Valdívia, o chileno amado por palmeirenses e odiado pelos rivais
Em 2008, PLACAR perfilou o polêmico e talentoso meio-campista do Palmeiras com o seguinte questionamento: mago ou mala?
Brasil e Chile. Adversários nesta quinta-feira, 10, em duelo válido pelas Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa de 2026, em Santiago, os dois países desfrutaram do futebol de um meia tão talentoso quanto polêmico. Jorge Valdívia, “El Mago”, foi ídolo do Palmeiras em duas passagens, entre 2006 e 2015. Sem papas na língua e com português impecável, o camisa 10 estampou as páginas de PLACAR diversas vezes. Em junho de 2008, foi perfilado como o atleta “amado por palmeirenses e odiado pelos adversários.”
O ano de 2008 escancarou o lado mais provocador de Valdívia. No Paulistão daquele ano, provocou corintianos com a comemoração “chororô” e o ídolo são-paulino Rogério Ceni em um duelo tenso na semifinal. Acabaria como o craque de um título há muito aguardado pelos alviverdes.
“Se o adversário se irrita é com meu estilo de jogar. Só que eu não vou mudar”, afirmou o Mago aos repórteres Joanna de Assis e Paulo Jebaili. “Eu não me acho irritante, mas é o que dizem, né? Eu não provoco ninguém. O que é irritante é o meu futebol”, prosseguiu o camisa 10 em resposta a seus críticos. “Eu sou o cara que mais toma porrada, mas isso as pessoas não falam.”.
Naquela época, Valdívia ainda não sofria tanto com um fator que o perseguiria nos anos seguintes: o excesso de lesões. Hoje com 40 anos, ele se consolidou como um ídolo palmeirense por sua qualidade técnica e entrega quando esteve disponível, e também por sua autenticidade dentro e fora de campo. Ele deixou o Verdão em 2015, com 41 gols em 241 jogos, e com mais duas Copas do Brasil (2012 e 2015) e uma Série B (2013), no currículo.
O blog #TBT PLACAR, que toda quinta-feira recupera um tesouro de nossos arquivos, reproduz na íntegra o perfil publicado na edição de 1º de junho de 2008.
Mago ou Mala?
El alvo
Amado pelos palmeirenses, odiado pelos adversários, Valdívia desperta paixão e ódio como poucos
Joanna de Assis e Paulo Jebaili
O chileno Jorge Valdívia chegou ao Palestra em agosto de 2006. Pouco conhecido no Brasil, foi recebido com desconfiança pela torcida. Hoje, menos de dois anos depois, todos sabem quem é Valdívia. Afinal, foi eleito o melhor meia-esquerda do Brasileirão, vencedor da Bola de Prata da Placar em 2007. Este ano, foi decisivo na conquista do Campeonato Paulista pelo Palmeiras. Todos conhecem Valdívia. Raros são os que ficam indiferentes a ele. É ídolo de uma torcida que viu no título do Paulista uma redenção. O time quebrou um jejum de nove anos, período que inclui um rebaixamento no Campeonato Brasileiro. E as perspectivas até o fim do ano são boas. O Verdão é apontado como um dos favoritos do Brasileirão, desde que o chileno fique no time.
Mas a relação com Valdívia não é só marcada pela devoção. Um dos dons de “El Mago” (apelido que trouxe do Chile) é despertar o ódio dos adversários. Um exemplo recente é o do segundo jogo das semifinais do Paulistão. Ao comemorar o segundo gol, que fechou o caixão tricolor, Valdívia correu em direção a Rogério Ceni com o dedo na boca, sinalizando silêncio. “Naquele jogo, eu ouvi bastante coisa, mas eu não respondo. Aquilo [o gesto] foi um desabafo meu, só isso”, afirma.
Em uma enquete informal com jogadores de equipes rivais, todos disseram admirar a técnica do chileno. Entretanto, da mesma forma que elogiam sua habilidade, criticam sua maneira de jogar. Muitos outros jogadores reclamaram de Valdívia, mas nenhum aceitou falar abertamente. O volante são-paulino Zé Luís, um dos únicos a anular o palmeirense na base da marcação, nem quis saber de entrevista. “Não tenho nada a dizer sobre ele agora.” O volante Bia, do Sport, expulso por uma cotovelada desferida contra o palmeirense no primeiro jogo das oitavas da Copa do Brasil, desabafou aos microfones: “Ele provoca demais”.
