disponível. Para ser campeão há que ter a sorte de contar com todos os jogadores nos momentos decisivos. Não foi o nosso caso no ano passado.

Um dos pontos fortes do PSG é uma defesa recheada de brasileiros: você, Thiago Silva, Maxwell, Marquinhos, Thiago Motta, que, apesar de ter se naturalizado italiano, nasceu no Brasil. Isso ajuda a melhorar o entrosamento entre vocês?

Ter tantos brasileiros na defesa do nosso time comprova uma evolução do nosso futebol. Antigamente, o Brasil era conhecido pelos seus grandes atacantes. Hoje em dia, há muitos zagueiros, meias defensivos e também goleiros nascidos no país atuando em grandes equipes europeias. Fico feliz em atuar com jogadores brasileiros, como eu, que falam a minha língua e tiveram uma trajetória parecida com a minha. A gente conversa sobre obstáculos que superamos neste caminho para trilhar nossas carreiras. E isso nos ajuda a ficar ainda mais fortes.

Quem são seus melhores amigos no PSG?

No PSG a gente forma um grupo muito unido. Hoje, logo depois desta entrevista, vou a um almoço com todos os jogadores do nosso elenco. Encontros assim acontecem cotidianamente. A gente desfruta e compartilha tempo juntos. Falamos de futebol e também de outros assuntos. No dia a dia, nós, brasileiros, estamos quase sempre juntos. Eu me dou muito bem com o Max (NdR: o lateral esquerdo Maxwell).

Como é a relação entre você e os outros sul-americanos do time?

Eu tenho muita amizade com o Di María, que jogou comigo no Benfica. Também me dou muito bem com o Cavani e nossas famílias também convivem e fazem muitas coisas juntas, quando não estamos no clube. Pastore é um cara sensacional. E eu e o time sentimos muito a falta do ‘Pocho’ [NdR: apelido do argentino Ezequiel Lavezzi, que deixou o PSG para jogar na China]. Ele foi embora e deixou muita saudade. Todos eles são pessoas muito especiais.

E como é a convivência com Zlatan Ibrahimovic?

Já nos cruzamos em campo, quando ele jogava na Inter de Milão e no PSG e eu era jogador do Chelsea. E eu me dou muito bem com ele. Principalmente porque falamos um com o outro em inglês (risos). Ibra é um grande atacante, um cara profissional ao extremo, que gosta de ganhar até no par ou ímpar. Como também sou muito competitivo, espero que ele continue conosco no ano que vem.

Quem poderia reforçar o time?

Não sei. Mas tenho certeza de que o PSG conseguirá escolher as melhores peças para formar um elenco sempre forte. 

Você saiu muito novo do país. Era juvenil quando foi tentar carreira em Portugal?

Eu jogava no Vitória (NdR: de Salvador, Bahia). Com 17 anos e pouco, eu já jogava no time principal. Atuei na Terceira Divisão, no ano em que o nosso time conseguiu o acesso. Só depois é que eu fui para o Benfica.

Fazer a parte final do seu acabamento como jogador na Europa foi vantajoso?

Eu sou muito grato ao Vitória por tudo o que me ensinou, por tudo o que pude fazer pelo clube. Mas acho que o acabamento nunca termina na vida de um jogador. É preciso evoluir constantemente. Todo dia, você tem de aprender. E quem acha que já chegou longe demais fica pelo caminho.

Você chegou a cruzar outras revelações do Vitória, nos seus tempos de juvenil?

Joguei com o Hulk, que veio da Paraíba para o juvenil do Vitória. Ele é meu amigo desde essa época. E cruzei com o Edílson e o Vampeta, nos meus tempos do clube. Tive a oportunidade de aprender com eles, de perto. E, quando foram para a Seleção Brasileira, me inspiraram.

Você nasceu em Diadema, na Grande São Paulo. Como foi parar na Bahia?

