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Jornal dos EUA suspende repórter por tuítes sobre caso de estupro de Kobe

Felicia Sonmez recebeu ameaças de morte e foi afastada pelo “Washington Post”; colegas de redação repudiaram a ação do jornal

A jornalista Felicia Sonmez, repórter de política nacional do The Washington Post, foi suspensa pelo jornal americano no último domingo 26 depois de ter compartilhado no Twitter uma notícia antiga sobre uma denúncia de estupro contra o jogador de basquete Kobe Bryant, pouco depois da morte do astro da NBA em acidente de helicóptero.

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Segundo os diretores da publicação, os tuítes de Felicia, que iam na contramão da enxurrada de homenagens ao ídolo dos Lakers, foram um “pré-julgamento que prejudicou o trabalho de seus colegas”. Mais de 300 companheiros de redação não concordaram com a posição da chefia e manifestaram seu apoio a Felicia, que recebeu ofensas e até ameaças de morte nas redes sociais.

Minutos depois da morte de Kobe, Felicia Sonmez postou um link para um artigo de 2016 do site Daily Beast sobre as alegações de agressão sexual feitas contra o jogador em 2003. “O caso perturbador de estupro de Kobe Bryant: a evidência de DNA, a história do acusador e a meia-confissão”, era o título do artigo, que não foi escrito por ela. Rapidamente, milhares de seguidores passaram a acusa-la de “insensibilidade” ao recordar a polêmica em meio ao luto.

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Felicia, que já foi vítima de abuso, rebateu os críticos em novas postagens. “Bem, isso foi revelador. Para as 10.000 pessoas (literalmente) que comentaram e me enviaram e-mails com abuso e ameaças de morte, por favor, dedique um momento e leia a história – que foi escrita mais de três anos atrás, e não por mim”, iniciou.

“Vale a pena lembrar de qualquer figura pública em sua totalidade, mesmo que essa figura pública seja amada e essa totalidade inquietante. Que as pessoas estejam respondendo com raiva e ameaças contra mim diz muito sobre a pressão que as pessoas sofrem para ficar caladas nesses casos”, completou.

Horas depois, Felicia Sonmez recebeu um e-mail do editor executivo do Washinton Post, Martin Baron. “Felicia. Tuitar isso foi uma verdadeira falta de juízo. Por favor, pare. Você está prejudicando a instituição fazendo isso”, escreveu Baron, segundo informações do New York Times. A jornalista deletou as postagens e foi suspensa por tempo indeterminado.

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“A repórter de política nacional Felicia Sonmez foi colocada em licença administrativa enquanto o The Post analisa se os tuítes sobre a morte de Kobe Bryant violaram a política de mídia social da redação. Os tuítes mostraram um pré-julgamento que prejudicou o trabalho de seus colegas”, justificou a editora Tracy Grant, em comunicado.

A denúncia – Kobe Bryant foi detido em 2003 depois que uma funcionária de um luxuoso hotel no Colorado prestou queixa de abuso sexual. Na ocasião, o jogador do Los Angeles Lakers, que já era casado, foi liberado mediante pagamento de fiança e afirmou que a relação com a jovem de 20 anos foi consensual.

A denúncia foi arquivada depois que a mulher não compareceu ao tribunal. Soube-se depois que Kobe e a sua denunciante entraram em um acordo milionário de indenização. O advogado de Kobe leu uma carta na qual manteve a posição de que a relação foi consentida, apesar de que reconhecer que “ela não analisou a situação da mesma forma”.

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Na época, Kobe recebeu o apoio de seus patrocinadores e pediu desculpas públicas à esposa Vanessa pelo adultério. Do problema familiar e judicial nasceu o apelido Black Mamba (a mamba negra, uma das cobras mais venenosas do mundo). O alter ego era uma forma de Bryant deixar as dificuldades fora de quadra e “destruir todos que pisassem nela”, nas palavras dele.

A denúncia de abuso sexual voltou à tona em 2018, quando Integrantes do movimento #MeToo e outras organizações feministas protestaram contra o Oscar de melhor curta-metragem vencido por Kobe Bryant como roteirista do filme Dear Basketball.

Reação de colegas de redação – Assim que o afastamento se tornou público, centenas de jornalistas da casa manifestaram apoio a Felicia Sonmez. O sindicato que representa os profissionais do Washington Post publicou uma carta, assinada por mais de 300 funcionários, criticando a forma como os chefes lidaram com o assunto.

“Felicia recebeu um ataque de mensagens violentas, incluindo ameaças que continham seu endereço residencial, na sequência de um tuíte sobre Kobe Bryant. Em vez de proteger e apoiar um repórter de abusos, o The Post colocou-a em licença administrativa, enquanto os líderes da redação analisam se ela violou a política de mídia social. Felicia teve que deixar sua casa por medo de sua segurança e recebeu orientação insuficiente do The Post sobre como se proteger”, diz um trecho do comunicado.

O grupo disse entender que a morte de Kobe Bryant tornava o momento difícil para os fãs, mas que é responsabilidade dos jornalistas “contar ao público toda a verdade como a conhecemos – sobre figuras e instituições populares e impopulares, em momentos oportunos e inoportunos”. A carta diz ainda que esta “Não é a primeira vez que o The Post procura controlar as falas de Felicia sobre questões de violência sexual. A própria Felicia é uma sobrevivente de assalto que, bravamente, apresentou sua história há dois anos”.

“Os sobreviventes de assalto dentro e fora desta redação merecem tratamento justo e transparente; isso não culpa as vítimas nem compromete a segurança dos sobreviventes. Esse caso também reflete falhas fundamentais na política de mídia social arbitrária e abrangente do The Post. Vimos repetidamente colegas – incluindo membros da gerência – compartilharem opiniões controversas nas plataformas de mídia social sem sanção. Mas aqui um colega de valor está sendo censurado por fazer uma declaração de fato”, segue o comunicado.

“Pedimos ao The Post que forneça imediatamente a Felicia detalhes de segurança e tome as outras medidas necessárias para garantir sua segurança, como havia feito no passado quando outros repórteres estavam sujeitos a ameaças. A empresa deve emitir uma declaração condenando o abuso de seus repórteres, permitir que Felicia volte ao trabalho, rescindir quaisquer sanções impostas e fornecer a ela todos os recursos que ela solicitar, enquanto navega nessa experiência traumática”, conclui o sindicato.

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