O motivo: eles não são expostos a ofensas racistas
É impressionante que, em pleno século XXI, ainda seja necessário reafirmar o repúdio ao racismo em um país como o Brasil, com seu terrível passado escravagista. Pois o Londrina, time da Série B do Campeonato Brasileiro, se viu obrigado a fazer isso. No fim de agosto, um de seus jogadores, o meia Celsinho, foi vítima de ofensas vindas das arquibancadas do Estádio Augusto Bauer, em meio a uma partida fechada ao público contra o Brusque, em Santa Catarina. O primeiro tempo estava no fim quando o atleta e seus companheiros de banco se aqueciam na beira do gramado. Naquele momento, o jogador de 33 anos ouviu impropérios sobre seu corte de cabelo afro: “Vai cortar essa cabeleira!” e “Cachopa (colmeia) de abelha!”.
Depois de avisarem o quarto árbitro, que pôs a ocorrência na súmula, o atleta entrou em campo no segundo tempo. O placar não saiu do empate sem gols. Celsinho ficou indignado e revoltado. “É um crime o que fizeram”, disse. Segundo uma interessantíssima pesquisa recente realizada na Europa, o episódio envolvendo o brasileiro não é incomum e pode afetar de fato o desempenho dos futebolistas não brancos.
No momento em que os clubes de futebol da Série A discutem a volta dos torcedores aos estádios, o estudo publicado pela Universidade de Lausanne, na Suíça, evidencia um problema que vai além da necessidade de manter os protocolos sanitários exigidos pela pandemia de Covid-19 e com o qual será necessário lidar no futuro próximo: o racismo no esporte. O italiano Fabrizio Colella, doutorando da Escola de Altos Estudos Comerciais, assina a pesquisa na qual se analisa o efeito da presença da torcida no desempenho de jogadores de acordo com a cor da pele. Como na partida entre Londrina e Brusque, um terço do Campeonato Italiano da Série A na temporada 2019/2020 foi disputado em estádios fechados, o que acabou se convertendo em um balão de ensaio. Identificou-se melhora na performance dos jogadores não brancos em partidas sem público.
Partindo do premissa de que o racismo no local de trabalho pode afetar o desempenho dos trabalhadores, o cientista examinou dados de mais de 500 atletas da Série A italiana, quando o campeonato foi retomado com a regra de “estádio fechado”, que proíbe a entrada de quem não estiver diretamente envolvido no jogo. Ao aplicar o algoritmo de reconhecimento racial, ele classificou os jogadores nas categorias branca e não brancas. Usando medidas de desempenho emprestadas de jogos de fantasia como o italiano Fantacalcio, similar ao brasileiro Cartola, ele compilou pontuações de desempenho individual em cada jogo da temporada 2019/2020. Além disso, comparou como cada jogador se saiu em disputas com torcedores no estádio. Descobriu que o desempenho dos atletas não brancos aumenta em 1,5%, em média, quando os torcedores estão ausentes. Os efeitos são semelhantes em casa e fora, e entre jogadores de clubes maiores e de times mais modestos. Defensores e meias sofrem mais do que os outros. Descobriu-se, ainda, que os jogadores menos habilidosos são mais afetados do que os outros com a plateia cheia.
Nem todos os jogadores não brancos têm a frieza de Daniel Alves, que em 2014, durante uma partida do Campeonato Espanhol entre seu clube à época, o Barcelona, e o Villarreal, pegou uma banana atirada ao campo pelos torcedores adversários e a comeu antes de bater um escanteio — numa atitude de menosprezo à ofensa. Muitas vezes, como no caso de Celsinho, esses episódios acabam tendo vastas proporções: “Isso não afeta só a mim, afeta o meu lar, a minha família”, contou o brasileiro. Colella afirma não ter a solução para o problema. “A conscientização sobre o fenômeno é o primeiro passo a ser dado”, disse a VEJA. “Se os fãs entenderem os efeitos negativos de suas ações, podem pensar duas vezes antes de se envolver em um comportamento racista.” De fato, é preciso criar consciência e sempre reafirmar que o racismo é repugnante — e o futebol talvez seja um dos meios mais ricos para esse tipo de postura.
Publicado em VEJA de 22 de setembro de 2021, edição nº 2756
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