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Lembranças da Copa

Eu me lembro que a gente podia entrar na concentração da Holanda. Como não havia um número tão grande de repórteres, sobravam cadeiras vagas nas mesas do restaurante. Os jogadores se sentavam conosco para dar entrevistas. Vários deles bebiam cerveja em lata. Alguns acendiam cigarros sob as vistas do técnico Rinus Michels. Eles se chamavam […]

Publicado por: Carlos Maranhão em 12/06/2014 às 11:05 - Atualizado em 06/10/2021 às 18:23
Lembranças da Copa
Frankfurt, 1974: Johan Cruyff com a mulher e o filho

Eu me lembro que a gente podia entrar na concentração da Holanda. Como não havia um número tão grande de repórteres, sobravam cadeiras vagas nas mesas do restaurante. Os jogadores se sentavam conosco para dar entrevistas. Vários deles bebiam cerveja em lata. Alguns acendiam cigarros sob as vistas do técnico Rinus Michels. Eles se chamavam Cruyff, Neeskens, Van Hanegem, Rep, Haan…

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Eu me lembro que chovia quase todo dia na Alemanha, em 1974, quando fui cobrir para a revista PLACAR a minha primeira Copa do Mundo. Esta agora será a nona.

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Eu me lembro que, no dia 26 de junho, em Gelsenkirchen, assisti maravilhado àqueles mesmos craques que bebiam, fumavam e jogavam massacrarem a Argentina por 4 a 0. Os argentinos eram cabeludos e insolentes, mas não fumavam e não bebiam, ao menos diante de nós na concentração, à qual tínhamos igualmente acesso. Na parede, logo na entrada, estava pregado um telegrama de incentivo, assinado pelo “tenente-general Juan Domingo Perón”. Ele morreu menos de uma semana depois.

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“Eu me lembro que o sol ainda brilhava no céu de Barcelona no fim da tarde escaldante de 5 de julho de 1982, enquanto no gramado do Estádio Sarriá Paolo Rossi marcava um, dois, três gols. Eu me lembro que chorei. Foi o jogo mais triste da minha vida”

Eu me lembro que quando o jogo terminou os jornalistas argentinos sentados perto de mim ficaram mudos, estáticos, aparvalhados, sem acreditar no que acabara de acontecer diante de seus olhos. Um deles era o célebre Julio César Pasquato, o Juvenal, estrela da revista El Gráfico. Depois de uns minutos, parecendo cair em si, Juvenal se levantou, segurando sua máquina de escrever, e disse para os colegas que costumavam reverenciá-lo: “Vamos, pibes. Acabamos de ver los campeones”.

Eu me lembro que em 1978 acompanhei a maior parte da Copa em Buenos Aires, de onde vi pela TV, no centro de imprensa da Calle San Martín, cercado de gente ensandecida, outro momento inacreditável do futebol argentino: aqueles até hoje mal esclarecidos 6 a 0 contra o Peru, em Rosário.

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Eu me lembro que naquela noite fria foi minha vez de ficar mudo, estático, aparvalhado.

Eu me lembro que o sol ainda brilhava no céu de Barcelona no fim da tarde escaldante de 5 de julho de 1982, enquanto no gramado do Estádio Sarriá o jogador Paolo Rossi marcava um, dois, três gols.

Eu me lembro que chorei. Foi o jogo mais triste da minha vida.

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Eu me lembro que no dia seguinte, ao acompanhar o melancólico embarque dos jogadores brasileiros, levei nas mãos uma pequena obra-prima do fotógrafo J.B. Scalco, que morreria jovem menos de um ano depois: a imagem de Falcão festejando de braços abertos o gol de empate que poderia ter nos classificado e eliminado a Itália. Foi a única vez que pedi autógrafo a um jogador. Passados tantos e tantos anos, a assinatura vai se apagando. A foto está pendurada aqui na parede. Ainda dói um pouco.

Eu me lembro do momento em que recebi na redação o desenho do publicitário e artista plástico Francesc Petit que seria a bela e triste capa de PLACAR: a bandeira do Brasil vertendo uma lágrima pela derrota para a França na amaldiçoada decisão por pênaltis.

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Eu me lembro do título que escrevi: “A história dos azares e dos erros de 21 de junho de 1986”.

Eu me lembro que consolei meus dois filhos no domingo de 1990 em que Maradona deu o passe fatal para Caniggia. Vi a Copa em casa. Foi tão curta para nós que dela não lembro de mais nada.

Eu me lembro que transcorreram quatro anos e Maradona desceu ao inferno. Centenas de jornalistas se amontoavam no hotel de Dallas em que cartolas e médicos davam entrevistas sobre o caso de doping que o alijou da Copa. Quando praticamente todos já se haviam retirado, fui atrás de João Havelange, que era o presidente da Fifa. Enquanto se servia sozinho de saladas em um bufê, ele me deu detalhes de bastidores sobre o escândalo. “Maradona é como um filho para mim”, disse em certo momento.

