Ação coletiva e retaliações unem até torcedoras rivais contra Robinho
Frentes femininas de Flamengo, Palmeiras, Corinthians e outros clubes citam “brecha jurídica” que poderia anular a contratação do atacante junto ao STJD
Do Rio de Janeiro, chegou ao movimento de torcedoras do Santos, Bancada das Sereias, na última segunda-feira, 12, uma informação improvável: ainda seria possível tentar brecar a contratação do atacante Robinho, anunciado pelo clube paulista dias antes e alvo de uma enxurrada de críticas nas redes sociais. O experiente atacante foi condenado em primeira instância a nove anos de prisão na Itália por violência sexual, sentença da qual recorre em liberdade.
Divulgado em grupo privado de WhatsApp, que conta com outros coletivos de torcedoras, a informação foi formulada em notificação ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Fortalecido por frentes femininas de Flamengo, Palmeiras, Corinthians, Coritiba e outros clubes, o grupo agora requer denúncia e a consequente anulação do registro do jogador.
“Consideramos que o primeiro dia útil após o anúncio da contratação era a mesma data do início do prazo da punição do Santos, o que não permite a inscrição de novos atletas pelo clube”, explica à PLACAR a porta-voz da frente feminina do coletivo Flamengo da Gente, Caroline Rocha. A interpretação parte, segundo Caroline, do parágrafo 3º do artigo 22 do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da CBF: “a publicação no BID dar-se-á em horário de expediente da CBF”.O Santos se valeu de expediente extra, em pleno feriado, no último dia 12, para conseguir registrar o atleta.
O presidente Orlando Rollo afirmou à reportagem, ainda no domingo 11, que já tinha conversas adiantadas com representantes da Federação Paulista de Futebol (FPF) e com a CBF para viabilizar a inscrição. “Eu mesmo liguei pessoalmente para o presidente Reinaldo Carneiro [da FPF] e para o presidente Rogério Caboclo [da CBF] que estão empenhados com o Santos para conseguirmos o registro. Inclusive, é feriado, mas vão abrir um plantão exclusivo para nós”, explicou Rollo na ocasião.
O clube corria contra o tempo porque a partir de terça, 13, começou a correr nova punição junto à Fifa, agora por dívidas com o Huachipato, envolvendo o venezuelano Yeferson Soteldo, e com Atletico Nacional, pelo zagueiro Felipe Aguilar.
O documento que tenta parar a quarta passagem do jogador pelo clube foi assinado por 14 coletivos, além de torcedoras de outros clubes que participaram individualmente. Desde segunda, a “brecha jurídica” foi encontrada e iniciou-se o processo de mobilização entre frentes femininas. A contratação movimentou manifestações pelas redes sociais. Pelo Twitter, o clube foi chamado de hipócrita, com seguidas menções a campanhas de conscientização de violência contra a mulher divulgadas no passado.
Robinho foi condenado pela justiça italiana em 2017, quando era jogador do Atlético-MG, a nove anos de prisão após investigação de caso ocorrido em 22 de janeiro de 2013, no Sio Café, em Milão. De acordo com a investigação, a vítima seria uma mulher albanesa, de 22 anos na época.
A denúncia aponta que Robinho e cinco amigos a intoxicaram com álcool até que a mesma fosse incapaz de recusar o ato sexual. Ele também foi condenado ao pagamento de 60.000 euros (392.000 reais pela cotação atual) a mulher.
Até o momento, ele não é considerado culpado, já que o processo ainda está tramitando na Justiça italiana, composta por três instâncias. O STJD ainda não se pronunciou se levará a notificação adiante, mas o grupo de torcedoras do Flamengo já sofre com retaliações.
“As críticas que estamos recebendo estão mais baseadas no clubismo, de pessoas que questionam nossa atuação por sermos torcedoras do Flamengo, e muitos dizem que deveríamos estar apontando nossas críticas à diretoria do nosso clube”, explica Caroline. “Outras ofensas são voltadas ao simples fato de sermos mulheres”, acrescenta.
