Quais eram os planos de Kaká, último brasileiro a vencer a Bola de Ouro
Em entrevista à PLACAR de janeiro de 2008, o então astro do Milan celebrou auge e traçou uma série de novas metas - que não se concretizariam
A premiação da Bola de Ouro está chegando e, mais uma vez, o Brasil está fora da disputa – Vinicius Junior, do Real Madrid, é o único representante do país entre os 30 finalistas, e sem chances de superar os favoritos Lionel Messi, Kylian Mbappé e Erling Haaland. Hegemônico nas décadas de 1990 e 2000, o futebol brasileiro não celebra um troféu de melhor do mundo desde Kaká, então estrela do Milan, na temporada 2007.
Kaká concedeu entrevista à edição de janeiro de 2008 e, na condição de grande craque do planeta, listou uma série de metas, algumas cumpridas e várias outras por buscar. “Ser o melhor não é o bastante”, foi a chamada de capa da reportagem escrita por Maurício Barros e Sérgio Xavier Filho.
Bola de Ouro: quando é, candidatos e onde assistir
Aos 25 anos, Kaká já era um profissional completamente realizado, campeão do mundo com a seleção e com o Milan, e multicampeão na Europa. Mas, sem saber todos os problemas físicos que enfrentaria no futuro, listou seis novas metas para a carreira. Cumpriria apenas uma, a de se tornar capitão da seleção brasileira um dia.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 53 anos de arquivos, reproduz na íntegra a marcante entrevista com o último brasileiro eleito melhor jogador do mundo:
Ser o melhor não é o bastante
Em sete anos como profissional, Kaká alcançou todos os títulos e honrarias com que um jogador de futebol pode sonhar. Mas, obcecado por traçar metas e cumprir missões, ele quer ainda mais
Maurício Barros e Sérgio Xavier Filho
Ao se levantar da primeira fileira do Opera House, em Zurique, na Suíça, na noite de 17 de dezembro, para buscar o troféu de melhor jogador de futebol do mundo em 2007 eleito pela Fifa, Kaká trazia a mesma fisionomia de sempre ” um sorriso protocolar, “de aeromoça”, um ar simpático-profissional que não era de desdém mas, sim, de quem já tinha certeza de que seu nome seria anunciado para receber o prêmio máximo. Cumpria-se assim a mais difícil missão que esse brasiliense de 25 anos impusera a sua carreira como profissional. Chegava ao topo, ao Everest dos jogadores de futebol.
Ricardo Izecson dos Santos Leite sempre se mostrou um indivíduo programado para vencer. Em 2000, quando ainda nem era titular nos juniores do São Paulo, ele traçou dez objetivos que tentaria alcançar em médio prazo. No fim de 2001, Placar mostrava em suas páginas que ele havia cumprido sete (veja abaixo).
Os outros três, alcançaria pouco tempo depois. Ser convocado para a seleção principal e jogar com a camisa amarela, ele faria na Copa de 2002, levado por Luiz Felipe Scolari ” o título mundial foi um “bônus” para o reserva novato. A última meta, Kaká alcançaria um ano depois. Em agosto de 2003, transferia-se para um clube de ponta da Europa – o Milan.
Daí para a frente, seus objetivos encorparam, adequando-se ao novo status que Kaká adquiria. Firmou-se como titular do Milan e da seleção brasileira e passou a colecionar títulos e honrarias: campeão e artilheiro do Italiano, campeão da Copa das Confederações (com a seleção brasileira) e, o ponto alto, a Liga dos Campeões da Europa e, posteriormente, o Mundial de Clubes da Fifa, em 2007. “Estou no céu”, disse o jogador após a vitória por 4 x 2 do Milan sobre o Boca Juniors na final do torneio no Japão, quando foi eleito o melhor em campo e ainda recebeu o troféu de melhor jogador do torneio.
Dois dias depois, ele se sentiria ainda mais nas nuvens com o prêmio da Fifa. Foi uma goleada de 1 047 votos contra 504 do vice Lionel Messi e 426 de Cristiano Ronaldo, o terceiro.
