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Red Bull Bragantino: clube-empresa promete voar em 2020

Turbinado por uma fabricante de energéticos, o clube do interior volta à elite do futebol brasileiro com o plano de se tornar o quinto grande de São Paulo

Por Luiz Felipe Castro Atualizado em - Publicado em

https://youtu.be/YSiIkNyLyzI

Os bares do Estádio Nabi Abi Chedid, em Bragança Paulista (SP), ostentam uma novidade discreta no cardápio. O tradicional sanduíche de linguiça, espécie de patrimônio cultural da cidade localizada a 80 km da capital, agora vem acompanhado de uma latinha de energético. É a simbologia perfeita para esta nova fase do Bragantino, tradicional clube do interior que retorna à primeira divisão do Campeonato Brasileiro depois de 22 anos de ausência. Impulsionado pela nova parceira, a multinacional Red Bull, o time conquistou o acesso na última terça-feira ao bater o Guarani por 3 a 1, com cinco rodadas de antecipação.

O objetivo da empresa austríaca de bebidas é repetir em Bragança o sucesso que obteve em clubes de outros países. Para o próximo ano, o projeto do clube-empresa ganhará modificações significativas: a partir de 2020, o time trocará oficialmente de nome – será o Red Bull Bragantino –, terá um novo escudo e até um uniforme na cor vermelha. Seriam essas novidades um tapa na cara da tradição ou um passo natural para salvar o futebol caipira? A discussão promete fazer barulho na próxima temporada, bem como o time dentro de campo, ainda mais depois da injeção de 200 milhões de reais em investimentos para tentar surpreender os gigantes da Série A.

A ideia de unir forças partiu do próprio Bragantino. Alertado durante um jantar com um amigo de que a Red Bull buscava um novo clube para investir – a empresa apoiava um clube sediado em Jarinu (SP) –, o presidente Marquinhos Chedid decidiu ligar para Thiago Scuro, diretor-executivo do Red Bull Brasil. “Resolvemos tudo num almoço de duas horas. Eles fizeram duas ou três exigências, eu também, e chegamos a um acordo”, conta o cartola. Marquinhos Chedid, empresário e ex-deputado federal de 61 anos, é filho de Nabi Abi Chedid (1932-2006), o controverso dirigente que chegou a ser vice-presidente da CBF e comandou o Braga em seus tempos de glória: na conquista do Paulistão de 1990 e do vice-campeonato do Brasileirão no ano seguinte. “Horas antes de falecer, meu pai me fez um único pedido: não deixe o Bragantino morrer”, contou Marquinhos. Uma de suas exigências feitas à empresa foi manter o estádio com o nome original.

O time dirigido pelo ex-zagueiro Antônio Carlos Zago, que chegou a 65 pontos em 33 rodadas, aposta na mescla entre atletas experientes, como o goleiro Júlio César, ex-Corinthians, e o jovem meia Claudinho, de 22 anos, destaque do time e já cobiçado por grandes do futebol nacional. “Idade não importa, nosso pilar para montar o elenco é o processo de scouting e recrutamento. Aqui não existe 'contratação do diretor', é uma decisão compartilhada, fruto do trabalho de diversos profissionais que buscam estatísticas e informações sobre o comportamento pessoal do atleta. Queremos atletas que atendam nossas necessidades e sejam homens interessados e trabalhadores”, afirma o CEO Thiago Scuro.

Time do Red Bull Bragantino
Sem nenhuma grande estrela em 2019, Bragantino deve ir forte ao mercado na próxima temporada

A parceria segue os moldes das empreitadas de sucesso da Red Bull em Salzburgo, na Áustria, e Leipzig, na Alemanha – ambos os clubes disputam atualmente a Liga dos Campeões da Europa. Os gestores da empresa têm total autonomia para tocar o futebol, enquanto Marquinhos Chedid toma a frente em compromissos mais institucionais, como a relação com federações e imprensa. Na partida da última terça-feira 5, contra o Guarani, ele assumiu também o papel incendiário de pressionar a arbitragem no intervalo. Ele chegou a discutir com funcionários do próprio clube que tentavam contê-lo, aos berros de “aqui quem manda sou eu.” Já não é bem assim e será menos ainda em 2020.

Investimento de elite

O objetivo inicial da Red Bull era obter o acesso à Série A com o Bragantino em até dois anos. Para 2020, a ideia é se manter na elite para, quem sabe, nos próximos anos alçar voos mais altos. “Meu um sonho é um dia receber um jogo de Libertadores aqui”, afirma Marquinhos Chedid. Um rápido passeio pela casa bragantina, inaugurada em 1965 e com capacidade para 17.000 torcedores, evidencia as necessidades de uma reforma. É um estádio simpático – "raíz", como dizem os boleiros –, com funcionários atenciosos e diversas opções de lanches de linguiça, pipoca e outras iguarias típicas da vida simples do interior – a preços bem mais acessíveis que o das arenas Brasil afora, diga-se. Lembra um pouco o ambiente da Arena Condá, da Chapecoense, mas tem instalações ainda mais modestas. O espaço reservado à imprensa é bastante apertado, praticamente inviável para quem pretende receber grandes partidas no ano que vem.

“Estamos em fase de estudos, a intenção é transformar o Nabi Chedid em uma arena com mais conforto, onde possamos desenvolver outras ações. Não queremos que nosso torcedor passe só as duas horas de jogo ali, que encontre outras formas de entretenimento”, afirma Thiago Scuro. O clube tem o quarto melhor público da Série B, com média de 5.900 torcedores por jogo, e ingressos vendidos na faixa dos 15 reais. O clube quer ampliar a capacidade para pelo menos 20.000 pessoas, capacidade mínima estabelecida pela Conmebol para receber partidas internacionais. O Red Bull Bragantino também pretende construir um novo centro de treinamento para a equipe profissional e sub-23, numa área de 150 m², em uma cidade mais próxima a Bragança. Atualmente, o time treina em Jarinu, distante uma hora de carro.

