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Gabriel Medina, um Guga sobre as ondas

O paulista pode terminar o ano como o primeiro colocado no ranking mundial do surfe, modalidade desde sempre dominada por americanos e australianos

A timidez não cabe no corpo de 1,80 metro e pouco mais de 70 quilos. De boné, óculos de sol, camiseta, bermuda, meias de cano alto e tênis, o paulista Gabriel Medina desfila um tanto quanto desajeitado – e perfeitamente camuflado como um garotão californiano – pelas ruas de San Clemente, a 100 quilômetros de Los Angeles, como quem passeia em Maresias, no Litoral Norte de São Paulo, onde aprendeu a surfar aos 8 anos. Hoje, aos 20 – fará 21 em dezembro -, Bi, como é conhecido, está na crista da onda para se tornar o maior surfista do mundo. Líder do ranking, ele começou a disputar na semana passada a oitava etapa do campeonato da Associação de Surfistas Profissionais (ASP) numa região dos Estados Unidos onde só uma coisa se destaca mais que as suntuosas mansões e as enormes palmeiras: a paixão pelas pranchas a beijar o mar. “A Califórnia é irada. Tem praia, cidade, e o estilo de vida é melhor que o do Brasil”, disse o jovem surfista, dias antes da competição que poderia servir de atalho à consagração. Ainda que tenha desempenho ruim na fase americana (na primeira bateria foi mal), ele terá outras três oportunidades até o fim do ano para subir no pódio à frente de uma lenda, Kelly Slater, onze vezes campeão do mundo e uma vez ex-namorado de Gisele Bündchen.

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Sem o disfarce do guarda-roupa, ao chegar à praia de águas geladas de Trestles, o local da competição, com uma toalha branca enrolada nos quadris, a pele bronzeada, os dentes brancos emoldurados pelo queixo levemente proeminente, as tatuagens nos braços (Deus de um lado, a família do outro), começa a chamar atenção. Vira estrela. Vira o rei das selfies. Dá autógrafos, é cercado por jornalistas, troca o português carregado de sotaque paulistano por um inglês bem razoável. “Ele é o cara mais perigoso no mundo do surfe”, publicou no Instagram o próprio Slater, depois de ser derrotado por Medina na final da etapa de Teahupoo, no Taiti. Mesmo que não conquiste o título, Gabriel terá ido mais longe que todos os outros surfistas do Brasil. A melhor posição de um brasileiro foi a do paulista Victor Ribas, terceiro lugar no mundial em 1999. Gabriel já é um fenômeno também de marketing. Hoje, ele tem nove patrocinadores fixos, que lhe rendem um lucro líquido de mais de 1 milhão de reais por ano. A bermuda assinada por Gabriel foi a peça mais vendida nos EUA no verão passado entre jovens de sua idade. “É um garoto bonito, tem uma família muito legal, condições que o tornam querido e popular”, diz Cesar Villares, vice-presidente de gestão de talentos da IMX, empresa que cuida da imagem do surfista brasileiro. “O surfe é gigante no Brasil, mas faltava um grande campeão. O Gabriel pode ser um novo Guga.”

É a gênese de uma rara celebridade brasileira – um esportista de sucesso que não joga futebol, e que hoje, por contrato, é mantido afastado das bolas, para não se machucar. Sua história, na verdade, não difere muito da dos meninos de classe média que trocaram as salas de aula por água salgada e parafina. “Eu falava que, quanto melhor ele surfasse, menos precisaria estudar”, ri o padrasto e treinador, Charles Saldanha, seu grande incentivador e companheiro de viagens até hoje – Gabriel o chama de pai. Entre uma nota ruim e outra, treinava à exaustão, imitava as manobras dos grandes craques, até finalmente criar seu próprio estilo.

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https://youtube.com/watch?v=xAYeoGS3o4M%3Frel%3D0%26controls%3D0%26showinfo%3D0

Mas, afinal, o que Gabriel Medina faz de diferente na onda, a ponto de ter se tornado o surfista mais jovem a conquistar uma etapa do circuito mundial, com 17 anos? Sua especialidade é o flynnstone flip (entenda como funciona a manobra no quadro acima), um mortal de costas que poucos mortais são capazes de realizar. No YouTube, o vídeo oficial com o espetacular movimento de Gabriel tinha sido visto até a semana passada por 1,4 milhão de pessoas. Os braços longos e as pernas curtas facilitam a acrobacia, mas o que o faz vencedor é seu prazer de competir. O surfista leva a sério até partidas de pingue-pongue e alimenta pequenas corridas com o pai para ver quem chega primeiro ao carro ou ao quarto do hotel. “Antes da final em Teahupoo, falei para o Gabriel que a vitória do Kelly Slater era certa, inclusive para o próprio Kelly. Sabia que essa era uma forma de incentivá-lo; ele tem isso no sangue, quer ganhar tudo”, diz Saldanha.

Em 2012, Gabriel perdeu a decisão de uma etapa em Portugal por um placar duvidoso (no surfe, os juízes dão notas de acordo com a dificuldade das manobras, a plasticidade dos movimentos, o desfecho, eliminando os placares mais baixos). O brasileiro saiu da água aos prantos, não participou do tradicional banho de champanhe dado no campeão. “Sentia pressão no começo. Agora não sinto mais, mesmo em ondas grandes ou contra adversários fortes”, diz. Para Gabriel, atavicamente fechadão, é mais tranquilo enfrentar Kelly Slater do que dar entrevistas. “Na minha primeira vez na TV, tremia e suava. Só conseguia responder com ‘ahã’ e ‘aaã’”, conta. Por não poder controlar o avanço da fama, teve de conter a timidez. Hoje, tem o próprio reality show, exibido pelo canal por assinatura Off. “O Teco Padaratz (surfista catarinense) disse certa vez que os americanos e os australianos é que mandam no circuito. A festa é dos caras”, diz Jaime Medina, tio e assessor de Gabriel. “Agora o dono da festa é o Gabriel.”

​Fonte: Marcos Duarte, professor de engenharia biomédica da Universidade Federal do ABC

Reportagem publicada em VEJA de 17/9/2014

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