Movimento recebe ofensas, mas tem união de rivais
Pouco depois de oficializado, o movimento Bancada das Sereias se declarou contrário a volta do jogador dizendo em comunicado que a contratação “dói na alma” e que “o Santos regrediu em uma luta de anos” com a decisão. Composto por torcedoras do Santos que se unem para ir ao estádio juntas viraram alvo de recorrentes ofensas pelas redes sociais.
“Nós decidimos não participar da ação coletiva por receio de mais retaliações da torcida por todo o desdobramento do caso. Recebemos muito apoio, mas, também, algumas ofensas pesadas. Então, achamos melhor não nos envolvermos na denúncia”, contou a advogada Mariana Paquier, uma das fundadoras do Bancada das Sereias.
“A grande maioria fala para deixarmos de torcer. Ouvimos coisas pesadas, também, disseram que gostaríamos de ser estupradas, que queríamos chamar atenção e que futebol não é para nós”, completa. A luta ganhou, curiosamente, o apoio irrestrito de frentes rivais como Palmeiras, com o grupo Verdonnas, e outros três do Corinthians, o Movimento Alvinegras, o Loucas Por Ti Corinthians e o Coletivo Democracia Corinthiana.
“Uma das coisas que entendemos de estar em um movimento feminino é a importância de apoiar outras mulheres. Já tínhamos falado a elas [Bancada das Sereias] que teriam todo o nosso apoio para mostrar que não há camisa para uma questão como essa”, explica Tainá Shimoda, fundadora do Verdonnas.
Além das manifestações de torcedores e de grupos como o Bancada das Sereias, jornalistas e comunicadores também participaram da discussão sobre a contratação do atacante nas redes sociais. “Os problemas atingem as mulheres de todos os times, fazemos sempre tudo em conjunto e nos manifestamos contrários a qualquer jogador.Trabalhamos juntas tanto em eventos sociais como em questões sérias como essa do Robinho”, cita Alana Takano, fundadora do Movimento Alvinegras.
Diante da pressão crescente nas redes sociais, o Santos se manifestou na noite desta quarta por meio de nota oficial, na qual disse que “sempre se caracterizou por ser uma instituição inclusiva e socialmente responsável. Referência no combate ao racismo, contra qualquer tipo de violência, especialmente contra a mulher”.
Sobre Robinho, o Santos afirmou que “não pode entrar no mérito da acusação, pois o processo corre em segredo de Justiça na Itália”. ” O Santos FC orgulha-se de, em sua história, sempre respeitar as garantias fundamentais do ser humano, dentre as quais, a presunção da inocência e o respeito ao devido processo legal. Ressalta-se ainda que não há condenação definitiva e o atleta responde em liberdade e não será o Santos FC que lhe dará uma sentença antecipada, prejulgando e o impedindo de exercer sua profissão.”
“Infelizmente vivemos na era dos cancelamentos, da cultura dos tribunais da internet e dos julgamentos tão precipitados quanto definitivos, porém há a certeza que o torcedor do Santos FC entenderá que compete exclusivamente a Justiça realizar o julgamento”, completou o Santos, em nota.
A equipe joga nesta quarta-feira, 14, contra o Atlético-GO, na Vila Belmiro, em confronto válido pela 14ª rodada do Campeonato Brasileiro. Abaixo, os grupos que assinaram a ação contra Robinho junto ao STJD:
– ANATORG, Somos Democracia
– Força Feminina Colorada
– INTERfeminista
– Gurias do Couto
– Movimento Feminino EmpoderAzul/CSA
– Coletivo Democracia Corinthiana
– LPTC- Loucas Por Ti Corinthians-
Antifa Sport
– O Povo do Clube
– Movimento Popular Coral
– Coral pride (torcida LGBTQIA+ Santa Cruz)
– Movimento Alvinegras – Corinthians
– VerDonnas
– Flamengo da Gente