Luka Modric, o craque croata: da infância tensa à glória no futebol
Quando criança, camisa 10 da Croácia e do Real Madrid foi refugiado de guerra; aos 32 anos, atingiu a consagração máxima na Rússia
Quando criança, camisa 10 da Croácia e do Real Madrid foi refugiado de guerra; aos 32 anos, atingiu a consagração máxima na Rússia. Não gosto de falar sobre isso, é passado, temos de olhar para frente”, diz Luka Modric, voz grossa e semblante fechado, dois dias antes do jogo mais importante de sua vida, ao ser questionado sobre sua conflituosa infância durante a guerra de independência da Croácia (1991-1995). Aos 32 anos, o maestro franzino de rara elegância e visão de jogo, multicampeão com o Real Madrid, percorreu um longo caminho até alcançar o apogeu do futebol, uma final de Copa do Mundo, neste domingo, contra a favorita França, em Moscou.
Modric nasceu em 9 de setembro de 1985 na cidade croata de Zadar, então pertencente à Iugoslávia, país que compreendia os atuais territórios de Sérvia, Montenegro, Eslovênia, Macedônia, Bósnia, Kosovo e, claro, a Croácia. Foi batizado em homenagem a seu avô, Luka, que morreria em um bombardeio durante a guerra. A família de pastores teve de fugir da região montanhosa de Velebit, perto do Mar Adriático, depois que sua casa foi destruída durante a guerra. O prequeno Luka, então, teve de retornar a Zadar com os pais para viver num abrigo e foi justamente durante o período de refugiado que teve seu primeiro contato com a bola. O resto é história.
Nasce o ‘Cruyff dos Balcãs’
Modric jogou durante sua adolescência na equipe de Zadar e já dava mostras de seu incrível talento. Franzino, buscou na dura realidade da guerra a sua força para seguir em busca do sonho. “Sempre ignorei essa conversa sobre tamanho e nunca duvidei de mim mesmo. Você não precisa ser um gigante para jogar futebol, sou feliz como sou”, afirmou na última sexta-feira o craque de 1,72 metro e 66 kg.
Aos 17 anos, Modric chamou a atenção do Dínamo Zagreb, um dos principais clubes do país. Os dirigentes da capital, no entanto, preferiram enviá-lo a “estágios” nada agradáveis: Modric atuou, entre 2003 e 2005, pelo Zrinjski, da Bósnia, e pelo croata Inter Zapresic, onde rapidamente se destacou. De volta ao Dínamo, já passou a ser visto como o futuro craque do país. E passou a ser chamado de “O Cruyff dos Balcãs”, por sua semelhança física – e também técnica – com o holandês Johan Cruyff, gênio da década de 70. Modric gostou da comparação e chegou a usar a camisa 14 eternizada por Cruyff durante boa parte da carreira. Neste domingo, Modric pode conquistar algo que nem mesmo o ídolo conseguiu: a Copa do Mundo, perdida por Cruyff na final de 1974.
Desenvolvimento no Tottenham e glória Real Madrid
Em 2008, após boas campanhas na Eurocopa, Modric foi vendido ao Tottenham, da Inglaterra, onde permaneceu por quatro temporadas. Se consolidou como um jogador de nível mundial, apesar de não ter conquistado títulos. Em 2012, foi comprado por 40 milhões de euros, pelo Real Madrid e na Espanha adquiriu uma nova faceta: mais organizador e, sobretudo, vencedor.
Um camisa 10 clássico, Modric foi escalado mais recuado, responsável por organizar a saída de bola e se tornou um mestre na função, com incrível dinâmica e visão de jogo. Passes precisos, cabeça erguida, noção de marcação e boa chegada ao ataque: ainda que eclipsado pelos gols de Cristiano Ronaldo, Modric se tornou um dos melhores do mundo (foi o quinto colocado na última Bola de Ouro) e foi fundamental em nada menos que quatro títulos da Liga dos Campeões (2014, 2016, 2017 e 2018) e três Mundiais de Clubes. Modric, no entanto, garante que nada se compara a final deste domingo. “Trocaria todos os troféus da minha carreira por este da Copa”
Polêmica com a justiça
Em campo, ninguém mais discute seu talento, mas Modric convive com a sombra de um escândalo na Croácia, o caso Zdravko Mamic. Em 2017, o meia do Real Madrid foi acusado de mentir à Justiça para proteger Mamic, ex-diretor do Dínamo Zagreb, condenado a seis anos e meio de prisão por evasão fiscal e peculato. O cartola foi considerado culpado por ter lucrado 15 milhões de euros com a venda de Modric do Dínamo Zagreb para o Tottenham e de Dejan Lovren, outro destaque desta seleção croata, para o Liverpool.
A casa onde a família de Modric se refugiou, em Zadar, chegou a ser pichada com a mensagem “Luka, você vai se lembrar desse dia” e o jogador ainda responde à Justiça por falso testemunho. Os feitos na Copa do Mundo, no entanto, fizeram Modric retomar seu prestígio com os torcedores, que vem lotando os estádios na Rússia com camisas 10 quadriculadas.
Consagração na Rússia
Catorze vezes campeão com o Real Madrid, Modric pode conquistar neste domingo a consagração máxima. Já marcou dois gols no torneio, um deles um golaço contra a Argentina, e é candidato ao prêmio de melhor da Copa e também à Bola de Ouro e ao prêmio da Fifa de melhor do mundo. Sem jamais perder o semblante sério nas entrevistas, o meia diz não se importar com premiações individuais.
“Já disse várias vezes que estou focado apenas no sucesso da Croácia. Ser mencionado nesse contexto é um orgulho, mas não me preocupo com isso. Quero que meu time ganhe a Copa do Mundo, o resto está fora do meu controle. O individual não é minha prioridade.”