Maratona Palmeiras: os efeitos do calendário no desempenho dos atletas
Nenhum clube no mundo jogou tantas vezes em 2021. A PLACAR, coordenador científico alviverde detalhou estratégias para driblar o cansaço
Há anos apontado como um dos vilões do futebol nacional, o calendário tornou-se ainda mais cruel, quase desumano, em tempos de pandemia. Quanto mais um clube avança nas competições, maior será o sofrimento com viagens, noites mal dormidas e a necessidade de vencer partidas sem ter tempo para treinar e acertar o time. Campeão da Libertadores e da Copa do Brasil de 2020 — encerradas apenas neste ano — o Palmeiras sente na pele os efeitos da maratona.
Os jogos adiados e paralisações encurtaram as férias dos atletas e praticamente acabaram com descanso entre uma partida e outra. Apenas em 2021, o clube alviverde já entrou em campo 38 vezes, média de 1 jogo a cada 3,5 dias, fator que interfere de forma significativa no desempenho do time. Como comparação, o Flamengo, seu principal concorrente a títulos, e o Corinthians, seu histórico rival, fizeram, cada um, oito jogos a menos.
“É duro, pesado, temos de pensar no presente e no futuro, na gestão de energia. A cada jogo, entra em campo quem está com força máxima. É humanamente impossível.”, desabafou o português Abel Ferreira, treinador do Palmeiras. Diante do calendário caótico, todas as comissões, técnica, científica e médica, tiveram de se adaptar. Além da quantidade imensa de jogos em poucos dias, o Palmeiras encarou viagens longas.
Os palmeirenses, portanto, vêm sentindo o baque. Não se trata de “frescura”, mas pura ciência. Em entrevista exclusiva a PLACAR, o coordenador científico Daniel Gonçalves explicou algumas de suas estratégias: “Para diminuir os efeitos do calendário, realizamos reuniões e avaliações periódicas. Analisamos cada jogo, logística e caso, para que consigamos saber a situação de cada atleta, evitando uma carga mais elevada que possa vir a acarretar uma lesão.”
Confira, abaixo, os números da aventura alviverde:
Entre 18 de janeiro e 19 de fevereiro (época de viagens longas no Brasileirão e no Mundial de Clubes) a equipe percorreu 31.632 km em linha aérea. Para piorar, jogadores se infectaram com a Covid-19 (o Palmeiras foi o 3º com mais casos no Brasileirão 2020, com 24 no total), o que desfalcou a equipe e ainda pode ter deixado sequelas no corpo dos atletas, por se tratar de um vírus desconhecido.
O contexto, portanto, joga contra. No entanto, com um elenco que permita girar o time inicial, bons reforços da base, uma boa estrutura e profissionais qualificados, o Palmeiras tem conseguido, ainda assim, brigar por todos os campeonatos.
Ciência em campo
O coordenador científico Daniel Gonçalves, alertou sobre a possibilidade de queda do desempenho de atletas, já que os aspectos técnicos estão umbilicalmente ligados à condição física. Além disso, toda a equipe médica avalia os jogadores contaminados pela Covid-19, monitorando qualquer comprometimento no corpo dos profissionais.
Segundo Daniel, há outro fator importante, muitas vezes ignorado pelos críticos: o isolamento social, que afasta o jogador de seus familiares e amigos, causando danos psicológicos que também afetam a mente e o corpo.
“Um jogo de futebol promove uma fadiga bastante acentuada, porque o atleta é exigido em potência e resistência, o que causa dano muscular e metabólico. Além da exigência intelectual e mental, pois uma partida é um jogo de oposição, que você precisa de estratégias para vencer o adversário”, explica Daniel Gonçalves.
O coordenador científico ressalta que, conforme mostra a literatura médica, a real recuperação física de um atleta demanda, no mínimo, intervalo de três dias entre um jogo e outro. Assim, invariavelmente, os jogadores vêm atuando sem recuperação adequada (nas últimas semanas, foi comum ver o clube em campo dia sim, dia não). Dessa maneira, é possível perceber uma queda no “nível do jogo”.
Segundo Daniel, o Palmeiras busca adequar intensidades e frequências de treinos, além de poupar atletas de jogos que poderiam representar risco físico. O caráter decisivo da maioria dos jogos é outro fator a ser considerado. “Em jogos assim, sem dúvidas há maior tensão física, mental e emocional. Por isso, contamos com o trabalho de nossa psicóloga Gisele, que tenta amenizar a ansiedade e os impactos psicológicos. Na conduta recuperativa, contamos também com os profissionais da fisioterapia.”
Estratégia para competir
Na última terça-feira, 11, o Palmeiras venceu o Independiente del Valle, do Equador. A partida foi disputada na altitude, fator que afeta o desempenho do atleta. Daniel explicou que, sabendo das condições, o Palmeiras adquiriu uma expertise de trabalho, utilizando de fatores táticos para amenizar o “peso” do ar rarefeito.
O técnico Abel Ferreira chegou a admitir que planejou a equipe de forma mais cautelosa que o habitual. “Minha função é estudar adversários e entender que as equipes que vieram aqui recentemente não conseguiram ganhar. Os que vieram e procuraram jogo em alta intensidade, com bloco alto, saíram daqui humilhados.”
Além disso, trabalhando com o Departamento Médico e a Nutrição do clube, é possível preparar com suplementação, alimentação e hidratação, diminuindo, cada vez mais, os efeitos da altitude. Ainda assim, o Palmeiras sofre com uma cultura imediatista que permeia o futebol brasileiro. Neste ano, ao poupar no Campeonato Paulista, nem sempre conseguiu bons resultados e uma possível eliminação na primeira fase foi tratada por alguns torcedores e jornalistas como vexame.
Atualmente, o Palmeiras está na segunda fase do Paulistão e classificado, de maneira antecipada, às oitavas de final da Copa Libertadores. Nesta sexta-feira, faz seu 39º jogo no ano, diante do Red Bull Bragantino, em Bragança Paulista, em jogo único valendo vaga na semifinal do Estadual.