Na verdade, a palavra goleada é até pobre para exprimir o que aconteceu em Zurique. Foi um massacre. Eram 309 votantes, entre técnicos e capitães de seleções. Cada um votava no primeiro, no segundo e no terceiro melhor jogador do mundo. O “número 1” valia 5 pontos, a segunda opção rendia 3 e o terceiro escolhido somava 1 ponto. Dos 309 eleitores, 179 acharam que Kaká foi o melhor, 42 votaram nele como o segundo e 26 como o terceiro. Quer dizer, apenas 62 não viram talento no meia do Milan para figurar na festa de gala. Dois dos que não escreveram o nome de Kaká na cédula da Fifa foram Dunga e o zagueiro Lúcio, capitão da seleção brasileira. Não por trairagem, a dupla apenas cumpriu o regulamento do prêmio, que impede que se vote em um jogador do mesmo país da seleção. Não foi o caso dos treinadores Derrick Edwards (Antígua e Barbuda), Jozef Jankech (Ilhas Maldivas) e Mohiuddin Aleswirki (Paquistão), que votaram em jogadores como Gerrard, Ronaldinho e Henry. Talvez Kaká tenha ficado “magoado” com o esquecimento, mas a dor foi amenizada com a lembrança de técnicos como Roberto Donadoni (Itália), Joachim Low (Alemanha), Felipão (Portugal), Gus Hiddink (Rússia) e de outras forças do futebol. O prêmio da Fifa veio acompanhado da confirmação de que o bebê que se forma na barriga da esposa, Caroline, é um menino.
Para um jogador como Kaká, porém, o céu não é o limite, nem pode ser. Na entrevista coletiva, ainda no Opera House, ele já fazia novos planos, intimamente traçados em conversas com seus botões Armani. “Agora vou fazer uma nova lista. Posso dizer que acaba uma etapa na minha carreira, com tudo o que eu queria conquistar. Agora começa uma nova etapa, novos objetivos, novos títulos e conquistas”, disse. “E a nova lista começa pelo próximo título que tiver para ganhar: Liga dos Campeões, Campeonato Italiano, depois vem a Olimpíada…” Os dois primeiros, Kaká já sentiu o gostinho de conquistar. Mas a glória olímpica parece mexer com ele de um jeito especial. Para tanto, Kaká precisa ser convocado para uma das três vagas acima de 23 anos a que cada país tem direito para disputar a Olimpíada de Pequim, em agosto. Ele sonha fazer parte da primeira equipe de jogadores brasileiros a ganhar a medalha de ouro olímpica.
E Kaká merece mais que ninguém essa vaga. Não pelo fato de ter sido eleito melhor jogador do planeta pela Fifa e pela revista France Football (a Bola de Ouro francesa tem ainda mais prestígio na Europa). Kaká merece tentar o ouro olímpico porque vem suando a camisa mais do que os outros. Ele jamais foi visto andando em campo. Kaká pode ter falhado em determinadas partidas, só que não por omissão. No Milan e na seleção brasileira, age como um operário da bola. É um dos primeiros a empapar de suor a camisa na partida. Marca, busca o jogo como se fosse um jogador comum. Ele está na fila da frente para receber a chance de defender o Brasil em Pequim. E, além desse objetivo mais imediato, há outros cinco que Placar acrescenta à lista de Kaká. Será que conseguirá cumprir também?
As primeiras missões
Em 2000, quando nem era titular dos juniores, Kaká traçou dez metas e alcançou todas elas
Missão 1
Voltar a jogar futebol (se recuperava de fratura de uma vértebra da coluna)
Concluída em 2000
Missão 2
Subir para os profissionais
Concluída em 2001
Missão 3
Figurar entre os 25 que fazem parte do elenco durante os campeonatos
Concluída em 2001
Missão 4
Brigar por uma vaga entre os 18 que sempre se concentram para os jogos
Concluída em 2001
Missão 5
Ganhar uma vaga de titular
Concluída em 2001
Missão 6
Jogar o Mundial sub-20
Concluída em 2001
Missão 7
Manter-se como titular do São Paulo mesmo após o Mundial
Concluída em 2002
Missão 8
Ser convocado para a seleção principal
Concluída em 2002
Missão 9
Jogar na seleção principal
Concluída em 2002
Missão 10
Transferir-se para algum grande clube da Itália ou da Espanha
Concluída em 2003
Pronto para outra
Kaká fala à Placar sobre seus planos para o futuro, seleção, Ronaldinho, o irmão Digão e, claro, sobre ser o melhor do mundo
Em dois dias, você foi campeão mundial e eleito o melhor do planeta. Como foram essas 48 horas?
Foram momentos muito especiais. São 48 horas que a gente nem sente. Agora quero trabalhar para um novo ciclo de conquistas.
Na prática, muda algo sendo o melhor do mundo?
Tem uma responsabilidade maior, mas não pelo lado negativo. Será um grande desafio manter um alto nível.
Você já ganhou o prêmio mais “sofisticado” (France Football) e levou também o mais midiático (Fifa). Qual o que lhe dá, sinceramente, mais orgulho?
São prêmios diferentes, que dão muita satisfação, e são áreas diferentes que votam. Por isso a importância de todos.
