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Argentina: brutalidade no futebol é um alerta para o Brasil

Os casos de violência envolvendo Corinthians e Palmeiras na Libertadores colocaram as torcidas organizadas na mira. O Brasil, porém, ainda não vive um cenário tão explosivo quanto a Argentina. O drama vivido pelo país vizinho, aliás, é um bom exemplo dos riscos da impunidade no futebol – lá, para piorar, o futebol se mistura com a política e o sindicalismo. VEJA convidou um jornalista argentino para relatar essa gravíssima situação

Os torcedores organizados da Argentina precisam que os políticos os protejam e garantam sua impunidade. Em troca, os políticos usam os “barrabravas” como tropas de choque e de propaganda

Rafael Di Zeo era o líder da torcida organizada do Boca Juniors quando se casou, em dezembro de 2005, com Soledad Spinetto, a ex-secretária particular de Felipe Sola, o governador da maior província da Argentina, a de Buenos Aires. A festa, que contou até com a presença de Diego Maradona, tinha uma mesa reservada para as autoridades. No livro Os Doze, o jornalista Gustavo Grabia escreve que entre os políticos presentes estava Raul Rivara, um ex-ministro de segurança de Buenos Aires, que já sabia que Di Zeo tinha sido condenado a quatro anos de prisão por agressões e ameaças graves. Também estava lá Carlos Stornelli, um procurador federal que tinha conseguido, em 2001, decretar a prisão de Carlos Menem por comércio ilegal de armas com a Croácia e o Equador durante sua presidência. Hoje, Di Zeo batalha (literalmente) para voltar a comandar a “barrabrava” do Boca – e Stornelli é o chefe da segurança do clube.

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Os laços que unem as torcidas organizadas aos políticos e sindicalistas na Argentina – onde a ONG Salvemos o Futebol já contabiliza 266 mortes relacionadas ao futebol -, são profundos. Os guarda-costas do filho de Hugo Moyano, líder da Confederação Geral do Trabalho e que sonha em ser “o Lula da Argentina”, são Oscarcito e Polaco, dois famosos “barrabravas” do Independiente. Em 1998, o então presidente do Chacarita, Luis Barrionuevo, líder do Sindicato dos Trabalhadores de Restaurantes e ainda hoje um dos sindicalistas mais poderosos da Argentina, confessou à revista El Gráfico, entre risos, que estava levando a direção da torcida organizada de seu clube ao Mundial da França. No total, de acordo com informações reunidas pelo jornalista Daniel Olivera no livro O Macho, Barrionuevo gastou 60.000 dólares em passagens aéreas, hospedagem num convento nos arredores de Paris e nos serviços de um tradutor que acompanhou os dez “barrabravas” convidados por ele. Nada é coincidência: em abril de 2010, sessenta torcedores uniformizados do Chacarita empurraram e insultaram o ex-juiz federal Mariano Bergés, que investigou o próprio por sua relação com a “barrabrava”.

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As facções uniformizadas também são protegidas pelos dirigentes dos clubes, que as financiam através de ingressos, concessões de bares e postos de trabalho dentro de suas instalações (Gonzalo Acro, um “barrabrava” assassinado em 2007, era funcionário do River) e às vezes até com porcentagens dos passes de atletas das categorias de base. É por isso que hoje, na Argentina, as batalhas campais e tiroteios não acontecem apenas entre torcidas rivais, mas também dentro das próprias “barras”. É lógico: lutam por despojos de guerra. Há duas semanas, foi morto a tiros Alejandro Adrián Velázquez, de 40 anos, durante uma briga entre torcedores do Tigre. A torcida organizada do clube administra o bar e os campos de futebol society da agremiação – e é responsável por comercializar seu merchandising oficial. Até a Associação de Futebol da Argentina (AFA) acoberta os “barrabravas”: não por acaso, na Copa da Alemanha, em 2006, o Borrachos del Tablón, a organizada do River, revendia ingressos para as partidas da seleção argentina, entregues pela Fifa à entidade, nas ruas.

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Como escreveu Mónica Nizzardo quando se afastou da ONG Salvemos o Futebol, “na Argentina, os únicos que resistem de verdade e que tentam remover o véu de cumplicidade entre polícia, dirigentes, torcedores e políticos são os parentes das vítimas”.

Federico Bassahún, de 30 anos, trabalha para o diário Perfil. Já escreveu para o jornal Olé e colabora com publicações inglesas, como a revista Four Four Two e o diário Mail On Sunday.

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