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S.O.S. Rivaldo: há 20 anos, Cruzeiro tentou recuperar craque

Herói do penta chegou com moral a BH em 2004, mas não conseguiu se entrosar com Alex e deixou a Raposa após só 11 jogos, junto com Luxemburgo

Há exatas duas décadas, o torcedor do Cruzeiro viveu uma grande decepção: a breve e infrutífera passagem do craque Rivaldo por Belo Horizonte. Menos de dois anos depois de brilhar na conquista do pentacampeonato mundial da seleção brasileira na Ásia, o meia chegou à Toca da Raposa sob enorme expectativa Vale lembrar que aquele esquadrão celeste dominara o futebol brasileiro no ano anterior, com a conquista da Tríplice Coroa (Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e Brasileirão), liderado por outro talentoso canhoto, Alex.

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A contratação de Rivaldo, que vivia má fase no Milan (escanteado especialmente após a chegada de Kaká) estava condicionada à presença do técnico Vanderlei Luxemburgo, com quem tivera enorme sucesso no Palmeiras e na seleção brasileira. Sua saída também coincidiu com a do treinador. Por ironia do destino, quando a edição de março de 2004 de PLACAR chegou às bancas, com a reportagem S.O.S Rivaldo com sugestões de como reverter a má fase do ídolo, Rivaldo já havia deixado a Raposa, após apenas 11 jogos e dois gols marcados.

Como conta a matéria escrita por Edson Cruz, um dos desafios era justamente acomodar Rivaldo e Alex na equipe:

Se não é exclusivamente uma “questão de cabeça”, o pouco brilho de Rivaldo pode estar relacionado ao aspecto tático, dentro de campo. “Joguei a minha vida no meio-campo e fiz poucos jogos como atacante. O Luxemburgo está tendo de me encaixar nessa posição porque, até pelas características, se eu e o Alex jogarmos no meio-campo, ele vai ficar vulnerável na marcação. É um aprendizado.”

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Problemas conjugais e físicos também foram apontados como possíveis explicações para o insucesso em campo.  Então com 31 anos, Rivaldo acabou pedindo para rescindir o contrato logo após a demissão de Vanderlei Luxemburgo. Um dos motivos das desavenças entre o técnico e o então presidente Alvimar de Oliveira Costa e seu irmão, o vice, Zezé Perrella, era justamente a presença do pentacampeão no time.

Rivaldo pediu para ser desligado em 28 de fevereiro de 2004, na véspera da derrota por 5 a 3 para o Atlético-MG. Ele ao menos adicionou em seu vasto currículo o título mineiro daquele ano e depois reencontrou o bom futebol jogando pelo Olympiacos, da Grécia. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 54 anos de arquivos

S.O.S. Rivaldo

Cruzeiro mobiliza todo o seu staff para desvendar por que o brilho do craque se apagou e monta esquema especial para “ressuscitá-lo”

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Edson Cruz

Rivaldo atuou pelo Cruzeiro dois anos depois do penta - Eugenio Savio/PLACAR
Rivaldo deixou Cruzeiro antes mesmo de reportagem sair – Eugenio Savio/PLACAR

Eleito o melhor jogador do Mundo pela Fifa em 1999 e com duas Copas do Mundo nas costas, o pentacampeão Rivaldo, porém, nunca teve o privilégio de ser uma unanimidade. Mas será que imaginou um dia ser rotulado como bonde, refugo? O seu calvário no Cruzeiro chega a impressionar. Nos nove primeiros jogos que disputou pelo atual campeão brasileiro, ele não marcou nenhum gol, foi vaiado pela torcida em alguns jogos e só apresentou lampejos de bom futebol. Sinal de que sua carreira entrou definitivamente em queda vertiginosa? Para tentar descobrir por quais motivos a bola não corre mais redonda nos pés de Rivaldo, Placar decidiu investigar todas as possibilidades.

