A aposta britânica para deixar de ser um Brasil nos Jogos
Em Atlanta-1996, os dois países estavam no mesmo patamar. Com o dinheiro da loteria investido nas melhores modalidades, britânicos deram um salto notável
Cada contribuinte britânico paga o equivalente a 1,20 real por ano para financiar o esporte – o que, em meio a tanto entusiasmo, parece ser uma pechincha
Há menos de duas décadas, em Atlanta-1996, a Grã-Bretanha era um Brasil na Olimpíada. Na verdade, era pior: naquela edição dos Jogos, os dois países conquistaram o mesmo número de medalhas (15), mas os brasileiros levaram para casa três ouros, contra apenas um dos britânicos, que amargaram o 36º lugar no quadro geral. Na terça-feira, a delegação do país ocupava a terceira colocação entre os maiores medalhistas desta Olimpíada. No 11º dia dos Jogos, chegou ao seu 22º ouro, superando o número de títulos olímpicos conquistados em Pequim-2008. No total, os britânicos somam 48 medalhas. O país-sede não tem chance de alcançar chineses e americanos, que brigam pela primazia em Londres. Seu terceiro lugar, no entanto, está praticamente garantido – a quarta colocada, a Coreia do Sul, tem dez ouros a menos. O Brasil, enquanto isso, briga para subir de posição nos últimos dias dos Jogos. Tem oito medalhas já conquistadas e mais quatro garantidas, no boxe, futebol e vôlei de praia. Mesmo com essas doze, porém, vai precisar suar para bater seu recorde de medalhas – 15, em Pequim e Atlanta, com três ouros em cada. Mais difícil ainda será a tarefa de superar os ouros de Atenas-2004 (foram cinco). Hoje, o Brasil tem dois, e deverá depender dos esportes coletivos para romper a marca. Até a manhã desta terça, quarenta medalhas, vinte delas de ouro, são o tamanho do abismo que separa o país-sede de Londres-2012 do Brasil, palco da Rio-2016. Passados dezesseis anos de Atlanta, esse é também a dimensão do crescimento do esporte olímpico britânico num período em que o Brasil seguiu no mesmo patamar.
Eufóricos com o desempenho de seus atletas, os britânicos se dizem surpresos com a chuva de medalhas em Londres. Esperavam fazer bonito em casa, é claro, mas não imaginavam que a delegação, a maior dos Jogos, seria tão competitiva. Na rede BBC, um programa noturno tem feito um balanço diário dos Jogos, repassando todas as medalhas conquistadas e marcando, num Big Ben feito de papelão, cada ouro britânico nos Jogos. Na noite de terça, a escala subiu mais alguns degraus, e fez-se a piada óbvia: daqui a pouco vai ser preciso empilhar outro Big Ben no cenário para dar conta de tantas medalhas. É uma boa medida do grau de satisfação da torcida local com os resultados da Olimpíada. Pouco se fala, no entanto, nos tempos difíceis de Atlanta, e no que foi preciso fazer para transformar a situação de forma tão radical. Há fatores inegáveis nessa equação, como o apoio da torcida e a motivação extra por competir em casa. Também fica claro que os britânicos tiveram certa dose de sorte – a geração de atletas que forma sua delegação tem alguns dos maiores campeões de toda a história esportiva do país, como os ciclistas Bradley Wiggins e Chris Hoy (dois ouros em Londres, seis na carreira, o maior atleta olímpico de seu país), o fundista Mo Farah e a estrela do atletismo Jessica Ennis. O fator mais decisivo, porém, foi mesmo o dinheiro. Depois do fiasco de 1996, o esporte de alto rendimento britânico passou a ser abastecido com uma cachoeira de recursos. E o melhor: o uso de verba pública não é a principal arma britânica para melhorar seu desempenho. O contribuinte pagou apenas uma pequena parcela.
A grande fonte de receitas para a formação dos atletas da Grã-Bretanha é a Loteria Nacional, uma concessão do governo operada por um grupo privado. Desde 1997, um ano depois dos Jogos de Atlanta, todas as loterias britânicas repassam uma fatia de seus montantes ao esporte. Calcula-se que a Loteria Nacional banque cerca de 60% do total gasto com atletas e técnicos de alta performance. Os outros 40% vêm do bolso do contribuinte, mas os investimentos são bem feitos e não parece haver desperdício. De acordo com um especialista ouvido pela BBC, cada britânico paga o equivalente a 1,20 real por ano para financiar o esporte – o que, em meio a tanto entusiasmo, parece ser uma pechincha. Somados os gastos públicos e o dinheiro fornecido pelas loterias, os investimentos dos britânicos na preparação dos atletas saltaram de 60 milhões de libras (190 milhões de reais) em Sydney-2000 para nada menos que 264 milhões de libras (quase 840 milhões de reais) em Londres-2012. Cinco modalidades foram as mais beneficiadas: quase metade do dinheiro foi para atletismo, ciclismo, remo, iatismo e natação. Não por coincidência, esses esportes renderam 27 das 48 medalhas britânicas até agora. O próximo desafio do país-sede é tentar contrariar a história e escapar da tendência de queda no quadro de medalhas na Olimpíada seguinte. Na tarde de terça, com os números de Pequim-2008 já superados, o ministro Hugh Robertson avisou que a manutenção do atual nível de investimentos no esporte olímpico é “prioridade” – mas admitiu que, num cenário econômico como o de hoje, isso pode ser algo difícil de conseguir.
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