Fui para lá seguindo a indicação de um amigo meu, o Gustavo, que hoje mora comigo, aqui em Paris. Ele me disse que iria fazer um teste no Vitória. Naquela altura, eu tinha acabado de ser mandado embora do São Paulo, onde fui juvenil, durante dois anos. Depois fiquei uns três meses no América Mineiro. Mas a situação das categorias de base do clube era muito ruim. Para nos alimentarmos, comíamos feijão batido na canela, quase todos os dias. Um dia tivemos de limpar o terreno, com uma enxada e eu machuquei todo o meu pé. Não tinha segurança, as portas não fechavam. E eu decidi voltar para Diadema.

Por que o São Paulo o dispensou?

Disseram que eu era muito pequeno. Pequeno, um cara que mede 1,89 m? Pois é, eu acabei crescendo (risos)…

Na final entre Chelsea e Corinthians, pelo Mundial de Clubes da FIFA, a torcida brasileira cantou uma musiquinha dizendo “Doutor, Eu não me Engano, David Luiz é Corintiano”… Isso perturbou você?

Recebi com carinho. Até porque sou mesmo corintiano (risos). Eu cresci torcendo por esse time. 

Era fanático a ponto de assistir aos jogos do Timão no estádio?

O Pacaembu era muito longe de Diadema, onde eu e minha família morávamos, naquela época. Mas eu acompanhava todos os jogos. Ouvia as partidas pelo rádio e imaginava que um dia eu estaria ali, nos estádios. Aprendi a treinar cobranças de falta, sonhando que eu era o Marcelinho Carioca marcando gols contra o Veloso (NdR: goleiro do Palmeiras, nos anos 1990). Eu não lembro qual rádio ouvia, mas recordo que os jogos eram sempre emocionantes. Às vezes, a bola estava no meio-de-campo, a partida sem graça, mas nunca tinha partida chata. Foi isso que me motivou a sonhar em ser jogador profissional.

Por que você não fez testes no Corinthians?

Eu comecei a jogar futebol na Escolinha do Marcelinho Carioca, que depois passou para o César Sampaio. Fanático que era, claro que sonhava em jogar pelo Corinthians. Mas a oportunidade surgiu quando meu potencial foi observado por uma pessoa que conhecia diretores do São Paulo. Eu tinha 12 anos e não pensei duas vezes: fui para o Morumbi fazer um teste. Ganhava 50 reais, que dava para os meus pais. Fiquei dois anos, até ser dispensado. 

Isso abalou você?

Chorei muito, mas não desisti, até fazer os testes no Vitória, em Salvador. Minha família não era rica, mas meus pais achavam que o meu esforço valia a pena. Batalharam muito, fizeram um empréstimo no banco e conseguiram arranjar dinheiro para que eu fosse à Bahia de avião. De ônibus aquela viagem durava 36 horas…

Como apareceu a oportunidade no Vitória?

Um amigo meu, o Gustavo falou com um olheiro do clube, o Tiú [NdR: apelido de Iubérico Dias Peixoto], e ele topou me ver. Disse que era para eu fazer um teste, no mesmo dia que meu amigo. E eu passei. Por ironia, acabei ficando e o Gustavo foi dispensado.

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Você já era zagueiro, nesta época?

Eu era meia, daqueles que fazem a ligação da defesa para o ataque. Durante um torneio no Rio Grande do Sul, ainda nos meus tempos de juvenil, eu estava no banco e um zagueiro do nosso time se machucou. O então técnico da base [NdR: João Paulo Oliveira] perguntou se eu poderia jogar na defesa. Respondi que jogaria em qualquer posição que ele quisesse e mudei de posição. Fiz um excelente campeonato na zaga e o Arturzinho, que era o treinador do time profissional, me deu a oportunidade de treinar no time de cima do Vitória. Naquela época, nosso time estava na terceira divisão [NdR: do Brasileiro] e chegou às oitavas de final na Copa do Brasil.

E como foi que o Benfica descobriu um jogador brasileiro da Terceira Divisão?

