Champions: Estreante Midtjylland usa modelo ‘Moneyball’ para surpreender
Comprado pelo apostador Matthew Benham, time dinamarquês segue os passos de clube inglês e trabalha o futebol por modelos matemáticos
“Quando há uma dúvida, eu confio nos números. Os números não mentem”. A frase mais conhecida do apostador profissional inglês Matthew Benham, 52 anos, é também a base do sucesso que norteia o FC Midtjylland (se pronuncia “Mitiland”), principal azarão na fase de grupos da Liga dos Campeões da Europa, que estreia nesta quarta-feira, às 16h (horário de Brasília), em casa, na MCH Arena, na Dinamarca, contra a Atalanta. Benham é o rosto por trás do Brentford, clube na segunda divisão inglesa, e desde 2014 se tornou acionista majoritário do clube dinamarquês que passou a ver na prática que modelos matemáticos podem interferir nos resultados no futebol.
Criado em 6 de abril de 1999 pela fusão de dois rivais, o Herning Fremad e o Ikast FS, o clube tinha como feito mais heroico a conquista da segunda divisão local, em 2000. Afundado em uma intensa crise financeira entre 2009 e 2014, parecia estar em uma derrocada sem fim. Foi quando o apostador inglês assumiu o comando do clube. Logo no primeiro ano, Benham investiu 6,7 milhões de euros (44,4 milhões de reais pela cotação atual) em contratações. O investimento reconduziu um clube em baixa de volta à primeira divisão.
O pacote previsto na formação de um novo clube previu, também, a montagem de uma comissão técnica com treinadores especializados em chutes, cobranças de faltas e analistas de desempenho. O time conquistou três títulos nacionais nos últimos seis anos e um feito inédito ao se classificar para a atuação edição da Liga dos Campeões.
O inglês é dono da SmartOdds, empresa que calcula modelos esportivos de resultados e tendências para apostadores. O credo no clube é usar números a exaustão, olhando os dados dos mais diversos ângulos e apostando em cheio em nomes que teriam pouca procura no mercado.
Como funciona o modelo do FC Midtjylland
O modelo do clube já foi chamado de Moneyball, termo que ficou popularizado pelo livro best seller escrito por Michael Lewis, posteriormente transformado em filme (O homem que mudou o jogo, protagonizado por Brad Pitt), que mostra uma nova perspectiva com base em análise de números proposta por Billy Beane na formação do Oakland Athletics, time de beisebol dos Estados Unidos.
Benham não gosta da comparação, diz que o modelo dos dinamarqueses mescla “novas visões com coisas tradicionais”. Uma delas, a presença do técnico Brian Priske, que tem como hábito conversas diárias com os jogadores para entender melhoras além dos números. “Ele gosta de entender como está cada jogador. Quando temos uma recuperação no outro dia, ele vai na academia, senta e conversa o que queremos que melhore. Mostra alguns vídeos e análises, também”, disse o atacante brasileiro Junior Brumado em entrevista a PLACAR.
“A busca eterna de melhorar em todos os parâmetros leva o clube a novos lugares”, completa o presidente do clube e diretor esportivo do Brentford, Ramus Ankersen, elo entre os dois trabalhos. Ex-jogador de pouco sucesso – parou jovem devido a uma lesão no joelho –, Ankersen defende que o contexto é o mais importante no futebol. Defende a tese de seu livro mais conhecido, The Gold Mine Effect (O efeito da mina de ouro, em tradução livre).
O brasileiro Evander é um dos principais exemplos da filosofia. Meia promissor, caiu em desgraça no Vasco após atuações irregulares e pressão pelo momento político do clube. Avaliado por números de desempenho, acabou contratado pelo clube e redesenhado taticamente, com papel menos ofensivo. Ele marcou oito gols e jogou 30 dos 36 jogos da equipe na última edição da liga dinamarquesa.
“Cheguei ao clube e passei a jogar como segundo volante. Aprendi muito como jogador e taticamente. É um clube muito estruturado. Acredito que podemos surpreender Liverpool ou Atalanta. O clube foi campeão nacional com cinco rodadas de antecedência e quando recebemos nossas projeções entendemos, sim, que era possível chegarmos ao feito inédito que conseguimos”, afirma.
O clube acredita que há um papel fundamental em lances tidos como comuns, como cobranças de faltas e a maneira como os jogadores chutam a bola. Por isso, contratou Bartek Slywestrzak, técnico especialista em chutes e responsável por programações de treinamentos especiais para os jogadores. “O clube tem um profissionalismo incrível, algo que nunca vi. Há uma preocupação diária com cada jogador. Cada um faz individualmente uma programação de 10 a 15 minutos de finalização, por exemplo. Treinamos na parte da tarde pontos em dificuldade. Eles têm todos os nossos números, é totalmente diferente”, explica Brumado.
O jogador foi negociado pelo Bahia com o Midtjylland, em 2019, por 9,5 milhões de reais. Em baixa, acabou emprestado para outro clube no país, o Silkeborg, e voltou este ano como um dos principais nomes da equipe, marcando o gol que garantiu a classificação da equipe na segunda fase pré-eliminatória da Liga dos Campeões, na vitória por 1 a 0 sobre Ludogorets Razgrad, da Bulgária.
É prática comum no clube, também, propostas de fortalecimento mental. Em uma delas, em janeiro, os jogadores foram levados para passarem um dia todo em uma floresta lidando com questões de sobrevivência. “O psicólogo do clube era do exército e trabalha muito com isso. A proposta do clube é fazer algo totalmente fora do futebol. Precisamos ir para uma floresta, com missões. Dormimos no chão, fizemos nossa própria comida, como uma lei da sobrevivência mesmo”, conta Evander.
Apesar de todo o avanço, o clube fica em cidade pacata, Herning, com quase 60.000 habitantes, dez vezes menor do que a da capital Copenhague. A MCH Arena, uma das mais modernas do país, possui capacidade para apenas 11.800 torcedores. “É muito diferente do Brasil, um lugar tranquilo e onde tudo funciona. Não tem filas, não tem demora em hospital. As pessoas jantam por volta de 17h30, é um outro ritmo”, explica o meia.
Em sua primeira participação, a equipe caiu em um dos grupos mais difíceis: o D, ao lado de Atalanta, Liverpool e Ajax. Para chegar até aqui, o clube dinamarquês eliminou, além do Ludogorets, times com tradição competições europeias, como o Young Boys, da Suíça, e o Slavia Praga, da República Tcheca.