Como tudo que envolve o Maracanã, a reforma que transformou o velho gigante de concreto em uma arena adequada às grandes competições internacionais será, por muito tempo, uma história para ser contada à parte – um épico das obras públicas. O valor final exato ainda não é conhecido, mas o total anunciado pelo governo do estado na previsão da obra já foi largamente ultrapassado. O valor inicial de 705 milhões de reais caminha para o bilhão: o total contratado, como mostra um documento obtido pelo site de VEJA, chega a 951 milhões de reais, devido aos aditivos já firmados. Mais contratos adicionais estão a caminho, em análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O governo do estado justifica a elevação de valor com as exigências feitas ao longo da reforma pela Fifa – algo previsto no jogo para quem quer receber uma Copa do Mundo, mas delicado do ponto de vista da gestão do dinheiro público. Seria ingênuo acreditar que, uma obra dessa complexidade teria seu valor total estimado com exatidão – como se sabe, a reforma do estádio, conservando as características da estrutura sacralizada pelas conquistas e dores do futebol brasileiro, é mais complexa até que a demolição total e a reconstrução de um novo estádio. Mas o TCU, como mostrou reportagem de VEJA desta semana, levantou a bandeira do impedimento para irregularidades que extrapolam o aceitável, mesmo em se tratando de modernizar aquele que já foi conhecido como “o maior do mundo”.
O valor total da obra cresceu e foi reduzido. Depois da previsão inicial de 705 milhões, uma revisão do governo do estado empurrou os gastos para 956 mihões. O valor foi rejeitado pelo Ministério Público Federal (MPF), o TCU e a Controladoria Geral da União (CGU) – que integram o chamado Grupo de Trabalho da Copa (GTCopa de fiscalização). O grupo levantou graves suspeitas de superfaturamento, obrigando o governo a reduzir o orçamento final em 97 milhões de reais de imediato, em 2011. Mesmo assim, ainda há número sendo contestados. E os inimigos da redução de preço são os aditivos – nome que resume a forma de extrapolar legalmente o valor de uma obra causando grande satisfação aos empreiteiros. O TCU analisa agora, a pedido do MPF, aditivos que somam 92 milhões de reais – o mais recente, de 25 milhões, do último dia 16.No momento, o valor contratado já voltou aos 951 milhões de reais, bem próximo do total rejeitado pelo GTCopa. Dadas as adaptações necessárias para a entrega definitiva do estádio para a Copa das Confederações, é muito provável que a obra supere a marca do bilhão. “Pedimos ao TCU para fazer uma análise desses aditivos que, por uma coincidência, já chegam ao mesmo valor de antes. Queremos entender os fundamentos para saber se não foi uma tentativa de driblar a fiscalização”, afirmou o procurador do MPF, Vinícius Panetto.
Boa parte da elevação de valor se concentra na cobertura do anel – um capítulo à parte na saga da reforma do Maracanã. Inicialmente, o projeto previa manter a marquise original, de concreto, que pesava 15.000 toneladas. Segundo o consórcio que fez as obras, estudos posteriores indicaram que havia risco de desabamento, por conta da corrosão do ferro ao longo das décadas. A análise foi referendada por quatro universidades – incluindo-se aí a Universidade Politécnica de Madri. Com a necessidade de troca, o preço da obra explodiu. Para se ter uma ideia, só com os 47.000 metros quadrados da nova cobertura o governo do estado orçou um gasto de 256,7 milhões de reais. Depois de uma contestação do Tribunal de Contas da União, ainda em 2011, o preço baixou para 252,4, ou seja, uma diferença de 4,3 milhões. Havia ainda no caminho uma obra igualmente desafiadora: a demolição das marquises, com gasto previsto de 21 milhões de reais. Depois de um detalhado exame dos fiscais do TCU, o desmonte da cobertura original recuou para 12,5 milhões. O resultado da economia somente na cobertura do estádio ultrapassa os 12 milhões de reais.
A remoção da cobertura original, que não podia ser implodida, tornou-se um pesadelo para os envolvidos. A solução encontrada pelos engenheiros foi fatiá-la em placas, usando fio diamantado (foram necessários pelo menos 360, ao custo de 20 000 reais cada um). Para retirá-las depois de cortadas, foi preciso trazer do Rio Grande do Sul três dos maiores guindastes do Brasil. Projetada na Alemanha, fabricada nos Estados Unidos e cortada na Tailândia, a membrana exigiu cuidados especiais. A tecnologia para cobrir vãos sem grandes apoios começou a ser desenvolvida na década de 60 pelos alemães, para o Estádio Olímpico de Munique. Por isso, quarenta alpinistas vieram da Alemanha para treinar os montadores brasileiros e ajudar no processo de colocação da cobertura. O material usado no revestimento, descoberto pela NASA, é o mesmo utilizado nos uniformes de astronautas (fibra de vidro revestida com teflon). Pesando 11 mil toneladas a menos que a original, a nova cobertura tem extensão de 68 metros, mais que o dobro de antes, e está entre as maiores do mundo. Com isso, apenas 5% dos assentos permanecerão descobertos.
Economia – Em um relatório divulgado em abril, o ministro Valmir Campelo, do TCU, classificou como frutífero o trabalho empreendido pelos técnicos do tribunal sobre os contratos da Copa do Mundo. Iniciadas em 2009, “as fiscalizações efetuadas pelo TCU já colaboraram para uma economia aos cofres públicos superior a 600 milhões de reais”, escreveu. “Um trabalho preventivo; um trabalho educativo, para evitar irregularidades antes da sua consumação. Temos adotado o diálogo como principal estratégia de ação no exercício do controle, pondo em prática a mais relevante função da Corte de Contes Federal, que é a atuação pedagógica junto aos administradores, de forma a corrigir tempestivamente eventuais desacertos”, afirmou Campelo.