Thiago Silva terá nova chance; em 2014, capitão narrou sonho do hexa
Em entrevista às vésperas do Mundial em casa, zagueiro carioca almejava glória no Maracanã, mas já alertava para os riscos de ser o favorito
Thiago Silva não desistiu do hexacampeonato. Aos 38 anos, o zagueiro do Chelsea e da seleção brasileira segue em plena forma e vive a expectativa pela disputa de sua quarta Copa do Mundo. No Catar, o Brasil entrará novamente entre os candidatos mais fortes, o que credencia o defensor a conquistar seu grande sonho. Em reportagem de capa da PLACAR de junho de 2014, às vésperas do Mundial em casa e vivendo ótima fase no PSG, o carioca Thiago Silva mirava a glória na decisão no Maracanã — objetivo que, como se sabe, terminou em enorme decepção.
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O zagueiro-craque recebeu o repórter Breiller Pires em Paris e falou não só de suas metas com a seleção, mas também do desejo de viver a transformação do PSG em uma potência do continente (algo que se concretizou, ainda que sem o título da Champions League). A matéria narrou a idolatria dos torcedores franceses e também do mandatário do clube, Nasser Al-Khelaifi, pelo brasileiro.
Dizia um dos trechos:
No ano passado, diante do interesse do Barcelona por seu capitão, Al-Khelaifi afirmou que, se o Barcelona pagasse a multa rescisória de Thiago, ele bancaria a de Lionel Messi. “Thiago Silva se encaixa perfeitamente em nosso projeto de expansão. Por isso renovamos seu contrato até 2018. É um jogador que não tem preço”, diz o presidente.
No papo, Thiago Silva tentou amenizar o clima de favoritismo e euforia que cercava aquela seleção dirigida por Luiz Felipe Scolari. “Somos a equipe a ser batida na Copa, ainda mais por jogar em casa. Todos vão querer eliminar o Brasil o quanto antes. Teremos de jogar a 120%, 130% da nossa capacidade para sermos campeões”, disse.
A bola rolou e, sem Thiago Silva suspenso e Neymar lesionado, o sonho do hexa terminou com a histórica goleada da Alemanha por 7 a 1 no Mineirão, na semifinal. Em 2022, o veterano deve ser novamente titular, agora ao lado do velho conhecido de PSG Marquinhos. Enquanto a bola não rola em Doha, o blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos arquivos, republica na íntegra a reportagem com “o dono do time” de 2014:
O dono do time
Capitão da seleção e venerado em Paris, Thiago Silva não se dá por satisfeito. Ganhar a Copa e mais uma taça no Maracanã é a obsessão do líder da família Scolari
Breiller Pires, de Paris
A tatuagem no braço esquerdo que enverga as braçadeiras de capitão da seleção brasileira e do Paris Saint-Germain manifesta, salvo o apelo religioso, uma autodefinição decorosa de Thiago Silva: “Não sou dono do mundo, mas sou filho do Dono”. Pelo menos no Brasil e na França, o zagueiro é o dono do pedaço em dois times cheios de estrelas e cercados por enormes expectativas.
Respeitado pelos companheiros de clube e seleção, ele não tem feito outra coisa – entre os troféus da Copa da Liga, do bicampeonato francês e da Copa das Confederações que levantou nos últimos 12 meses – além de pensar na possibilidade de comemorar outro título no Maracanã e se tornar o sexto capitão brasileiro a erguer a taça mais cobiçada do mundo. “Nossa Senhora [esfrega as mãos]… Penso na Copa pelo menos uma vez por dia. Ser campeão mundial é o que eu mais sonho em minha vida”, diz o defensor do expoente endinheirado da Europa.
SONHANDO ALTO
No portão principal do centro de treinamento do Paris Saint-Germain, o escudo do clube divide espaço com o lema escolhido após ter sido arrematado por um grupo bilionário do Catar em 2011: “Revons Plus Grand” – em livre tradução do francês, “sonhe mais alto”. Assim como o sonho de Thiago Silva em torno da Copa, o PSG também quer conquistar o mundo com um time de estrelas. Em julho de 2012, gastou 42 milhões de euros para tirar o zagueiro da Itália. “Quando cheguei ao Milan, eu imaginava que não sairia mais do clube. Até receber a proposta irrecusável da França”, afirma o capitão.
Ele mora no mesmo prédio do zagueiro Alex, próximo ao Arco do Triunfo, um dos cartões-portais parisienses. No entanto, ao estilo francês, prefere levar uma vida recatada. Desde sua chegada, só foi ao Museu do Louvre uma vez, quando recebeu a visita de Marcão, ex-companheiro dos tempos de Fluminense. “Nem chegamos a entrar por causa da aglomeração na fila. Não curto confusão.” Thiago frequenta alguns restaurantes com a mulher e os dois filhos, mas evita dar a cara nas ruas. “O assédio dos torcedores é grande. Se alguém me reconhece, já era, vira bagunça. E eu sou um cara reservado.”