Os portugueses são muito bem informados sobre o futebol brasileiro e sul-americano. Têm bons contatos por aqui e o Benfica precisava de um zagueiro às pressas. Eles já contavam com o Luisão e o Anderson, aquele que jogou no Corinthians. Mas tinham negociado o português Ricardo Rocha para o Tottenham inglês quatro dias antes de fechar a janela de transferências de inverno. Ou seja, precisavam de um zagueiro para recompor o elenco – e com urgência. Por coincidência, o meu empresário (NdR: o italiano Giuliano Bertolucci), que era o mesmo do Anderson e do Luisão, foi contatado e sugeriu o meu nome.

Os portugueses o contrataram mesmo sem ter visto você jogar?

Eu era um menino novo, mas, como o meu agente tinha experiência com zagueiros, disse que eu era de confiança. Os dirigentes do Benfica acreditaram no palpite dele e toparam fazer um contrato de experiência, com apenas seis meses de duração. Foi assim que fui parar em Portugal, tão desconhecido que os jornalistas no aeroporto nem sabiam quem eu era. Só que até eu jogar foi uma questão de sorte.

Como assim?

Pelo nosso acordo, eu deveria chegar a Portugal exatamente no último dia da janela de transferências, no final de janeiro. Só que no dia de embarcar para a Europa, na última hora, descobri que o meu passaporte estava em Diadema, e não em Salvador, de onde eu voaria para Lisboa. Perdi o avião, não pude fazer os exames médicos no prazo determinado. Acabei assinando o contrato com o Benfica antes de ser avaliado, para não perdermos o prazo. Sem querer, acabei me dando bem.

O que aconteceu?

Naqueles dias, estava com uma pubalgia e mal conseguia andar. Simplesmente, não teria sido aprovado nos exames médicos do clube. Mas, como já tinha assinado contrato, naquela altura, fiquei em Portugal, em recuperação. Foi uma obra de Deus na minha vida. Se não fosse por causa do problema do passaporte, eu teria embarcado para Lisboa no dia certo, feito os exames médicos e sido reprovado antes do fechamento da janela de transferências. O médico do clube ficou chocado, mas o contrato já estava assinado. Tive quatro semanas de recuperação. Mas só consegui estrear algumas semanas mais tarde.

Contra quem?

Por ironia do destino, contra o Paris Saint-Germain, em Paris, no Parc des Princes, pela Copa da Uefa, em março de 2007.

Você estava muito ansioso para jogar?

Estava – e muito. Afinal de contas, na prática, o meu contrato ia só até maio daquele ano. Eu estava quase três meses parado e já não aguentava mais esperar para ter uma oportunidade. Dias antes do jogo no Parc des Princes, o Benfica jogou contra o Aves, que naquele ano era um dos piores times da Liga [seria o último colocado naquele ano]. Naquela semana, o Luisão tinha se machucado e eu achei que – enfim! – teria uma oportunidade. Até liguei para a minha família, feliz da vida, para dar a boa notícia. Só que ainda não seria daquela vez que eu entraria em campo…

Por quê?

Horas antes do jogo, vi o nosso técnico [NdR: o português Fernando Santos] falando com o Kostas Katsouranis, volante da seleção grega, que tinha sido campeão da Euro 2004, e que também atuava pelo nosso clube. Ele foi improvisado na zaga e eu continuei sentado no banco de reservas.

Aí você achou que não teria mais chances?

Achei, claro. Pensei comigo: já estou aqui em Portugal, treinando há um tempão e nem sequer joguei contra o penúltimo colocado do campeonato, com um jogador improvisado entrando no meu lugar. Naquela altura, pensei que dificilmente teria uma outra chance no Benfica. Mas Deus tinha algo melhor reservado para mim, na outra semana, contra o Paris Saint-Germain.

Como foi essa reviravolta?

Eu tinha sido selecionado para ir com o grupo para Paris. Na véspera do jogo, o Luisão sentiu uma contusão no joelho. Ou seja, eu já me vi no banco de reservas. Aí, na véspera, eu estava ansioso e abri a porta do meu quarto, para o corredor. E dei de cara com o Katsouranis falando com o médico do nosso clube. O grego disse que estava mal do estômago e que não teria as menores condições de jogar naquela noite. Achei estranho, mas fiquei animado, já que era o único zagueiro que tinha sobrado para entrar no time titular.