Se você fosse participar de uma pelada, chamava Ronaldinho Gaúcho, Messi ou Cristiano Ronaldo?
Chamaria o Ronaldinho. Os outros dois são novos com um grande talento. Mas o Ronaldinho é meu amigo, craque, e companheiro de seleção.
Você veio ao Morumbi, mas o mais ovacionado pelo público, mesmo antes dos gols, foi Luís Fabiano. Kaká é muito mais ídolo na Europa, né? Por quê?
Não vejo assim. No Maracanã, fui chamado de melhor do mundo por 80 000 pessoas. O pessoal em São Paulo adora o Luís, com razão, ele fez muito pelo clube e criou uma identificação muito grande com a torcida. Fico feliz por ele. Fiquei pouco tempo no São Paulo, sem uma grande conquista. No Milan é diferente por tudo o que conquistei, por isso o torcedor se identifica mais comigo que o do São Paulo.
Um colega seu de seleção contou pra gente que você tem essa cara de bonzinho mas é um dos mais bagunceiros na concentração…
Sou normal, sei a hora de brincar e a hora de ser sério. Temos que descontrair sempre, é muito tempo longe de casa. E também serve para adaptar os novos companheiros.
Pegam demais no pé do Ronaldinho Gaúcho?
Ele tem muito talento e, sendo assim, é muito cobrado. Acho que ele sabe lidar bem com isso e não acredito que a cobrança afete seu rendimento.
Você chegará à Copa da África do Sul na plenitude. É o título que falta para você como titular?
Quero ser campeão, claro. Ir em 2002 foi muito importante para mim, para minha carreira. Mas não é uma coisa que me cobro, eu me cobro fazer sempre o meu melhor, me preparar para as competições da melhor maneira. No esporte coletivo, você depende de muita gente…
Você gostaria de encerrar a carreira no Milan?
Gostaria, acho legal se identificar com um clube. Até hoje só joguei em dois clubes. Claro que muita coisa pode mudar, mas estou muito feliz no Milan, e sou muito grato a esse clube, já que, se eu cheguei aonde cheguei, tem muito do clube e da seleção onde jogo.
O Milan ainda aposta no Ronaldo?
O Milan aposta muito em Ronaldo. Ele não tem tido sorte com as seguidas contusões. É um jogador decisivo, sempre que está bem, resolve. É uma questão de tempo ele voltar.
Alexandre Pato pode ser o novo Kaká?
É um jogador com muito talento. Mas acho que é bom ter um pouco de paciência, é um jogador novo, que com o tempo vai mostrar todo seu talento e ser um destaque mundial no Milan e na seleção.
Qual o melhor marcador que você já enfrentou? Qual seu maior ídolo no futebol? Qual o melhor jogador que já atuou ao seu lado?
Um grande marcador que eu citaria, mas que não me marcou, é Paolo Maldini. Meu grande exemplo foi o Raí. O melhor jogador com quem já joguei é o Ronaldo.
E o Digão? Como tem lidado no Milan com o peso de ser seu irmão?
Ele tem ido muito bem nos treinos e nas oportunidades que teve. Ninguém joga no Milan por ser irmão de jogador, se fosse assim haveria outros no elenco. Está aqui porque mostrou qualidade no sub-20 e na série B, com o Rimini.
Quem são seus melhores amigos no futebol?
Me relaciono bem com todos. Tenho um pouco mais de intimidade com os brasileiros e com jogadores da minha idade, como o Gilardino.
As próximas missões
Placar lança seis desafios para o craque não sossegar
Missão 1
Tornar-se capitão da seleção brasileira. “Kaká tem nível, tem postura, tem educação e tem futebol para tanto, que é o mais importante”, diz Parreira.
Missão 2
Ser convocado para uma das três vagas acima de 23 anos para a seleção que vai disputar os Jogos de Pequim e ganhar o inédito ouro olímpico.
Missão 3
Igualar (e quem sabe bater) o recorde de Ronaldo e Zidane, os maiores ganhadores do prêmio de melhor jogador do mundo da Fifa três vezes.
Missão 4
Fazer do Milan o clube com mais títulos da Liga dos Campeões da Europa. Atualmente, o clube italiano tem sete troféus, contra nove do Real Madrid.
Missão 5
Ganhar a Copa do Mundo de 2010 como titular, capitão da seleção brasileira e protagonista, como Romário em 1994 e Ronaldo em 2002.
Missão 6
Jogar a Copa de 2014 no Brasil (terá 32 anos) e enterrar o maior trauma da história do futebol brasileiro ” o Maracanazo de 1950.