Com recorde, Phelps reencontra o prazer antes do adeus
A três provas da aposentadoria, maior nadador de todos os tempos – e, agora, o maior medalhista das Olimpíadas – voltou a sorrir: ‘Isso tudo é muito divertido’
Com as duas medalhas da noite de terça, Phelps voltou ao seu lugar de direito como rei olímpico em Londres – e adorou a sensação
Michael Phelps dominou a natação durante mais de uma década. Na metade dessa trajetória, ganhou o status de melhor atleta de todos os tempos em sua modalidade. Depois de Pequim e de suas inéditas oito medalhas de ouro, cansou do cloro, da touca e do cronômetro – e admitiu que, passada a maior campanha olímpica da história, a única coisa que o atraía era a ideia de recuperar o tempo perdido nos treinos incessantes, na pressão da competição, no regime de preparação que o tirava da cama às 4 horas da manhã. Rico e famoso, tirou um tempo para aproveitar a vida. As dimensões de seu legado e de seu talento, porém, o empurraram de volta para a piscina nos anos que antecederam Londres-2012. E foi justamente no Centro Aquático do Parque Olímpico britânico, na noite de terça-feira, que o americano reencontrou o fascínio pela natação, o motor de sua vida durante vinte de seus 27 anos. A faísca que reacendeu sua paixão pela modalidade foi mais uma façanha histórica, talvez a última de sua extraordinária carreira: a conquista do ouro, mais um, no revezamento 4 x 200 metros nado livre, que elevou a dezenove sua contagem de medalhas olímpicas e confirmou sua posição de maior vencedor da história dos Jogos. Na saída da piscina, na subida ao pódio e na análise da prova depois da vitória, Michael Phelps vibrou como um novato, se emocionou como poucas vezes antes e, por fim, falou sobre natação como alguém que ainda adora o esporte e seus momentos especiais – como seu próprio recorde de poucos momentos antes.
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Nos meses que antecederam a viagem a Londres, Phelps parecia transitar entre uma nostalgia precoce (tuitava frequentemente sobre os “últimos treinos” e sobre o adeus aos locais onde sempre treinou) e uma estranha frieza em relação aos Jogos. Aparentava não estar motivado, impressão que foi reforçada pelo desempenho no duelo com Ryan Lochte nas seletivas americanas. Foi derrotado pelo rival em algumas de suas melhores provas e veio à Olimpíada carregando uma monstruosa carga de responsabilidade, de peso incompatível com sua falta de apetite. Com o revés nos 400 metros nado medley (foi quarto), amargou a primeira prova olímpica desde Atenas-2004 em que não conquistou uma medalha. Prata no revezamento 4 x 100 metros nado livre, chegou às finais de terça ofuscado pelo fenômeno chinês Ye Shiwen. Com as duas medalhas da noite (prata nos 200 metros borboleta e ouro no fechamento dos 4 x 200 metros livre), voltou ao seu lugar de direito como rei olímpico em Londres – e adorou a sensação. “Isso ainda é muito divertido”, contava, de sorriso aberto, depois das duas subidas ao pódio. “Amo fazer isso.” Questionado sobre a derrota para o sul-africano Chad le Clos em sua prova favorita – a mesma em que estreou em Sydney-2000, aos 15 anos, ainda com aparelho nos dentes -, Phelps fez o que não fazia havia muito tempo: falou sobre natação como um fã. “Chad é um nadador muito, muito bom, um cara muito esforçado”, afirmou, antes de elogiar um outro adversário da noite, o francês Yannick Agnel. “Disse ao Yannick que a prova dele nos 200 livre foi provavelmente uma das cinco melhores performances de natação que já vi. Foi incrível, algo muito legal de presenciar.”
Em tom de despedida – planeja encerrar a carreira logo que fechar sua participação nos Jogos de Londres -, Phelps revelou que evitou cantar o hino americano no pódio dos 4 x 200 porque achou que ia desabar em lágrimas. Em seguida, falou sobre o técnico Bob Bowman, que, depois de prepará-lo para a façanha de Pequim, conseguiu ajudá-lo a voltar aos trilhos antes da viagem derradeira a Londres. “Colocamos na cabeça que tínhamos de fazer isso mais uma vez e fizemos. É muito especial. E há muitas coisas que passam pela minha cabeça neste momento”, relatou. “Foi uma carreira realmente incrível, mas ainda tenho mais algumas corridas pela frente”, lembrou, em referência às provas em que dará adeus às piscinas. O americano disputará outras três competições em Londres – a primeira delas, os 200 metros nado medley, cujas eliminatórias aconteceram já na manhã desta quarta. Menos de doze horas depois de deixar o Centro Aquático de Londres, Phelps já estava de volta à piscina, marcando 1min58seg24 em sua bateria, em que foi o segundo colocado. Avançou às semis em quarto lugar no geral. Mesmo em sua versão 2012, longe de ser invencível, não pode jamais ser descartado da briga pelo pódio. Não que precise de mais medalhas para aumentar sua incomparável coleção. Depois de reencontrar o prazer de vencer o tempo, porém, Michael Phelps pode tentar ganhar de novo, pela última vez, pelo mais simples dos motivos: porque é o que mais gosta de fazer.