A nova geração de nadadores que derrubou recordes da era dos supermaiôs
No Mundial da Coreia do Sul, atletas finalmente superaram as marcas alcançadas no tempo dos trajes tecnológicos que simulavam a pele de tubarão
O campeonato mundial de esportes aquáticos que se encerrou no último domingo, 28, em Gwangju, na Coreia do Sul, reavivou um frenesi que havia uma década não se observava: a quebra de recordes mundiais em série nas piscinas. Somente entre os homens, foram cinco novas melhores marcas estabelecidas em oito dias de competição — o dobro da média das últimas edições. Mais do que uma questão de volume, chamou a atenção a longevidade dos tempos anteriores. O húngaro Kristóf Milák, de apenas 19 anos, pulverizou a marca de Michael Phelps, obtida dez anos atrás, nos 200 metros borboleta. O americano Caeleb Dressel, de 22 anos, superou o recorde do maior medalhista olímpico de todos os tempos em outra prova, a dos 100 metros borboleta, que também vigorava desde 2009.
Os feitos derrubaram duas das doze melhores marcas obtidas com o auxílio dos chamados supermaiôs. Criados pelos mesmos cérebros que enviaram o homem ao espaço, os trajes tecnológicos de natação, que simulavam a pele de tubarão, causaram um maremoto nas estatísticas do esporte em 2008 e 2009. Somente naquele biênio, foram obtidas duas centenas de recordes mundiais, alguns deles superados no intervalo de dias. Bob Bowman, técnico e mentor de Phelps, disse à época que a novidade estava “apagando toda a história da natação”, embora seu pupilo também se beneficiasse dela. Além de diminuírem a resistência do corpo do atleta contra a água, os macacões de poliuretano com placas de teflon coladas no peito e nas pernas comprimiam as fibras musculares de tal forma que aperfeiçoavam as braçadas e as pernadas dos nadadores. Tamanha era a vantagem que acabaram banidos pela Federação Internacional de Natação (Fina).
Já há alguns anos, as mulheres vinham superando as marcas dos tempos dos supermaiôs (entre elas, somadas as provas individuais e coletivas, restam apenas duas marcas a ser batidas daqueles anos mágicos e artificiais; entre eles, o placar está em 10 a 10, ou seja, uma dezena ainda parece inalcançável). Há uma justificativa: embora não tivessem os benefícios dos painéis desenvolvidos pela Nasa, os trajes femininos continuavam a apresentar vantagem em relação aos dos homens, que só podem competir de calção. “Uma explicação intuitiva e apoiada por diversos treinadores é que usar um maiô e, portanto, cobrir uma parte maior do corpo favorece as mulheres”, diz Daniel Takata, estatístico especializado em provas de natação. “Os homens demoraram mais para alcançar esse nível e agora estão tirando o atraso com melhores técnicas de treinamento.”
Comentarista dos canais SporTV, o treinador de natação Alexandre Pussieldi põe o prefixo super nos atletas, e não no maiô. “O período entre 2008 e 2009 foi o ápice de nomes de peso como Cesar Cielo, Phelps e Ryan Lochte. Hoje há uma nova geração capaz de resultados igualmente espetaculares.” Cesar Cielo, o único nadador brasileiro medalhista de ouro em uma Olimpíada, ainda detém dois dos dez recordes da era dos supermaiôs, dos 50 e dos 100 metros nado livre. Suas marcas, porém, estão perto de ser batidas por Caeleb Dressel, o algoz de Phelps nos 100 metros nado borboleta. E uma pergunta não quer calar: qual será o limite para o corpo humano?
“Estava mais do que na hora de esses recordes de 2009 serem batidos. Fiquei até surpreso pelas marcas do Cielo não terem caído. Muita coisa ainda vai acontecer no ano que vem, nos Jogos de Tóquio”, afirma Ricardo Prado, que conquistou a medalha de prata em Los Angeles-1984 nadando os 400 metros medley em 4min18s45 — quase quinze segundos atrás do recorde atual, de Phelps. “Mas atletas como Dressel estão aí para mostrar que o limite ainda está muito longe.”
A melhora mais expressiva do Mundial de Gwangju foi estabelecida pelo britânico Adam Peaty, de 24 anos, que quebrou o próprio recorde nos 100 metros nado peito. Antes dele, nenhum homem jamais havia nadado abaixo de 58 segundos nesse estilo. Na Coreia do Sul, Peaty completou a prova em incríveis 56 segundos e 88 centésimos. E o que explica tamanho incremento? “Ele usa uma técnica um pouco diferente. Com isso, termina a prova dando dez braçadas a mais que os concorrentes. Essa frequência maior impacta sua velocidade na água”, diz o estatístico Takata. A plasticidade dos movimentos, desenvolvidos em treinamentos homéricos, quase heroicos, parece ter enterrado de vez os supermaiôs. Salve, e aí está a beleza do esporte, a era dos superatletas.
Alerta para Tóquio
A delegação brasileira voltou do Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos da Coreia do Sul com sete medalhas e a nona colocação geral. O resultado, mediano, reflete um problema antigo: a dificuldade em reproduzir nos grandes torneios o sucesso nas provas não olímpicas e nas competições de piscina curta. Apenas Bruno Fratus, prata nos 50 metros nado livre, subiu ao pódio numa prova que integrará o programa da Olimpíada de Tóquio.
A pernambucana Etiene Medeiros, a nadadora brasileira de piscina mais bem-sucedida da história, conquistou mais uma prata nos 50 metros costas (prova não olímpica), mas decepcionou na disputa que era sua prioridade, os 50 metros nado livre — nem chegou à final. “Temos de trabalhar o lado psicológico, algo que possa garantir confiança nos grandes eventos”, diz Ricardo Prado, coordenador-geral da Confederação Brasileira de Natação. Até Ana Marcela Cunha, destaque do Brasil, com dois ouros, ficou no quinto lugar da maratona aquática de 10 quilômetros, prova de sua predileção — e olímpica.
Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646