Problema de cabeça?
A explicação número um é de natureza psicológica. O casamento de dez anos de Rivaldo, com Rose, chegou ao fim em dezembro de 2002. Rivaldo ficou mais longe dos filhos Rivaldinho (8 anos) e Tamires (6 anos) e essa ausência forçada da família teria refletido no seu desempenho dentro de campo. “O problema pessoal atrapalha, sim. Ele não está conseguindo jogar. Está muito ansioso. São 11 meses de separação e confusões, mas aqui, em BH, ele já está com outra mulher”, diz um colega seu de Cruzeiro, sem revelar o nome da companheira de Rivaldo.

Os problemas conjugais começaram logo depois que ele se tornou pentacampeão mundial na Ásia. O craque se transferiu para o Milan e só marcou oito gols (cinco na disputa do Campeonato Italiano e três na Supercopa da Europa) em 35 jogos. Nos três últimos meses de Itália, não ficou nem na reserva e teve o desgosto de acompanhar o seu sucessor, o meia Kaká, transformar-se em ídolo da torcida milanesa. “Eu era um dos jogadores com melhor preparo físico, mas mesmo assim não era aproveitado no Milan. Cheguei a ser cortado do banco de reservas em alguns jogos. Muita humilhação para um jogador com o meu currículo. Decidi ir embora”, diz.
O técnico Carlo Ancelotti nunca fez questão de contar com Rivaldo; simplesmente teve de engolir a contratação imposta pelo presidente do Milan, Silvio Berlusconi. A decisão de “pegar o boné” aconteceu depois do jogo contra o modesto Ancona, pelo Campeonato Italiano. “Todos os jogadores brasileiros entraram, o Kaká arrebentou com a partida eu fiquei os 90 minutos no banco. Vi que não dava para ficar mais no Milan.” A única lembrança boa que ficou dos tempos de Itália foram os três títulos (Copa dos Campões, Supercopa da Europa e Copa da Itália).

Mesmo depois que voltou ao Brasil, Rivaldo e os filhos, que moram com a mãe em Mogi Mirim (São Paulo), não têm se encontrado tanto. O que explicaria, em parte, seu mau momento no Cruzeiro. Depois do jogo contra o Santos Laguna, do México, no magro empate de 1 x 1 pela Libertadores (17 de fevereiro), ele disse que havia feito o seu pior jogo pelo clube. “O meu casamento terminou em paz; não houve litígio. Sou um grande amigo da Rose e vejo os meninos quando posso. Toda folga, viajo para Mogi Mirim.”

Problema de posicionamento?
Se não é exclusivamente uma “questão de cabeça”, o pouco brilho de Rivaldo pode estar relacionado ao aspecto tático, dentro de campo. “Joguei a minha vida no meio-campo e fiz poucos jogos como atacante. O Luxemburgo (Vanderlei Luxemburgo, técnico do time) está tendo de me encaixar nessa posição porque, até pelas características, se eu e o Alex jogarmos no meio-campo, ele vai ficar vulnerável na marcação. É um aprendizado.” No Barcelona, o então técnico Van Gaal insistia em escalar Rivaldo no ataque, jogando aberto pela esquerda. Contrariado, o craque se dizia mais à vontade no meio-campo. Rivaldo ganhou a queda-de-braço e o técnico fez as malas em seguida. Tempos depois, em seu retorno ao Barcelona, o holandês teria dado o troco e cavado a saída do pentacampeão. Desde então, são desafetos assumidos.

“Depois da Olimpíada de Atlanta (em 1996), eu decidi que sempre iria conversar com os meus treinadores sobre posicionamento. No Barcelona, o Van Gaal não dava essa chance. Quando o time vencia, era ele quem ganhava o jogo e, quando perdia, o motivo era que eu e o Figo não havíamos guardado posição. Dentro de campo, o jogador tem uma visão bem melhor que a do técnico.”
Rivaldo também argumenta que “acostumou mal” a torcida brasileira com muitos gols, apesar de ser um meia de origem. Para comprovar a sua tese, ele lembra que o meia português Rui Costa (teoricamente seu rival de posição) está começando a sua terceira temporada no Milan e só marcou cinco gols no clube até então. Rivaldo até procura negar, mas o jejum de gols incomoda.

