Em busca de redenção, Inglaterra e Itália decidem uma Euro memorável
Final inédita com duas seleções que comemoram renascimentos fecham competição marcada por manifestações políticas, caso Eriksen e público de volta
Inglaterra e Itália fazem neste domingo, 11, a partir das 16h (de Brasília), no estádio Wembley, em Londres, a decisão de uma Eurocopa simplesmente arrebatadora – e muito além dos 140 gols, 50 partidas e mais de 4.500 minutos memoráveis até aqui. A edição 2020, disputada com um ano de atraso devido a pandemia do novo coronavírus, ficou marcada pelo retorno do público aos estádios, a queda de braço em função de manifestações ao público LGBT+, gestos contra o racismo, a quase perda de Christian Eriksen, ressuscitado dentro de campo na partida entre Dinamarca e Finlândia, uma polêmica camisa ucraniana e, sim, futebol no mais alto nível.
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Apesar dos 65.000 ingressos colocados à disposição, público já alcançado na semifinal entre Inglaterra e Dinamarca, com 64.950 pessoas, um lugar na final é honraria para poucos. Ingressos são vendidos por até 365.000 reais. No site Ticombo, duas entradas custavam 291.000, mais uma taxa de reserva de 72.000, totalizando o montante. Os ingleses, que farão a primeira final desde 1966, têm a maior parte do bolo e cerca de 10.000 italianos são aguardados.
Embalada pelo lema “it’s coming home” (“está voltando para casa”, na tradução), cantado pelos torcedores na arquibancada, a renovada geração dos inventores do futebol tem chance de cravar o seu nome na história. É a primeira decisão de Euro do “English Team”, a primeira final desde a Copa do Mundo de 1966, quando os ingleses venceram por 4 a 2 a Alemanha e ficaram com o título.
O momento é considerado único. Para chegar até aqui, ingleses defendem uma campanha invicta – com quatro vitórias e dois empates –, e uma defesa sólida, que sofreu apenas um gol, para a Dinamarca, em uma cobrança de falta de Damsgaard.
O troféu tem, desde os bastidores, sabor especial para o comandante Gareth Southgate. Em 1996, quando sediou o torneio, foi justamente o agora treinador que desperdiçou a cobrança de pênalti na semifinal que pôs fim a um sonho, diante da Alemanha. Coube a Southgate o sonho de viver uma redenção ao vencer o mesmo rival nas oitavas, por 2 a 0.
Nomes mais experientes como os de Harry Kane (27), Kyle Walker (31), John Stones (27) e Harry Maguire (28) guiam potenciais mais jovens como Mason Mount (22), Phil Foden (21) e Bukayo Saka – de apenas 19 anos, mas que já virou titular da equipe durante a competição. O principal nome até aqui é o de Raheem Sterling, que aos 26 anos é candidato a craque da Euro.
A Itália, por outro lado, comemora o seu renascimento como potência. Do fundo do poço após ficar de fora pela primeira vez desde 1958 de uma Copa do Mundo, a Azzurra se reergueu sob o comando de Roberto Mancini, curiosamente com mais história em clubes italianos do que com a própria seleção. Quem diria, o time virou uma espécie de “bicho-papão” até aqui sustentado por longa invencibilidade – 33 jogos (27 vitórias e 6 empates).
O único título na competição, porém, foi em casa, em 1968, há 53 anos. Se os ingleses cantam “it’s coming home’, os italianos respondem: “it’s coming Rome” (“está voltando para Roma”, na tradução). É hora de deixar para trás os vice-campeonatos em 2000 para a França, com o inesquecível gol de David Trezeguet na prorrogação, e a goleada por 4 a 0 sofrida na decisão de 2012, para a Espanha.
Mancini mudou a alma de uma Itália derrotada. A renovada Azzurra propõe jogo, sufoca o adversário e cria muito; é um estilo proativo, que encanta muitos. Na atual fase invicta, o time italiano marcou 86 gols e sofreu apenas 10.
A base conhecida por velhos nomes como Giorgio Chiellini e Leonardo Bonucci, 36 e 34 anos, respectivamente, ganhou a companhia de jovens talentosos como ogoleiro Gianluiggi Donnarumma (22 anos), os meias Manuel Locatelli (23) e Nicolo Barella (24), além do atacante Federico Chiesa (23), autor de gol decisivo na semifinal contra a Espanha. Outros titulares absolutos também deram a volta por cima: Lorenzo Insigne (30) e Ciro Immobille (31), antes contestados.
A Euro dos elogiados gramados e qualidade dos jogos, também foi politizada. A Uefa provou na pele com manifestações e repercussão incontroláveis após a decisão de vetar um pedido para iluminar a Allianz Arena, em Munique, com um arco-íris, símbolo da causa LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e simpatizantes) durante a partida entre Alemanha e Hungria, no último dia 23.
Clubes, atletas e autoridades políticas protestaram pela influência decisiva do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, apoiado pelo governo de extrema-direita de Budapeste. Órban aprovou lei que proíbe a disseminação de conteúdo que promova a igualdade de gênero.
O goleiro Manuel Neuer manteve a faixa de capitão com as cores alusivas ao movimento LGBT+. No jogo seguinte, pelas oitavas, ganhou o apoio de outro capitão: Harry Kane, que também usou a mesma faixa colorida no braço.
Foi cena comum ver jogadores ingleses ajoelhando antes do início de partidas em combate ao racismo, outro tema sensível. Outras seleções também aderiram, e até mesmo os árbitros chegaram participar do gesto. O ato ficou famoso em 2016 quando o quarterback da NFL Colin Kaepernick se ajoelhou em protesto ao hino dos Estados Unidos como um ato de solidariedade pelo assassinato de George Floyd.
Mais uma questão controversa, essa de cunho político, foi a camisa adotada pela Ucrânia, com um mapa do país que inclui a Crimeia, região anexada pela Rússia, em 2014. Os russos alegavam provocação dos ucranianos, pedindo pelo veto do mesmo, acirrando a relação diplomática entre os países. Causou incômodo, também, o slogan nacionalista do uniforme (“Gloria à Ucrânia! Glória aos heróis!”), frase constantemente associada ao nazismo.
Por fim, a decisão ainda poderá contar com a presença do meio-campista Christian Eriksen, sua esposa e os médicos responsáveis por salvar a sua vida, convidados pela Uefa para a partida. O jogador sofreu uma parada cardíaca e precisou ser ressuscitado dentro de campo. Eriksen já passou por cirurgia para a implantação de um aparelho para corrigir potenciais distúrbios em seu coração e ainda não sabe se poderá voltar aos gramados.
Dentro de campo, uma prova de que foi uma edição atípica: nada menos do que dez gols contra, um recorde mesmo se somadas todas as demais edições. A Euro 2020, certamente, vai deixar saudades e marcas ainda mais inesquecíveis.