Assim como nos gramados, Valdívia tenta se proteger nas respostas. “Todo mundo fala de mim, como se fossem meus melhores amigos. Eu já me chateei muito por isso, mas sei que falam essas coisas para tirar proveito e fazer pressão no juiz. Futebol é muita malandragem. Não basta ter qualidade. Tem que ficar esperto porque, se entrar em campo “muito menina”, os caras te atropelam”, diz.
As comemorações do Mago também incomodam. O zagueiro corintiano William, antes do clássico com o Palmeiras, pelo Paulistão, comentou em uma entrevista que Valdívia era chorão. Ao marcar o único gol da vitória alviverde, o meia, para atazanar o rival, fez o gesto do chororô. “Se o adversário se irrita é com meu estilo de jogar. Só que eu não vou mudar”, diz.
O provocador Valdívia: ‘Sou quem mais toma porrada’
O jogador admite que é provocador em campo, mas somente com a bola nos pés. Ele garante que não abre a boca para tentar desestabilizar o adversário. Segundo o meia, o que tira o rival do sério é sua forma de jogar, repleta de dribles. “Eu não me acho irritante, mas é o que dizem, né? Eu não provoco ninguém. O que é irritante é o meu futebol.”
Estatísticas do Datafolha apontam que Valdívia é o jogador que mais apanha no futebol brasileiro. Nas duas primeiras partidas deste Brasileirão, ele sofreu 20 faltas. Só o time do Internacional o derrubou 11 vezes. “Eu sou o cara que mais toma porrada, mas isso as pessoas não falam. Ano passado, a minha média era receber oito faltas por jogo, e isso já aumentou, você viu? Ninguém olha a estatística”, diz. Segundo ele, a situação piora quando enfrenta os chamados times pequenos, quando frases como “Vou quebrar sua perna”, “Pára de fazer gracinha”, “Saia daqui” são recorrentes.
O Mago conta que muito juiz já deixou de marcar falta só porque ele era a “vítima”. “Falam tanto de mim que os juízes, que se conversam, entram em campo sugestionados. Mas acho que isso melhorou um pouco este ano.” O atacante Robinho, do Real Madrid, acompanha o meia no Palmeiras. E dá a dica: “Com o tempo ele vai aprender a sair da marcação. Não tem jeito, nós sempre iremos apanhar e ouvir ameaças. O que ele pode fazer é jogar com os braços mais abertos. Ajuda muito.”
O dom de despertar sentimentos intensos não é recente. Já se fazia notar no Chile. “Os torcedores do Colo-Colo o idolatram. Os torcedores rivais e os jogadores adversários odeiam suas provocações”, diz o jornalista Andrés Del Brutto, da edição chilena da revista El Gráfico. Ele conta que o goleiro Johnny Herrera, ex-Corinthians e rival dos clássicos entre Colo-Colo e Universidad do Chile, chegou a duvidar que Valdívia se sobressaísse por aqui.
“No Brasil, você levanta uma pedra e aparece um camisa 10”, teria dito o goleiro à época da transferência do meia. A despeito das considerações alheias, Valdívia desembarcou trazendo muita confiança na bagagem. Ainda no aeroporto de Guarulhos, fez um breve resumo de suas qualidades. “Me chamam de El Mago porque faço coisas diferentes com a bola. No futebol chileno é difícil ver jogadores de boa técnica, e por isso eu posso dizer que sou um privilegiado”, disse.
A favor de Valdívia, sua trajetória até então. O jogador começou a chamar atenção em 2003, na Universidad de Concepción. Sua eficiência o levou à seleção chilena que disputou o Pré-Olímpico de 2004, em casa. Na primeira fase, o Chile brilhou, mas acabou fora da Olimpíada. O torneio serviu para Valdívia ser reconhecido pelos torcedores e pela imprensa de seu país. “Isso lhe valeu a transferência para o Rayo Vallecano, da Espanha, onde jogou muito pouco, e uma passagem pelo Servette, da Suíça, que estava afundado em crise financeira”, diz Del Brutto.
De volta ao país, para jogar no Colo-Colo, Valdívia se destacou na conquista do torneio Apertura de 2006, e na seleção de Nelson Acosta.
A condição de ídolo no Chile em nada facilitou o começo de Valdívia no futebol brasileiro. Ele foi a contratação mais cara da história do Palmeiras, no que se refere a jogadores estrangeiros. A diretoria desembolsou perto de 4 milhões de dólares e muito cartola torceu o nariz para o negócio, pois a situação financeira do clube, em tese, não permitiria tal extravagância.