Eu me lembro que não acreditei no que ouvi.

Muito menos, em um primeiro momento, na bola que Baggio chutou em direção às nuvens de Los Angeles e fez o Brasil inteiro berrar de alegria.

Eu me lembro que também duvidei do que estava escrito no impresso distribuído na tribuna de imprensa do Stade de France poucos minutos antes do início da final de 1998: a escalação de Edmundo no lugar de Ronaldo. Logo em seguida nos entregaram outro papel, com a troca certa. Ou errada?

Eu me lembro que, apesar da acachapante derrota e daqueles torcedores insuportáveis buzinando por Paris inteira aos gritos de “trois zéro, trois zéro, trois zéro” pela madrugada adentro, foi a Copa que tive mais prazer em acompanhar ao vivo. Por estar onde eu estava.

“Eu me lembro que Zico, Falcão e Sócrates jamais ganharam uma Copa. Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Zizinho, Ademir de Menezes e Bauer também não, assim como nenhum húngaro, nenhum holandês. Di Stefano e George Best nem chegaram a disputá-la”

Eu me lembro, de 2006 e 2010, muito mais da organização alemã e da alegria sul-africana do que de nossos novos fracassos, embora não tenha esquecido de Roberto Carlos ajeitando a meia enquanto Zidane levantava a bola para Henry. Ou do destrambelhado Felipe Melo. Ou da trapalhada de Júlio César. Ou de Dunga isolando seus jogadores do resto da humanidade.

Eu me lembro com muito mais clareza da felicidade que senti ao olhar Cafu levantando o troféu em Yokohama. O sentimento não se desfez e não ficou menor nem quando, ao sair do vestiário, de banho tomado, o altivo capitão passou de nariz levantado por vários jornalistas sem atender aos nossos apelos para uma última e rápida entrevista. Cafu provavelmente jamais se deu conta, a exemplo de muitos e muitos jogadores, de que somos somente intermediários entre ele e o responsável, em derradeira análise, ao lado do talento individual, por sua fama, idolatria e fortuna: o torcedor, que paga ingresso, dá audiência à televisão e consome os produtos que anuncia. Por tudo isso, deve-lhe explicações e atenção.

Eu não me lembro de ter visto Zico, Falcão e Sócrates recusando um autógrafo para seus fãs ou uma entrevista para pequenas emissoras de rádio do interior e estagiários de jornal.

Eu me lembro que eles jamais ganharam uma Copa. Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Zizinho, Ademir de Menezes e Bauer também não, assim como nenhum húngaro, nenhum holandês. Di Stéfano e George Best nem chegaram a disputá-la.

Eu me lembro que Jorginho e Zinho foram campeões mundiais. Na condição de titulares.

Mas o que me lembro de melhor – porque me levou a sonhar, a soltar minha imaginação infantil e a ter orgulho de ser brasileiro – foi o que ouvi pela Rádio Bandeirantes na tarde de 29 de junho de 1958, na transmissão de Pedro Luiz e Edson Leite. Guardo a narrativa em um velho disco e no coração: “Zero a zero Brasil e Suécia. Quatro minutos decorridos. O couro é movimentado atrás, recuado para Gunnar Gren, que entrega na direita para Bergmark. Cruza para Simmonson, tenta a finta, cruzou para Liedholm, para, dribla, vai chutar, fuzila para… o gol! Gol de Liedholm para a equipe sueca! Um para os suecos, zero para o Brasil. (…) Escora bem Zito, põe na área, vai o Brasil para o ataque com Garrincha, cruza da linha de fundo na boca do… gooooooool! Vavá empata a partida para a equipe brasileira! (…) Atenção, Brasil! Reiniciada a partida final pela Copa do Mundo. Quarenta e cinco minutos que decidirão a sorte do Brasil no campeonato mundial. (…) Fica na esquerda agora com Orlando, Orlando para Pelé, Pelé domina no peito, de calcanhar para Zagallo, Zagallo prepara-se, tem Pelé, levantou para Pelé, entrou de cabeça para o arco e gooooool! Pelé! Com uma cabeçada extraordinária marca o quinto gol do Brasil! Brasil, campeão mundial de futebol!”.

(Este texto foi inspirado no livro “Memorando”, de Geraldo Mayrink e Fernando Moreira Salles, publicado pela editora Companhia das Letras em 1993. Um de seus trechos: “Eu me lembro que futebol se jogava com formação dois, três, cinco, beque central, lateral-esquerdo, center-half… etc. E que, em geral, marcavam-se gols”)

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