E como foi no dia do jogo?

O Luisão ainda conseguiu entrar em campo. Mas sentiu uma contusão, lá pelos 35 minutos do primeiro tempo e caiu em campo, por causa das dores; ele teve que sair. O nosso treinador olhou para o banco e não tomou nenhuma atitude. Olhou outra vez, e depois, de novo…

Aí viu o seu cabelão?

Que nada, naquele tempo eu nem cabeludo era (risos). O fato é que ele olhou para mim e me colocou no jogo. Mas não foi como eu imaginei…

O que aconteceu?

Em um contra-ataque, o nosso time tinha anotado um gol e vencia por 1 a 0. Mal entrei em campo e o PSG empatou o jogo. Mas o pior para mim ainda estava por vir. Passaram uns cinco minutos e em uma bola na nossa área, eles marcam o segundo gol. E eu estava no lance. Poderia ter cortado a bola, mas não fiz nada… E tomamos a virada. Acabou o primeiro tempo e desci para o vestiário arrasado, achando que no dia seguinte os caras iriam me colocar no primeiro avião de volta para o Brasil.

Qual era o clima no vestiário do Benfica?

Para mim, era o pior possível. Alguns jogadores olhavam para mim com raiva, outros tinham pena… Assim que me viu, o treinador veio falar comigo: “Você quer que eu o tire de campo?”. Naquela hora, pensei em tudo o que eu já tinha passado para estar ali e que, apesar de eu ter vindo da Terceira Divisão, era tudo ou nada. Olhei para ele e disse: “Quero continuar”. Pedi licença, fui para o banheiro e orei, sozinho. Pedi a Deus que me ajudasse, que me desse fé e tranquilidade, já que personalidade eu haveria de ter, naquela hora. E as coisas começaram a correr melhor para mim. A partida recomeçou e eu atuei bem na defesa, quase fiz um gol… Perdemos por 2 a 1, mas recuperei minha confiança: comigo mesmo, com o técnico e meus companheiros… Tive um contratempo por causa de uma bolada que tomei durante o jogo [NdR: vomitou a caminho do aeroporto e viajou horas mais tarde, depois de passar por exames em um hospital, em Paris]. Mas, no jogo seguinte, contra o Leiria, pelo Campeonato Português, entrei como titular, pela primeira vez. E fui bem, de novo. Dias depois, na partida de volta contra o PSG, atuei de novo. Nos classificamos, depois de vencer por 3 a 1, e eu fui considerado um dos melhores.

E, quando o Anderson voltou, você continuou no time como titular?

Sim. Passei a atuar, ao lado do Luisão, como titular. Conquistei o meu espaço e, no final daquele ano, o Benfica me ofereceu um contrato de cinco anos. E ainda tive uma oferta do Porto. Disseram que me pagariam em dobro sobre a melhor oferta que recebesse do Benfica. Mas preferi ficar em Lisboa. Não faz parte do meu estilo cuspir em prato em que comi. Ainda joguei quatro anos em Portugal e, a um ano do final do meu contrato, fui para o Chelsea. Para variar, no último dia da janela de transferências, em 2011.

Quem o chamou para jogar no Chelsea?

O italiano Carlo Ancelotti, na época o técnico do Chelsea. Como ele tinha treinado zagueiros como Paolo Maldini, Franco Baresi e Alessandro Nesta, nos tempos em que treinou o Milan, bancou a minha contratação. Naquela altura, o Benfica precisava colocar dinheiro no caixa e topou me vender para os ingleses. Eles precisavam de um zagueiro para substituir o português José Bosingwa, que tinha saído.

Você se habituou logo ao particular estilo inglês de jogar?