Em alta com a matriz austríaca, o Bragantino espera que o investimento com futebol cresça: se em 2019 foi de cerca de 45 milhões de reais, os dirigentes querem 200 milhões de reais para o próximo ano (cifra pouco menor que a receita do Santos, terceiro colocado da Série A). “Queremos melhorar a infraestrutura do clube, qualificar o estafe e o o elenco. A possibilidade de disputar a Série A nos dá acesso a outros mercados, é um atrativo a mais”, explica Thiago Scuro.

Críticas dos tradicionalistas

Na Alemanha, o Red Bull Leipzig é constantemente criticado por torcedores rivais
Na Alemanha, o Red Bull Leipzig é constantemente criticado por torcedores rivais

O ressurgimento do Bragantino não escapou de contestações. Antes de chegar a Bragança Paulista, a empresa de energéticos iniciou sua participação no futebol brasileiro por meio do Red Bull Brasil, fundado em Jarinu em novembro de 2007. Dois anos depois de sua inauguração, o clube venceu a quarta divisão paulista e, em 2014, foi vice-campeão da Série A2. Em 2019, o time chegou às quartas de final do Paulistão e ficou com o (quase simbólico) título de campeão do interior, ou seja, o melhor abaixo dos quatro grandes do Estado. Após a conquista, os destaques do time se "transferiram" para Bragança e o RB Brasil foi relegado a um papel secundário, uma espécie de “time B”, focado no desenvolvimento de jovens atletas.

A união veio bem a calhar para os dois lados, já que o Bragantino sofria para pagar suas contas e manter-se na Série B nos últimos anos, enquanto a empresa estava frustrada pela dificuldade do Red Bull Brasil sair da Série D do Brasileirão. “Furando a fila”, a marca conseguiu adiantar em pelo menos três anos o objetivo de chegar à elite. Na última partida em Bragança, os menos de 100 torcedores do Guarani, campeão brasileiro em 1978 e que hoje corre riscos de cair para a terceira divisão, gritaram “time de empresário”, entre outras provocações. Do outro lado, os fãs do Bragantino pareciam não se importar.  “Torcedor gosta mesmo é de ver o time ganhar”, crava Chedid.

Simulação de como ficará o escudo para 2020

Nas arquibancadas, as famosas camisas em formas geométricas, conhecidas como “carijó”, que marcaram a década de 90, se misturavam com os modelos atuais, com enormes touros vermelhos estampados. Thiago Scuro confirma a impressão de que a parceria foi bem aceita pela maioria. “É um processo e não um ato. A torcida compareceu aos jogos e entendeu perfeitamente quais são os benefícios e com quais mudanças terá de conviver. Deixamos tudo transparente desde o início e acho que isso ajudou nesta relação.”

Para o próximo ano, o escudo do time será totalmente alterado e deverá seguir o padrão dos clubes das outras equipes da Red Bull. “O distintivo de Palmeiras e Corinthians também mudou ao longo da história. Nós precisamos de modernidade e retorno financeiro. O torcedor quer ver o time bem”, minimiza Chedid, que, por outro lado, ressalta que as camisas seguirão sendo branca e preta e apenas o terceiro uniforme virá na cor vermelha da gestora.

O conceito de clube-empresa

O Bragantino espera repetir a saga vitoriosa da Red Bull no esporte: a empresa austríaca sustenta desde 2005 duas equipes na Fórmula 1, conquistando quatro títulos de construtores e quatro campeonatos de pilotos. No futebol, o RB Salzburg, na Áustria, foi o primeiro case de sucesso, também em 2005. A multinacional de bebidas comprou o time fundado em 1933 e, sob nova direção, tornou-o uma potência no país, com 14 títulos, incluindo o hexacampeonato a partir de 2014. Já o RB Leipzig, antigo SSV Markranstädt, começou em 2009 a sua trajetória ascendente na Alemanha. Desde então, foram dois títulos, da quinta e quarta divisões, em um intervalo de três temporadas; um acesso para a segunda divisão em 2014; e um vice-campeonato na divisão de acesso, que conferiu a promoção à elite em 2016. Na temporada seguinte, o RB Leipzig beliscou o vice-campeonato e se classificou para a Liga dos Campeões. Em 2019, o clube ficou em terceiro e, mais uma vez, chegou à elite europeia.

Atualmente, tramita em Brasília um projeto encampado pelo presidente da Câmara dos Deputados, o botafoguense Rodrigo Maia, para regulamentar o conceito de clube-empresa no país. O diretor-executivo do Bragantino é a favor do modelo, mas ressalta que o mais importante é haver uma mentalidade profissional. “Clubes que hoje faturam 500, 600 milhões de reais anuais talvez não tenham necessidade nem ambiente político favorável para a mudança e é compreensível que queiram manter o modelo dominante. Mas para uma série de clubes de médio porte essa pode ser a saída para a sobrevivência”, garante Thiago Scuro.

O ex-volante Mauro Silva, um dos destaques do time campeão paulista em 1990 e hoje dirigente da Federação Paulista de Futebol (FPF), se diz animado com o renascimento do clube.

“Acredito que seja a saída para a maioria dos clubes do interior e torço para que mais empresas invistam em outras equipes”, afirmou o técnico Antônio Carlos Zago. O goleiro Júlio César, capitão do time, seguiu a mesma linha. “Não sei se é a salvação, mas é uma forma de dar mais seriedade ao futebol. Tem muito clube que não cumpre com seus compromissos e deixa os jogadores à mercê.”