Olimpíada e Copa: os cartolas não aceitam largar o osso…
Nuzman e Marin concentram poder e contrariam modelo de sucesso de eventos em todos os outros países. Escândalo de 2016 mostra como isso é prejudicial
O modelo adotado pelos brasileiros fecha as portas da Copa e da Olimpíada ao envolvimento de pessoas capazes de transformar e revolucionar esses eventos
O escândalo do furto de dados de Londres-2012 por integrantes da Rio-2016 ainda tem muitas perguntas sem resposta, mas pelo menos uma coisa ficou clara: a concentração de poder no comando dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos tem consequências nefastas para a organização do evento. Carlos Arthur Nuzman, de 72 anos, ainda não se pronunciou publicamente a respeito do episódio. Era de se esperar que o chefe do comitê organizador explicasse pessoalmente o ocorrido em Londres. Nuzman, porém, não é só o presidente da entidade criada para a realização dos Jogos. Ele é também o dirigente máximo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que realiza, no mês que vem, uma nova eleição presidencial. O cartola não tem rivais na disputa e sua reeleição já está garantida. Ainda assim, sinalizou a interlocutores que não pretendia falar sobre o furto de dados porque temia a “exploração política” do ocorrido. O sumiço de Nuzman em meio a um caso tão constrangedor como o da semana passada mostra bem por que o responsável pela organização de uma Olimpíada (ou de uma Copa do Mundo) não deve acumular outras funções, especialmente as que contêm um elemento político. Em meio a um caso grave, com repercussão internacional, Nuzman deveria cumprir seu papel de presidente do comitê organizador, mas está ocupado demais sendo o presidente do COB, em campanha por mais um mandato.
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Ano | Evento | COMITê organizador | COMITÊ ou Federação Local |
---|---|---|---|
2012 | Olimpíada de Londres | Sebastian Coe | Colin Moynihan |
2010 | Copa da África do Sul | Danny Jordaan | Kirsten Nematandani |
2010 | Olimpíada de Vancouver | John Furlong | Marcel Aubut |
2008 | Olimpíada de Pequim | Liu Qi | Liu Peng |
2006 | Copa da Alemanha | Franz Beckenbauer | Theo Zwanziger |
2006 | Olimpíada de Turim | Valentino Castellani | Giovanni Petrucci |
2004 | Olimpíada de Atenas | Gianna Angelopoulos-Daskalaki | Minos Kyriakou |
2002 | Copa da Coreia e Japão | Yun-Taek Lee e Yasuhiko Endo | Chung Mong-joon e Shuni Okano |
2002 | Olimpíada de Salt Lake City | Mitt Romney | Marty Mankamyer |
2000 | Olimpíada de Sydney | Sandy Hollway | John Coates |
1998 | Copa da França | Michel Platini | Claude Simonet |
1998 | Olimpíada de Nagano | Eishiro Saito | Hironoshin Furuhashi |
1996 | Olimpíada de Atlanta | William Porter Payne | LeRoy T. Walker |
Além das desvantagens mais óbvias – como as dificuldades para conciliar as duas funções e os possíveis conflitos de interesses decorrentes do acúmulo dos dois cargos – o modelo adotado pelos brasileiros fecha as portas da Copa e da Olimpíada ao envolvimento de pessoas capazes de transformar e revolucionar esses eventos (leia mais no quadro abaixo). Nos Jogos de Los Angeles-1984, por exemplo, o presidente do comitê organizador foi Peter Ueberroth, um executivo que conseguiu salvar as Olimpíadas ao criar um modelo financeiro saudável depois do desastre de Montreal-1976. A receita de Ueberroth – que envolve forte participação da iniciativa privada para que o país-sede não precise arcar sozinho com todos os custos do evento – é adotada até hoje. O candidato republicano à Presidência dos EUA, Mitt Romney, foi presidente do comitê dos Jogos de Inverno de Salt Lake City, em 2002. Assumiu o cargo depois de uma série de escândalos que ameaçou até mesmo tirar os Jogos da cidade. O caixa do evento estava no vermelho. Em três anos na função, Romney reorganizou o comitê, conseguiu verbas adicionais e fechou a Olimpíada deixando Salt Lake City com lucro de 100 milhões de dólares. O sucesso olímpico colocou o republicano sob os holofotes – e hoje, em sua campanha eleitoral contra Barack Obama, Romney costuma listar a experiência nos Jogos como um dos principais pontos de seu currículo.
Enquanto isso, Nuzman e Marin ainda seguem a velha cartilha da cartolagem brasileira. Na noite de terça, uma das funcionárias demitidas da Rio-2016 divulgou uma carta enviada a Nuzman depois de sua punição. Ela nega ter furtado dados em Londres e diz que dois dos demitidos nem chegaram a usar os computadores no escritório do comitê britânico. O chefe, no entanto, ordenou a demissão coletiva na tentativa de abafar o escândalo e de se distanciar ao máximo do episódio. Assim como José Maria Marin, 80 anos, ex-jogador de futebol que há décadas circula pelos bastidores do esporte, Carlos Arthur Nuzman, ex-atleta da seleção brasileira de vôlei, tem longa trajetória na cartolagem: já são 37 anos no ramo. Durante 21, foi o principal dirigente do vôlei brasileiro. Está no comando do COB há dezessete anos, desde 1995. Entre as grandes potências olímpicas, não há casos semelhantes ao dele. Em entrevista exclusiva publicada na edição de VEJA da semana passada, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, defendeu o fim dos mandatos quase intermináveis dos cartolas do país. De acordo com ele, “é preciso limitar o tempo de mandato dos dirigentes a três ou quatro anos, com direito a apenas uma reeleição”. “Democratização e profissionalismo são as palavras-chave”, afirmou. Ao que parece, falta incluir esses termos no vocabulário dos dois principais dirigentes do esporte brasileiro.
Leia no Radar on-line, por Lauro Jardim:
Um dos argumentos que a cúpula da Rio-2016 usa para afastar qualquer pedido de explicações do governo sobre o furto de informações confidenciais do comitê Londres 2012 por dez funcionários do comitê brasileiro é o de que como não há verba pública na Rio 2016, não há explicações a dar para Brasília. Independentemente de ser um argumento que despreza a opinião pública, não chega a ser 100% verdadeiro: todo o eventual déficit da Rio 2016 será coberto pelo governo federal. E o comitê já avisou que em meados de 2013, o primeiro déficit quase que certamente aparecerá.
Vídeo: Augusto Nunes comenta o furto de dados em Londres:
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