Antes de constranger Sidão, Globo já havia sido ‘avisada’ do perigo
Impulsionada por páginas de humor nas redes sociais, votação popular já havia “premiado” Kudela, Rodinei e Márcio Araújo
Oferecer um prêmio ao melhor jogador de uma partida está longe de ser uma ideia original – na década de 60, a TV Tupi já presenteava os craques com um “Motorádio”, aparelho que entrou para a folclore da bola no país. A Rede Globo, porém, quis modernizar a honraria em suas transmissões de futebol e aprendeu, da pior forma possível, que não convém confiar cegamente na “voz do povo”.
O troféu de Craque da Rodada ao goleiro Sidão, do Vasco, após jornada infeliz diante do Santos, constrangeu a todos: jogador, repórter, emissora (que teve de pedir desculpas publicamente) – e talvez até aos “trolls”, os sacanas que votaram no atleta mais para zombar a Globo e se arrependeram ao ver o mal-estar que a “brincadeira” proporcionou. A emissora, no entanto, não pode reclamar de falta de aviso.
A iniciativa de premiar o craque da rodada via votação popular começou já nos Estaduais e na Copa do Brasil. Na maior parte das vezes, as eleições foram coerentes e tiveram o resultado esperado (estimularam a interação e, claro, a audiência no site da votação). Em ao menos três ocasiões, no entanto, os piadistas das redes sociais já haviam mostrado seu “poder”.
Estimulados por páginas de humor, torcedores elegeram Rodinei, contestado lateral do Flamengo, como o craque da final da Taça Rio. Já pela Copa do Brasil, outro atleta marcado por críticas dos rubro-negros, o volante Márcio Araújo, hoje na Chapecoense, foi o eleito em partida contra o Corinthians. Em ambos os casos, no entanto, não houve entrega de troféu (a premiação física estreou apenas no Brasileirão), o que reduziu a vergonha.
Em outro caso marcante, o narrador Galvão Bueno “tirou de letra” a brincadeira das redes, quando o checo Ondrej Kúdela foi eleito o melhor em campo no amistoso contra a seleção brasileira, apesar de ter jogado poucos minutos. “Eu tinha certeza. Houve um movimento na internet. Ondrej Kúdela! Ah, estavam pensando que eu ia falar diferente, né?!”, se divertiu Galvão, dando ênfase no acento na primeira sílaba para evitar maiores problemas.
“É o bom-humor, bacana, muito legal, valeu… Como é que chama esse negócio, é meme?”, completou Galvão, no que seria mais um prenúncio dos possíveis constrangimentos. Neste caso, o resultado da enquete também só foi anunciado na tela – imagine a surpresa que Kúdela, que fazia aniversário na ocasião, teria ao receber o prêmio sem nem sequer imaginar a confusão sonora que seu nome causa em português).
Ao optar por presentar o craque do jogo no Brasileirão, a Globo abriu mais uma brecha e se deu mal. Uma das primeiras personalidades a se manifestar em apoio a Sidão e em repúdio à emissora foi justamente o comentarista da transmissão, Walter Casagrande.
“Quero pedir desculpas ao Sidão por essa ironia de mau gosto com esse troféu ridículo, o Sidão é um trabalhador honesto e merece respeito de todos, me desculpe mesmo!”, escreveu o ex-jogador. Outros atletas, como Neymar, também se manifestaram. Horas depois, a Globo emitiu um pedido de desculpas e disse que mudará o formato da votação, contando também com a participação dos comentaristas.
“Sem deixar de reconhecer a opinião do público, a mudança no formato tem o objetivo de premiar os jogadores que tiveram atuação de destaque em cada partida. O Grupo Globo aproveita para pedir desculpas a Sidão pela situação de constrangimento ao fim do jogo no Pacaembu. O goleiro é um profissional de alto nível no futebol brasileiro que estava em seu ambiente de trabalho depois de uma jornada difícil. Reconhecemos que a entrega do troféu não foi adequada na ocasião e agradecemos a educação de Sidão no momento de tensão”, informou a emissora.
Já na manhã desta segunda-feira, 13, o goleiro se pronunciou pela primeira vez após o ocorrido. “Que esse constrangimento generalizado toque cada um de nós (atletas, jornalistas, técnicos, dirigentes, agentes, torcedores..), enfim, todos aqueles que buscam e tentam fazer um futebol melhor, tendo como pilar principal o RESPEITO PROFISSIONAL.”, escreveu Sidão.
No passado, outras ações da emissora causaram constrangimento a atletas e à própria Globo. Alguns jogadores, como o uruguaio Loco Abreu, se negaram a vestir a camisa do “Inacreditável Futebol Clube”, oferecida a quem desperdiçasse um gol incrível.
“É uma bobagem que vocês têm para sacanear o jogador, mas só quem está aqui dentro sabe o quanto é difícil jogar futebol”, disse Abreu, então no Botafogo. Outro estrangeiro do clube alvinegro chegou a rejeitar até mesmo o prêmio mais consagrado da emissora, o de pedir música no Fantástico ao marcar três gols no domingo. “Música para quê?” exclamou o argentino Germán Herrera, na ocasião.