Para piorar a situação, o Mago precisou de um tempo razoável para desencantar. Não contava com a confiança do então treinador Tite, sofreu lesões que impediram sua seqüência no time e se ausentou algumas vezes para defender a seleção chilena. “Não sabia que eu era o mais caro, mas fico feliz. Só que, dentro de campo, isso significou muita responsabilidade. Quando você é estrangeiro, começa do zero e tem de mostrar a todos que sua contratação valeu a pena. É trabalho em dobro.”
No time, a situação demorou a se estabilizar. Em 2006, o comando passou por Tite, Marcelo Vilar, Jair Picerni e Caio Júnior. Os três primeiros lutavam contra o rebaixamento e, por isso, optavam por formações defensivas. Sobrou pouco espaço para o chileno. Só Caio Júnior conseguiu fazer o meia explodir. E em 2007. Adaptado, começou a exibir seus atributos.
“A força de Valdívia está na condução da bola, na capacidade de usar o corpo para agüentar a marcação, na rápida reação para recuperar a bola quando parece que vai perdê-la”, diz Del Brutto. O ponto fraco, para o jornalista, é a tendência de simular faltas. “Creio que isso se acentuou no Brasil. Mas vale destacar que Valdívia nunca temeu as patadas, e sempre vai para cima”, afirma. O próprio jogador enaltece esse destemor ao falar de suas características.
“Faço o que sei e o que gosto e nunca deixarei de fazer. Jogador habilidoso sofre mesmo”, diz. Mas o tom não é de resignação. Ele demonstra irritação com o fato de ser caçado. “Não entendo. Sempre dizem que falta jogar bonito. Mas, quando aparece alguém que faz isso, ninguém gosta”, diz. Ao ser perguntado sobre a pior coisa que fizeram com ele em campo, o jogador, normalmente sem papas na língua, fica reticente: “Não posso falar porque é muito feio”. Mas a meia resposta já dá a dica do que tenha sido. O Mago se rende. E faz o sinal com o dedo médio. Não é mole ser Valdívia.
La fiebre Valdívia
Atuações do jogador no Brasil mobilizam jornalistas e torcedores chilenos
À medida que o Palmeiras avançava no Paulistão, era comum deparar com jornalistas chilenos nos estádios. A pauta era só uma: Valdívia. O canal aberto Chilevisión transmitiu ao vivo as semifinais e finais do campeonato. Mas o desejo de acompanhar a performance do meia no futebol brasileiro tem raízes históricas.
“O Chile sempre admirou o Brasil, desde a Copa do Mundo em 1962 e, depois, com as vindas do Santos de Pelé para os torneios de verão”, afirma o jornalista chileno Andrés Del Brutto. Além disso, há interesse em saber como o futebol chileno está sendo representado por aqui. “A idolatria e o respeito que Elías Figueroa gerou no Brasil estão entre os maiores orgulhos do esporte chileno”, diz. Assim, o êxito de Valdívia assume uma proporção maior. “Primeiro, porque não é habitual que um jogador chileno triunfe fora do país, e muito menos que seja um dos destaques do time. Hoje, só David Pizarro, na Roma, tem essa condição. Até há pouco, Maldonado fazia o mesmo no Santos e no Cruzeiro.”
O jornalista Luis Urrutia compara o estilo de Valdívia ao de Jorge Toro, integrante da seleção chilena que ficou em terceiro lugar no Mundial de 1962. Ele aponta semelhanças na maneira de conduzir a bola e na capacidade de dar assistências para os gols. Urrutia, mais conhecido no Chile como Chomsky, ressalva que Toro chutava mais forte de longa distância. Mas será que Valdívia já teria seu nome gravado para sempre na história do futebol chileno? Para Del Brutto, ainda não.
“Trata-se de um talento, mas ele tem um longo caminho a percorrer para estar à altura de Figueroa, Caszely, Zamorano ou Salas.” A expectativa no país é quanto à volta do meia à seleção. Ele foi suspenso por 20 jogos após a Copa América de 2007. Valdívia e mais cinco jogadores chilenos supostamente teriam exagerado na bebida e, na volta ao hotel, promovido uma baderna. A pena foi reduzida para dez jogos (e termina em junho) depois do pedido de desculpas. Resta ver se o perdão virá na lista de convocados seguinte.