“Era uma noite maravilhosa, uma noite tal como só é possível quando somos jovens, caro leitor. O céu estava tão estrelado, um céu tão luminoso, que ao olhá-lo seríamos obrigados a nos perguntar infalivelmente: como pode viver sob um céu assim toda sorte de gente irritadiça e caprichosa?” Uma noite assim, clara como descrita nas primeiras linhas de Noites Brancas, de 1848, a história de amor vivida nas ruas de São Petersburgo durante o verão, antecipava o dia do segundo jogo da Rússia na Copa diante do Egito de Mohamed Salah, na terça, 19. Gente irritadiça e caprichosa é o que se via no saguão, nos corredores, diante dos elevadores, no restaurante e até nos banheiros do hotel Solo Sokos Palace Bridge, na antiga Leningrado. Houve, para resumir o que se passou, uma invasão de torcedores egípcios – que se acotovelavam para ver Salah, só que Salah não apareceu.
As noites brancas que dão título ao clássico de Dostoiévski são um fenômeno de regiões do mundo de latitude muito ao norte, como a cidade de Pedro, o Grande. As noites ficam num cinza-chumbo que convida ao passeio – à exceção, talvez, dos torcedores à espera de Salah. Com o bruaá, ele e seus companheiros talvez percam o sono, e passem a noite em claro. Nada que um Dostoiévski não resolva, só que não.
Está claro como um fim de tarde lá fora – por coincidência me hospedo onde está a seleção do Egito. A dificuldade para dormir faz imaginar quem mais, por aí, estaria insone. Tite, com certeza. Joachim Löw, sem dúvida. Messi. Neymar, mas ele talvez esteja ocupado arrumando os cabelos. Os árbitros que cuidam do VAR. Nessa primeira semana de Copa do Mundo as noites brancas deram a tônica, especialmente entre seleções fortes que derraparam na largada: Argentina, Alemanha e Brasil. De Dostoiévski, para não dormir de vez: “Há algo inexplicavelmente comovedor em nossa natureza petersburguense quando, com a aproximação da primavera, ela mostra de repente todo o seu vigor, todas as forças que lhe concedeu o Céu, e se cobre de veludo, se embeleza e se adorna com as flores”.