Alex e Rivaldo no banco do Cruzeiro - Eugenio Sávio/PLACAR
Alex e Rivaldo no banco do Cruzeiro – Eugenio Sávio/PLACAR

Apoio dos colegas
“Até pelos muitos gols que já fez na carreira, Rivaldo está sendo cobrado, mas ele não está jogando mal como estão dizendo e em breve vai jogar tudo o que sabe. Os apressadinhos que insistem em vaiá-lo vão quebrar a cara”, diz o atacante Guilherme, que divide o quarto de concentração com o companheiro.

O técnico Vanderlei Luxemburgo, principal responsável por sua contratação, faz coro. “Esqueçam o Rivaldo! Ele vai dar certo no Cruzeiro. O torcedor impaciente, que está vaiando hoje, vai queimar a língua. Eu não gosto de perseguição, de denegrir a imagem do profissional. O Rivaldo é um profissional que se dedica e está voltando depois de muito tempo na Europa e de oito meses sem jogar no Milan. Precisa de tempo.”

“Uma coisa legal é que o cara se esforça, corre muito, treina forte. Todo mundo está vendo no clube que ele está fazendo por onde melhorar.” Esse é Alex, capitão do time e principal encarregado de “ambientar” o colega. “A torcida já começou a pegar no pé dele, mas eu estou esperto pra não deixar que isso contamine mais gente”, afirma Alex.
Guilherme, Luxemburgo, Alex e muito mais gente no Cruzeiro decidiram não medir esforços para ajudar Rivaldo, sensibilizados justamente com a dedicação do companheiro. O treinador tem a seguinte tese: Rivaldo funciona bem como coadjuvante e não como protagonista. E é partindo disso que tem feito de tudo para encaixá-lo.

O primeiro passo foi dar liberdade total a Rivaldo em campo. Ele está livre para fazer o que quiser e não tem obrigação de marcar. “Ele já me disse que é uma delícia poder perder uma bola no Cruzeiro e não precisar sair que nem um maluco pra recompor a defesa como no Milan”, afirma Alex, que passou a deixar o colega bater as faltas ” quando o normal seria haver um revezamento ” para quebrar o encanto do primeiro gol.

Rivaldo atuou pelo Cruzeiro dois anos depois do penta - PLACAR
Rivaldo, amargando o banco do Cruzeiro  – Eugenio Sávio/PLACAR

Problema físico?
Outra pedra na chuteira de Rivaldo é a questão física. Depois de passar sete anos e meio na Europa trabalhando apenas num período (de manhã ou à tarde), ele está penando com os puxados treinos programados pelo preparador-físico Antônio Mello. “O CT do Cruzeiro tem facilitado bastante a minha recuperação”. Rivaldo diz que a Toca da Raposta II é melhor até do que o CT do Milan, que é referência em toda a Europa, e um pouco superior ao do Barcelona. “Estou correndo mais do que um jogador de 24 anos.”

Quando o assunto é idade, Rivaldo, 31 anos, lista vários outros jogadores tão ou mais velhos que ele que ainda estão jogando o fino. “O melhor jogador do mundo (Zidane) têm a minha idade. O Valdo tem 40 anos e é um dos destaques do Botafogo. O Neto, que resolveu fazer bico de comentarista de TV, está dizendo bobagem, que estou velho. Coisa que o Casagrande também já disse. A diferença é que o Casão se desculpou.” Contra Neto, Rivaldo gira a sua metralhadora cheia de mágoas. “Ele só faz crítica maldosa contra jogadores que atuam na mesma posição que ele jogou. Só pode ser recalque. Estou a quilômetros de distância dele em futebol, em conquistas dentro e fora de campo. O Neto só é conhecido pela torcida do Corinthians. O Rivaldo já está na história do futebol”. ” Vale lembrar que Rivaldo irá receber o prêmio da Fifa que o elegeu entre os 100 maiores jogadores vivos da história do futebol mundial.