Não foi fácil. De cara, tive de me adaptar ao clima, muito diferente do de Portugal, de longe o melhor da Europa, sem invernos muito rigorosos, ao contrário do que ocorre na Inglaterra. E tinha também de entender e me habituar com a intensidade do jogo, muito maior do que a que estava acostumado. Os campos são sempre molhados, para que a bola corra mais rápida e o jogo é de muito contato físico. Na Inglaterra tem aquela filosofia que manda que se lute até o fim, sem desistir. Não é por acaso que quase sempre tem gols nos últimos minutos das partidas. Mas, como eu sempre gostei desse estilo de jogo mais disputado, logo entendi como deveria atuar: com atitude, garra e muita vontade.

Você se considera um zagueiro violento?

Eu entro nas disputas sempre com vontade e empenho. Tanto que minha expulsão de campo contra a Argentina foi uma das raras em minha carreira. Sei que se eu levar cartão vermelho prejudico o meu time.

Quando você chegou ao Chelsea, o time ainda não tinha a mesma tradição de um Manchester United ou de um Liverpool. Que tal era jogar lá?

Nós ainda não tínhamos conquistado a Liga dos Campeões. Mas éramos um time grande, com todas as condições. E eu pude fazer parte da melhor fase da história do clube. Ganhamos campeonatos, uma Liga dos Campeões, uma Copa da Uefa… Os torcedores entenderam esse meu respeito pelo clube, esse meu espírito de entrega. Mesmo quando vou a Londres jogando com outra camisa, como aconteceu este ano quando enfrentei meu ex-clube pelo PSG, muitos deles vêm falar comigo, me cumprimentar, tirar fotos comigo…

Como é no trato o magnata russo Roman Abramovitch, o dono do Chelsea?

Comigo ele sempre foi ótimo. Abramovitch se envolveu diretamente na minha contratação, quando o Chelsea me comprou do Benfica. E sempre nos deu condições de trabalho, dignas de um dos grandes clubes da Europa. Ele é um cara mais fechado, no estilo russo, mas um tremendo profissional, apaixonado, que está ali para ajudar no que for preciso. Ele está sempre presente na vida do Chelsea.

Luiz Felipe Scolari, que treinou o Chelsea três anos antes de você chegar, reclamou que no clube havia igrejinhas e que jogadores como Didier Drogba e Petr Cech criaram problemas para ele. O ambiente era mesmo difícil?

Eu ainda não jogava no Chelsea nessa altura. Mas nunca tive problemas com Drogba, Cech ou com qualquer outro jogador da minha época. Simplesmente, cheguei ao clube como eu sou. Tento ser honesto nas minhas atitudes, com as minhas ações. Mostrei quem era o David Luiz. Tentei me dar bem com todo mundo e aprender sempre.

Por que, mesmo com um timaço, o Chelsea perdeu para o Corinthians, na decisão do Mundial de Clubes em 2012?

Talvez porque os clubes sul-americanos dessem mais importância àquela competição do que os europeus…

Como assim?

Para o Chelsea, o fato de ter vencido a Liga dos Campeões contra o Bayern tinha sido o máximo. E aquela partida contra o Corinthians não tinha a mesma importância. Quando se falava do Campeonato Mundial no Japão, não se dava a mesma relevância na Inglaterra. Hoje, essa sensação mudou. Mas, em 2012, era assim. 

Mesmo para o Chelsea, que era um time que precisava ganhar títulos?

Nós éramos campeões europeus, e a sensação era de que tínhamos atingido o topo. Não era o meu caso. Para mim era um sonho estar lá no Japão disputando o Mundial de Clubes. Queria ganhar e estava muito motivado, pronto para dar tudo em campo. Fiz um bom campeonato, tanto que fui escolhido como Bola da Prata, como segundo melhor jogador daquele Mundial. Quando aquele jogo acabou, com o Corinthians campeão, fiquei chateado. Apesar do prêmio individual, eu queria mais era ter levantado aquela taça com os meus companheiros.

O Corinthians mereceu o título?

Também jogaram bem e mereceram ficar com a taça, claro. Ainda que, naquela partida, o Chelsea tenha criado mais oportunidades para marcar. Lembre que o Cássio foi o melhor jogador em campo. Fez defesas incríveis, inclusive uma em que ele sentou na bola, por acaso, a poucos centímetros da linha do gol. Mas aquele título mundial estava destinado ao Corinthians…

Por que você brigou com o português José Mourinho e saiu do Chelsea?