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Ao descer de seu Porsche Panamera Turbo na avenida de La Grand Armée, que liga o Arco do Triunfo à rodovia de acesso ao CT do PSG, uma perua com três torcedores para no farol. Um deles abre o vidro e grita: “Thiago Silva, o maior zagueiro do mundo! Allez, Paris!” Ele interrompe as fotos para a PLACAR, acelera e logo desaparece na avenida. A idolatria ao brasileiro em Paris coincide com a fase hegemônica do time, atual bicampeão francês. “Thiago é um monstro. Para mim, o melhor brasileiro que já jogou aqui”, diz o torcedor Djibril Clement, 29, a despeito de Ronaldinho Gaúcho e Raí, nome que ele ostenta em sua camisa retrô do PSG.
Nas quartas de final da Liga dos Campeões da Europa diante do Chelsea, no Parc des Princes, Thiago Silva cometeu um pênalti. Apesar disso, teve seu nome gritado por todo o estádio aos 19 minutos do segundo tempo após desarmar o belga Hazard, parar um contra-ataque e sair jogando. Nem Ibrahimovic, o craque do time, deixou o campo tão ovacionado quanto o zagueiro na vitória por 3 x 1. O Paris Saint-Germain acabaria eliminado no jogo de volta, mas, para Thiago, o sonho segue vivo. “Além da proposta financeira, que para mim foi espetacular, eu vim para cá por causa do projeto do clube, que é ganhar a Liga dos Campeões. Enquanto isso não acontecer, o xeque vai continuar investindo alto.”
O camisa 2 se refere ao mandatário da equipe, Nasser Al-Khelaifi, com quem mantém estreito relacionamento. “Nós nos falamos diariamente. Ele me consulta quando vai contratar reforços para saber o que eu penso, se o cara vai ou não se encaixar bem no clube”, conta. O último endosso de Thiago Silva foi pelo amigo e parceiro de zaga na seleção, David Luiz, comprado por cerca de 60 milhões de euros em maio. No ano passado, diante do interesse do Barcelona por seu capitão, Al-Khelaifi afirmou que, se o Barcelona pagasse a multa rescisória de Thiago, ele bancaria a de Lionel Messi. “Thiago Silva se encaixa perfeitamente em nosso projeto de expansão. Por isso renovamos seu contrato até 2018. É um jogador que não tem preço”, diz o presidente.
Corre a história de que o magnata catari teria prometido pagar 1 milhão de euros a cada jogador caso o clube conquiste a Liga dos Campeões, prontamente rechaçada por Thiago Silva. “Uma notícia dessas causa inveja em muita gente, que diz que o PSG é o time do dinheiro. A premiação é boa, mas não chega a essa quantia.” Há dois anos em Paris, o zagueiro só usa o francês para se comunicar com o chefe. No campo, o idioma oficial é o italiano. “A maioria dos jogadores do PSG jogou na Itália.” Tal qual Zlatan Ibrahimovic, seu companheiro desde o Milan. “Quando o Ibra fala, prefiro nem responder, porque sei como ele é. Conto de 1 a 10 para não explodir.”
A personalidade do sueco rendeu uma desavença com o capitão no início do ano. “Ele errou cinco vezes seguidas no coletivo e eu não falei nada. Mas aí, quando eu errei uma bola, ele me deu bronca. Imagina o esporro do Ibra… Discutimos e o treino acabou. Depois ele veio mais manso no vestiário e disse: `Pô, Thiago, me desculpe, é a primeira vez que erro em minha vida”. Nunca mais tivemos atrito.”
CAPITA RESPONSA
Há um ano, o foco de Thiago Silva é a Copa do Mundo. Seu rendimento caiu na segunda metade da temporada e ele foi criticado pela imprensa francesa por estar se poupando para a seleção. “Até mesmo por causa de lesões e pela preocupação com o Mundial, Thiago esteve em um nível abaixo do habitual em alguns jogos”, diz o técnico do PSG, Laurent Blanc. “Ainda assim, nosso time é muito mais forte com ele em campo.”
Líder da seleção, o zagueiro tornou-se rapidamente um dos homens de confiança de Luiz Felipe Scolari. Foi ele quem recebeu o comandante em Paris para o jogo contra o Chelsea. Os dois mantêm contato frequente por telefone. As coordenadas do técnico são cumpridas à risca. “O Felipão sabe como trilhar o caminho do sucesso e nós temos bons motoristas no grupo para seguir o chefe”, afirma. Depois de Thiago Silva sofrer uma pancada no rosto, em março, o treinador brasileiro recomendou, por precaução, que ele jogasse com a máscara protetora até o fim da temporada. Por conta própria, o capitão ainda estabeleceu uma dieta rigorosa, parou de tomar refrigerante e controlou o vício em chocolate. Tudo para chegar voando à Copa e não dar chance aos concorrentes pelo hexacampeonato.