“Joguei 14 partidas em duas Copas do Mundo com a mitológica camisa 10 e fiz oito gols. Em qualquer lugar do mundo, um jogador com essa bagagem teria lugar garantido na Seleção e seria reconhecido. Mas no Brasil…” Rivaldo sabe que as cobranças não partem apenas dos microfones. Num jogo contra a Caldense, pelo Mineiro, em Poços de Caldas, o filho Rivaldinho tomou as dores e xingou um torcedor que insistia em vaiar o pai toda vez que ele pegava na bola. Rivaldo, que achou graça da briga do filho, só tem reclamado da supermarcação sofrida nos jogos contra clubes do interior. “Teve um jogo que o Cruzeiro venceu por 5 x 0 (contra o Rio Branco) e o técnico manteve dois marcadores em cima de mim o tempo inteiro. Assim, fica difícil.”

Se depender da diretoria do Cruzeiro, Rivaldo vai ter todo o tempo que quiser para se recuperar. “Estamos no lucro com Rivaldo”, afirma o vice-presidente de futebol, Zezé Perrella. Um dos objetivos do Cruzeiro este ano é internacionalizar a sua marca e, com Rivaldo no time, essa tarefa está sendo facilitada. O clube está negociando um contrato com a empresa CSS-Stelar, da Inglaterra, responsável por cuidar da imagem do superstar Beckham e do piloto colombiano de Fórmula 1 Juan Pablo Montoya.

Luxemburgo pediu a contratação de Rivaldo e ambos deixaram o clube juntos - Eugenio Sávio/PLACAR
Luxemburgo pediu a contratação de Rivaldo e ambos deixaram o clube juntos – Eugenio Sávio/PLACAR

Perdendo dinheiro
Depois que contratou Rivaldo, o Cruzeiro passou a receber convites para amistosos vindos de toda parte do planeta e pedido de entrevistas até da Sibéria. O clube esperar lucrar também com a venda de camisas: a 10, de Alex, e a 11, de Rivaldo. As primeiras mil camisas esgotaram-se em menos de um dia.

Vale lembrar: para jogar no Cruzeiro, Rivaldo abriu mão de muito dinheiro. “Se eu continuar no Cruzeiro, só vou recuperar daqui dez anos o dinheiro que iria receber no Milan se cumprisse meu contrato até o final (em 2005)”, diz.
O jogador garante ter recusado uma oferta três vezes maior que a do Cruzeiro de um clube carioca ” teria sido de empresários ligados ao Botafogo. Os árabes do Al-Ittihad ofereceram 4 milhões de dólares para Rivaldo e 1 milhão de dólares para o Cruzeiro abrir mão do contrato. A proposta, considerada indecente pela diretoria cruzeirense, nem chegou a ser estudada.

Apesar de dizer que dinheiro não é tudo, Rivaldo preocupou-se em colocar uma cláusula especial em seu contrato. Se receber propostas de clubes europeus, se desvincula do Cruzeiro no meio deste ano, em pleno Campeonato Brasileiro. “Minha vontade, na verdade, é completar o meu currículo com os únicos dois títulos que não tenho: a Copa Libertadores e o Mundial Interclubes. Seria o máximo.” Outro ambição é disputar a sua terceira Copa do Mundo, na Alemanha, em 2006, quando terá 34 anos.

“Eu sempre passei por dificuldades na minha carreira e superei. A pressão sempre vai existir. Eu queria muito sentir o Brasil, estava com vontade de voltar. Adaptado, eu ainda não estou. Quando isso não acontece, você não fica feliz. E eu quero ser feliz aqui.” Mais que um desejo, soa quase como um apelo.

Frases

“Esqueçam o Rivaldo! Ele vai dar certo no Cruzeiro. Quem está vaiando hoje, vai queimar a língua. Ele só precisa de tempo”
Vanderlei Luxemburgo, sobre o pupilo

“Em qualquer lugar do mundo, um jogador com a minha bagagem teria lugar cativo na seleção e seria reconhecido”
Rivaldo, sobre a pressão que sofre no país

Rivaldo atuou pelo Cruzeiro dois anos depois do penta - PLACAR
Rivaldo atuou em apenas 11 jogos – Eugenio Savio/PLACAR
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