Nunca brigamos. Todos os jogos importantes do clube, durante o período em que ele foi técnico do time, eu joguei. Eu estava em campo quando ganhamos o título do Bayern, em Munique, quando o Chelsea ganhou a Liga dos Campeões, pela primeira vez. Naquele dia, fui um dos batedores de pênalti, que nos levou ao título. Também estava na final da Copa da Uefa, que ganhamos contra o Benfica e em outras decisões… Vivi grandes momentos na história do Chelsea.

É verdade que você saiu do jogo contra o Bayern de Munique, na final da Liga dos Campeões, machucado?

Naquele dia tive uma ruptura muscular. Mas era uma dor suportável e deu para continuar em campo e bater o pênalti, como um dos cobradores do time, na série decisiva. Na minha opinião, nenhuma dor é maior do que um sonho.

E por que o Mourinho disse que você não faria falta nenhuma ao Chelsea, quando saiu para o Paris Saint-Germain?

Nada mais natural que ele falasse o que falou. Na minha opinião, era uma forma de ele motivar os jogadores de defesa que continuavam no clube. O que não tinha cabimento era dizer que o time dele tinha ficado mais fraco depois da minha saída. Mas não teve bate-boca entre a gente. Tanto que, sempre que nos cruzamos, nos cumprimentamos e nos respeitamos.

Qual a diferença de estilo de Mourinho e do Laurent Blanc, seu atual técnico no PSG?

Apesar de ter sido um grande zagueiro, o Blanc gosta de um estilo de jogo mais ofensivo, com muita posse de bola e com muita marcação, já a partir do nosso campo ofensivo. Mourinho gosta de armar bem a defesa dos times que treina.

O que esperar da iminente Euro 2016?

A Euro será um grande evento, tenho certeza. Novos estádios foram construídos em Lyon, Bordeaux e Lille. E os franceses estão muito motivados para receber a competição. Será um belo campeonato.

A França terá um bom time?

Eles formaram uma ótima geração, muito talentosa e com um treinador, Didier Deschamps, que está fazendo um grande trabalho. Tanto que muitos jogadores franceses, mesmo jovens, estão atuando em grandes clubes europeus.

A Liga Francesa é um campeonato forte e competitivo?

Há jogadores com ótimas qualidades disputando-a, e em todas as posições. Não por acaso, há muitos franceses que se destacam em outros campeonatos da Europa.

Londres ou Paris?

Lisboa. Adoro a cidade e tenho meu apartamento no Campo Pequeno. Mas sou um cara abençoado, que teve a sorte de trabalhar e morar em três grandes cidades e me manter conectado ao Brasil. Moro em Neully-sur-Seine, uma cidade vizinha a Paris e sei de tudo o que se passa em meu país. Tenho TV brasileira em casa. Adoro ver futebol. Gosto de conhecer restaurantes.

Você está casado?

Tenho uma namorada portuguesa [NdR: a dentista Sara Madeira, que ele chama carinhosamente de ‘Duda’, em mensagens nas redes sociais, como a que postou no Dia dos Namorados pelo Instagram]. Nos conhecemos em uma festa da faculdade de odontologia, quando ela ainda era universitária e eu jogava no Benfica. Frequentamos a mesma igreja.

E que papo é esse de que você ainda é virgem?

Foi uma invenção pelo fato de estar apoiando um pastor amigo meu [NdR: Nelson Neto Júnior] no projeto dele, o ‘Eu Escolhi Esperar’, segundo o qual o sexo deve acontecer depois do casamento. Não era o meu caso, que já tive relações, mas algumas pessoas distorceram o que eu disse. Fiquei triste, já que sou um cara sempre disponível para falar. Eu não me escondi nem mesmo depois da derrota contra a Alemanha, em Belo Horizonte. Nesse caso da virgindade, criaram uma situação diferente da realidade. Infelizmente neste mundo nem sempre há pessoas com boa índole.

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