Ser ou não ser voluntário em Copa e Olimpíada no Brasil?
O trabalho é cansativo e bem menos divertido do que muitos imaginam – mas ter a chance de participar dos megaeventos pode ser uma experiência inesquecível
Antes de fazer a inscrição num programa de voluntariado, recomenda-se adequar as expectativas à realidade da participação no evento. Nem todo mundo tem a chance de ver Lionel Messi ou Usain Bolt de perto
O Brasil jamais recebeu uma Olimpíada e já conta mais de seis décadas desde a última vez que realizou uma Copa do Mundo. Ainda assim, é bastante difícil achar sinais inequívocos de empolgação popular pela realização desses eventos em 2014 e 2016. Em meio às incertezas sobre o grau de preparação do país e ao mistério sobre o volume de dinheiro público que será despejado na organização, os brasileiros ainda não entraram no clima de festa que costuma cercar os Jogos Olímpicos e o Mundial. Nas últimas duas semanas, porém, surgiu uma primeira manifestação positiva da população diante da contagem regressiva para esses dois grandes acontecimentos. De acordo com a Fifa e o Comitê Organizador Local (COL) da Copa de 2014, nenhum outro país-sede recebeu tantas inscrições de pessoas interessadas em participar do programa de voluntariado do Mundial – foram mais de 100.000 em apenas 15 dias, superando com folgas a meta inicialmente estabelecida (confira no quadro abaixo). Tamanha procura por uma vaga na Copa não chegou a surpreender: a chance inédita de fazer parte de um megaevento esportivo dentro de seu próprio país é mesmo uma ideia muito atraente, principalmente por quem é fanático por futebol. Ser voluntário num Mundial ou numa Olimpíada, entretanto, pode ter um impacto e uma importância ainda mais fortes do que o simples privilégio de acompanhar a festa do lado de dentro. Apesar das agruras que um voluntário pode ter de encarar, essa é uma experiência valiosa – e pode contribuir até para a trajetória profissional do candidato selecionado para o programa.
À primeira vista, a descrição da função pode assustar os concorrentes às vagas. A Fifa exige relativamente muito e oferece aparentemente pouco aos escolhidos. É preciso dedicar pelo menos vinte dias corridos ao trabalho, com turnos diários de até dez horas e sem a chance de escolher que tipo de tarefa será executada (é possível manifestar a preferência na ficha de inscrição, mas isso não garante nada). O voluntário recebe um uniforme, alimentação e uma alternativa de transporte dentro da cidade-sede, e nada mais. Como o próprio título da função já deixa claro, o voluntário não tem qualquer tipo de remuneração – o que motivou críticas de parlamentares e representantes do setor privado, que acreditam que a Fifa não deveria ter sido autorizada a mobilizar uma força de trabalho tão grande (até 18.000 pessoas na Copa de 2014 e mais 7.000 na Copa das Confederações, no ano que vem) sem gastar nada com isso. A legislação brasileira restringe o recrutamento de voluntários às entidades públicas e instituições sem fins lucrativos, mas a Lei Geral da Copa abriu uma exceção para o comitê organizador do evento. E com toda a razão: o voluntariado é uma das mais fortes tradições dos Mundiais e Olimpíadas, e romper com esse costume representaria uma mesquinharia fora de hora num país que já encontra seu lugar entre as maiores economias do planeta. Além disso, o programa costuma ter um impacto positivo nos países-sede – e e isso não se restringe ao fato de o voluntariado ampliar a participação direta dos brasileiros na festa.