“Somos a equipe a ser batida na Copa, ainda mais por jogar em casa. Todos vão querer eliminar o Brasil o quanto antes. Teremos de jogar a 120%, 130% da nossa capacidade para sermos campeões”, diz Thiago, que deseja ouvir, como na Copa das Confederações, o hino nacional cantado a plenos pulmões a cada jogo da seleção. “Deixa o time mais ligado, mais concentrado. Emociona mesmo. É inexplicável. Só quem está ali, abraçado, sente a força que aquilo dá para jogar futebol. O adversário fica acuado. Tanto que o Vicente Del Bosque disse que a Espanha saiu perdendo de 1 x 0 por causa do hino na final.” Energia que não o faz temer nem os franceses, carrascos das Copas de 1986, 1998 e 2006 que ele conhece bem dos últimos anos vividos no país. “São outros jogadores, outro momento. A França é uma grande seleção, mas o passado não me põe medo.”
Thiago Silva é um patriota convicto. Em 2013, envolveu-se em polêmica com o inglês Joey Barton ao defender Neymar das acusações de cai-cai. “Não existe país perfeito. Eu não aceito críticas contra o meu país, ainda mais envolvendo nosso futebol. Com todo respeito à Inglaterra, nós temos muito mais títulos que os ingleses. O Barton deveria ficar calado. Quem é ele pra falar da seleção brasileira?” Outro fato que incomoda o capitão são as manifestações violentas semelhantes às que viu de perto na Copa das Confederações. “Alguns vão protestar por um país melhor, outros vão para fazer algazarra e quebra-quebra. Quando voltei para a França, as pessoas diziam que o Brasil não tem segurança, que os turistas seriam roubados na Copa, que ninguém respeita ninguém. Isso me deixa triste. Se for manifestação pacífica, nós, jogadores, apoiaremos.”
Dar exemplos é um desafio que ele atrelou à faixa de capitão da seleção. Quando assistiu Samir, de 19 anos, falhar contra o Bolívar pelo Flamengo, na Libertadores, não hesitou em telefonar para o zagueiro e apoiá-lo publicamente. “Falhas acontecem. Quis dar uma palavra de incentivo. Ele pediu pra eu acompanhar mais os jogos do Flamengo e avisá-lo sobre o que precisa melhorar”, conta. Para ele, a camisa amarela continua sendo temida, sobretudo no Velho Continente. “O Cristiano Ronaldo, melhor jogador do mundo, citou o Brasil como grande favorito para o Mundial. Isso mostra que ainda se tem respeito por essa camisa.” O uruguaio Cavani, companheiro do defensor no PSG, concorda. E espera não ter de deparar com o Monstro na Copa. “Dá muita segurança jogar ao lado do Thiago. Duro é ter de enfrentá-lo pela seleção. Se nos encontrarmos no Brasil, tomara que seja na final.”
Uma Copa do Mundo, apesar de sua dimensão, não parece estremecer as bases de Thiago Silva. Menos de uma década atrás, ele estava internado com tuberculose. Foram seis meses de isolamento, agonia e aprendizado. “Depois da minha doença, me senti mais forte, mais responsável. Até então eu era apenas um moleque que gostava de jogar futebol.”
No entanto, perder um Mundial em casa é o assombro que o fará suar sangue para não reviver o purgatório. “A pressão da torcida pode ajudar ou atrapalhar. Nossa equipe é jovem. Tenho consciência de que será muito difícil. Ninguém se lembra dos perdedores. Vamos para o céu ou para o inferno. E do inferno eu estou correndo”, diz Thiago, dono de uma apreensão indisfarçável para a Copa que pode pôr o mundo a seus pés e a taça dourada em suas mãos.
“NÃO SAIO MUITO EM PARIS. O ASSÉDIO DOS TORCEDORES É GRANDE. E EU SOU RESERVADO.”
Thiago Silva: entre monumentos históricos e pontos turísticos parisienses, o capitão elege o sossego do lar
“DÁ MUITA SEGURANÇA JOGAR COM O THIAGO. SE TIVER DE ENFRENTÁ-LO NO BRASIL, QUE SEJA NA FINAL.”
Cavani, atacante do PSG e da seleção uruguaia, que quer distância do zagueiro na Copa do Mundo
O fantasma de 2008
Thiago experimentou ‘Maracanazo’ com o vice do Fluminense na Libertadores
“Foi minha maior frustração no futebol. Estávamos confiantes para vencer a LDU, o Maracanã lotado. Eu não me lembro de quase nada depois do jogo. Nem sei se voltei dirigindo pra casa. Caminhei devagarinho para o vestiário e fui um dos últimos jogadores que voltaram para buscar a medalha. Fiquei tão abalado que não consegui chorar nem dar força a ninguém. Dei só um tapa na cabeça do Luiz Alberto, que estava sentado debaixo do chuveiro aos prantos, chorando demais. Aquela cena me marcou. Depois, tomei banho e fiquei uns 20 minutos na escada do Maracanã totalmente vazio, sem reação. Quando perco, eu fico puto, xingo pra caramba. Mas naquele dia não consegui fazer nada. Tenho o sonho de voltar e encerrar a carreira no Fluminense. Quero vestir aquela camisa novamente, jogar a Libertadores e ter um final diferente. Já vivi meu Maracanazo e não gostaria de passar por isso outra vez. Apesar de termos ganhado a Copa das Confederações, é inevitável que lembrem de 1950, ainda mais se a final for contra o Uruguai. Vão falar bastante de Maracanazo, mas eu já estou calejado.”
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