Mehdi Faria: o técnico brasileiro que se tornou ídolo no Marrocos
José Faria saiu da base do Fluminense, se aventurou no Oriente Médio, foi amigo do rei e responsável pela primeira grande proeza do futebol africano
A seleção brasileira voltou a campo pela primeira vez, neste sábado, 25, após a Copa do Mundo do Catar. Sob o comando do técnico interino Ramon Menezes, o Brasil enfrentou um embalado e confiante Marrocos e perdeu por 2 a 1 no território inimigo, em Tânger. Os Leões do Atlas fizeram história no Mundial de 2022 ao avançar para as semifinais e parte desse mérito está nas mãos de um brasileiro. Entenda como o técnico José Mehdi Faria transformou o futebol de Marrocos.
Natural do Rio de Janeiro, José Faria começou no futebol como treinador de base do Bonsucesso. Mais tarde, em 1969, foi para o Fluminense para ser técnico do sub-20: “Sou um técnico de campo, não de quadro negro. Dou aulas de fundamentos do futebol, ensino como melhorar no drible, no chute, lançamentos e toque de bola”, disse o carioca ao Jornal do Brasil, na época.
Mais restrito do que hoje, em que times árabes de alto investimento contratam estrelas do futebol sul-americano e mesmo europeu, José Faria aceitou o desafio de ‘desbravar’ o futebol do Oriente Médio e foi comandar a base da seleção do Catar, após uma década de Tricolor das Laranjeiras.
Depois, passou também pelo Al-Sadd e foi bicampeão nacional. Mudou-se ao Marrocos para dirigir FAR Rabat, onde também foi campeão. Pela equipe marroquina semiprofissional, que representava as forças armadas, conquistou a Liga dos Campeões da África. Tornou o time de Rabat a primeira equipe do país a levantar o troféu. Em seguida, José subiu para a seleção e substituiu o também brasileiro Jaime Valente.
“Não sou o Pelé, mas eles me tratam como se eu fosse o Pelé dos treinadores. Não posso caminhar tranquilo pelas ruas, porque tenho que ficar atendendo a pedidos de autógrafos, abraços e fotos”.
A relação entre o técnico brasileiro e o país árabe cresceu tanto que José Faria se transformou em José Mehdi Faria. O grande momento do técnico pela seleção marroquina aconteceu na Copa de 1986, no México, quando os Leões do Atlas venceram Portugal (primeiro triunfo do escrete na história do torneio) e lideraram o grupo F na primeira fase do torneio, ficando à frente da Inglaterra e Polônia. A campanha rendeu presença no mata-mata do Mundial e o Marrocos se tornou a primeira seleção africana a alcançar o feito.
“Eu não teria conseguido se os jogadores marroquinos não fossem técnicos, habilidosos e disciplinados. A prova disso é que pertencem a clubes franceses, belgas, suíços e holandeses”, disse uma vez ao Jornal dos Sports.
Desde sua chegada, além dos resultados, o trabalho quase simultâneo de José Faria com o Rabat e a seleção marroquina teve apoio e incentivo do rei Hassam II – “Faria, aqui no Marrocos eu sou o rei na política, mas no futebol o rei é você” -.
O brasileiro exaltou seu amor pelo país em conversa com PLACAR, em 1987: “Nada me tira de lá”. E quando questionado sobre a amizade com o rei: “Ele é mais que um torcedor. Dá sugestões, mas eu nunca aceito. É cada um na sua… Adoro ele, aprecio sua inteligência”.
À PLACAR nº839, de 23 de junho de 1986, o treinador carioca exaltou o feito mesmo perdendo nas oitavas de final para a Alemanha Ocidental: “Vão se passar muitas gerações até que um feito como esse seja igualado. Nós chegamos à frente de três potências europeias, times de tradição, incluindo os criadores do futebol… Já nos consideramos campeões do mundo”.
José Mehdi Faria não presenciou a epopeia do Marrocos na Copa do Mundo do Catar. O treinador brasileiro, mais marroquino que brasileiro, viveu todo o resto da vida no país do Magrebe e faleceu em 2013, aos 80 anos. Agora, cabe a Walid Regragui dar sequência no desenvolvimento de um futebol que gosta de surpreender e ser pioneiro em seus feitos.