AS INSCRIÇÕES PARA A COPA
Requisitos: Ter mais de 18 anos; ficar disponível por 20 dias corridos no período do evento; estar disposto a trabalhar até 10 horas por dia
O que é oferecido: Alimentação, uniforme e transporte (dentro da cidade-sede)
O que o voluntário não ganha: Remuneração, hospedagem e transporte até a cidade-sede
Onde preencher a ficha: No site oficial da Fifa, em português
Prazo para as inscrições: A Fifa já recebeu mais de 100.000 inscrições e só manteve as inscrições abertas porque quer mais “diversidade” entre os candidatos. O processo pode ser encerrado a qualquer momento
Quantas vagas estão disponíveis: Entre 15.000 e 18.000 pessoas serão selecionadas para 2014; 7.000 trabalharão na Copa das Confederações
Conforme lembram os representantes do COL, todos os voluntários recebem um treinamento para exercer suas atividades e têm um contato muito próximo com pessoas vindas de todas as partes do mundo. O país-sede acaba ganhando um legado muito diferente dos estádios e dos projetos de infraestrutura, com a formação de uma geração de brasileiros mais acostumados à cultura do voluntariado e mais capacitados a participar de grandes eventos internacionais, sejam eles esportivos ou não. Trata-se de uma herança importante para um país que ambiciona um papel de maior projeção no cenário mundial. Do ponto de vista individual, o comitê local afirma que os voluntários que participam da Copa costumam ser recompensados com uma forte sensação de satisfação pessoal – e, melhor ainda, acabam acumulando uma vivência que pode contribuir para sua carreira no futuro. De fato, poder incluir uma atividade desse tipo no currículo é algo muito bem visto no mercado de trabalho. De acordo com especialistas em recursos humanos e seleção profissional, participar de uma Copa ou de uma Olimpíada, mesmo com a curta duração desses eventos, pode ser um atributo bastante valorizado por um empregador. Algumas das características mais procuradas na seleção de um funcionário – como a versatilidade, a desenvoltura, a habilidade para lidar com o público e a capacidade de se adaptar rapidamente a novas situações – costumam são ligadas à figura do voluntário de um megaevento. Isso sem falar nas lições práticas que é possível aprender ao acompanhar de perto uma empreitada tão complexa e monumental quanto uma Copa.
Sortudos – Os Jogos Olímpicos, o Mundial e até a Copa das Confederações são mesmo acontecimentos extraordinários, que mobilizam multidões, atraem algumas das maiores personalidades do planeta e oferecem cenas inesquecíveis ao público presente às arenas. Antes de fazer a inscrição num programa de voluntariado, no entanto, recomenda-se adequar as expectativas à realidade da participação no evento. A reportagem de VEJA acompanhou de perto o trabalho dos voluntários na Copa da África do Sul, em 2010, e na Olimpíada de Londres, neste ano – e, apesar da enorme maioria cumprir suas funções de maneira exemplar, por mais monótonas que elas fossem, apenas uma pequena minoria teve a chance de ver seus ídolos de perto ou até mesmo de presenciar alguma competição ao vivo. Para cada voluntário sortudo que trabalhava dentro de uma arena – ou, melhor ainda, no campo, na pista ou na quadra – há uma centena que passa o evento inteiro checando credenciais nos corredores, ajudando a direcionar os torcedores nos portões, transportando dirigentes e convidados de um lugar para o outro ou carregando materiais nos bastidores. Mas até essas pessoas garantiam estar gostando da experiência – ainda que confessassem ter uma ponta de inveja de quem, por exemplo, viu a final do Mundial sul-africano no gramado do Soccer City de Johnannesburgo, entregou uma toalha de Michael Phelps na piscina do Centro Aquático de Londres ou carregou o agasalho de Usain Bolt no Estádio Olímpico (na final dos 200 metros, o homem mais rápido do mundo brincou com a voluntária que o ajudava, perguntando se ela não queria correr a prova por ele).
Manter motivados até os voluntários que amargam as funções menos interessantes acaba sendo um dos grandes desafios dos organizadores. Afinal, tanto na Copa como na Olimpíada, o voluntariado compõe a face humana do evento – e, portanto, pode ser um elemento decisivo para seu sucesso. Na África e em Londres, foram aprovados: receberam bem os visitantes, fizeram o evento funcionar corretamente e ajudaram a imprimir um clima leve e festivo às competições. Nesse último quesito, os britânicos – que fecham sua jornada olímpica neste domingo, com o fim dos Jogos Paralímpicos – surpreenderam. Para quem achava que o temperamento reservado e contido de boa parte da população local tornaria a Olimpíada fria, a atuação dos voluntários – quase sempre simpáticos, bem humorados e amigáveis, mas sem exageros – acabou sendo um dos pontos altos do evento. Muito elogiados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e aplaudidos de pé numa breve homenagem na cerimônia de encerramento, os voluntários londrinos tiveram no ministro do Esporte, Aldo Rebelo, um de seus pouquíssimos críticos. Aldo, que redigiu um projeto de lei para combater o uso de estrangeirismos quando era deputado, avaliou negativamente o trabalho deles porque não encontrou quem falasse português (deu azar, pois muitos brasileiros residentes em Londres participaram do programa). Também disse que alguns motoristas que o transportaram pela cidade não conheciam alguns endereços (os serviços de transporte foram bem avaliados pela maioria). Menos mal que não depende de Aldo essa parte dos preparativos para a Copa e a Olimpíada – e ainda bem que, pelo menos nesse aspecto, não haja temor algum sobre 2014 e 2016. Afinal, o brasileiro pode não estar entre os melhores na hora de orçar gastos públicos ou se planejar com antecedência. Nas relações humanas, porém, ele costuma ser craque.
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