Quais eram os maiores salários do futebol brasileiro no ano 2000
Levantamento feito por PLACAR colocou os desafetos vascaínos Romário e Edmundo no topo; confira reportagem na íntegra e relembre o ranking
Saber quanto as estrelas da música, do cinema e do esporte ganham sempre foi um grande fetiche popular. No ano 2000, a revista PLACAR se propôs a elencar os maiores vencimentos do futebol brasileiro. Em contato com clubes, atletas e agentes do mercado, o repórter Fabio Volpe obteve uma estimativa chocante: Romário e Edmundo, ambos do Vasco da Gama, recebiam 450.000 reais mensais.
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A matéria retratava a evolução do mercado do futebol naquele período. Em 1974, o salário de Pelé, a maior estrela do futebol mundial, no Santos equivalia a 74.000 reais do ano 2000 – seis vezes menos do que Romário e Edmundo. Em valores corrigidos pela inflação, o salário dos vascaínos equivale a cerca de 2 milhões de reais em 2023 (valor semelhante ao que recebem hoje Dudu, do Palmeiras, e Gabigol, do Flamengo).
O top 5 era completado por três veteranos: Raí (São Paulo), Rincón (Santos) e Zinho (Grêmio). Naquela época, o italiano Alessandro Del Piero, da Juventus, ganhava o maior salário do mundo, na casa de 1,5 milhão por mês. O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos arquivos, reproduz abaixo a reportagem na íntegra:
SHOW DO MILHÃO
Clubes e atletas não gostam de abrir o jogo. Mesmo assim, PLACAR apurou os salários dos 50 jogadores mais bem pagos do país. No reino dos cifrões, Romário e Edmundo são os reis. Perto deles, Pelé seria um simples mortal
Por Fabio Volpe
Nos anos 30, começo do profissionalismo, o centroavante corintiano Teleco recebia como recompensa pelos seus gols pares de sapatos de um fanático comerciante alvinegro. Sete décadas depois, o futebol mudou tanto que o também centroavante Romário, pode comprar uma rede de lojas de calçados a cada mês com o que recebe do Vasco. O Baixinho, ao lado de seu desafeto Edmundo, lidera a lista dos 50 jogadores mais bem pagos do Brasil, faturando quase meio milhão de reais por mês. É o que revela o levantamento feito por PLACAR em todo o país.
Descobrir quanto ganha a dupla de ataque vascaína e os principais jogadores do país não foi tarefa fácil. Dinheiro é tabu em qualquer profissão. Para furar a barreira silenciosa que envolve os rendimentos dos atletas, o jeito foi pesquisar muito. Em arquivos de jornais, consultando outros colegas da imprensa e ouvindo pessoas ligadas aos clubes, que, claro, preferem manter-se no anonimato. Só assim foi possível chegar a uma estimativa realista dos valores pagos aos principais jogadores e montar um ranking de salários do futebol brasileiro.
A relação dos craques que valem ouro apresenta surpresas. Mesmo com o apoio da Hicks Muse, os jogadores do agora milionário Corinthians só aparecem a partir da 15º posição. O Inter, tricampeão nacional e uma das equipes mais tradicionais do país, vai ainda mais longe, não colocando ninguém no ranking. Após a dispensa de Dunga, os maiores salários pagos no colorado estão na faixa dos 50 mil reais, valor insuficiente para alcançar a última posição na lista. O Atlético-PR também ficou de fora. Mesmo suas maiores estrelas, Lucas e Adriano, ainda aceitam contratos modestos, na faixa dos 20 mil reais por mês. Outro craque que recebe aquém do seu status é Alex. O meia do Palmeiras e da Seleção tem um salário de 40 mil reais.
Os jogadores estrangeiros, por outro lado, estão em alta. Quatro dos dez primeiros colocados da lista são gringos: Rincón, Asprílla, PetkoVic e Sorín. Com exceção de Sorín, os outros três já passaram por algumas das melhores equipes da Europa, um sinal de que o futebol brasileiro começa a ter condições financeiras não só de manter no país suas principais estrelas, mas também de atrair atletas de bom nível do exterior. “O que ainda impede uma participação maior dos estrangeiros é a legislação, mas esse mercado alternativo é fantástico, ainda vai avançar muito”, acredita Paulo Angioni, diretor de futebol da Parmalat, lembrando do limite de dois atletas não-brasileiros por clube.
Nem tudo, porém, é surpresa. Os times com maior número de jogadores na relação (oito cada um) são Vasco e Cruzeiro, ambos amparados por fortes parcerias. Outro fato esperado é o predomínio dos veteranos no topo do ranking, uma vez que eles já têm o passe livre e, portanto, recebem, além do salário, uma quantia relativa ao aluguel do passe. Romário, Raí, Rincón e Zinho, todos algumas temporadas acima dos 30 anos, estão entre os cinco primeiros colocados.
A supremacia dos atletas das regiões Sul e Sudeste também não é novidade. O jogador do Nordeste com melhor salário, o atacante Leonardo, do Sport, ficou na modesta 47ª posição.
Os lucros gerados pelos craques inflacionam os salários. A diferença entre os ordenados pagos nas diferentes regiões do país, entretanto, é um tímido desnível perto do abismo que separa os valores praticados no mundo do futebol da realidade social brasileira. Num país onde o salário mínimo não alcança os 100 dólares, é normal que as dezenas (ou centenas) de milhares de reais oferecidos a alguns jogadores provoquem indignação nas pessoas.
Um dos argumentos mais comuns para questionar esses ordenados milionários é o fato de a maioria dos atletas não ter nenhuma formaçãointelectual e mesmo assim receber mais que profissionais que passaram a vida inteira estudando. Para quem lhe expõe esse tipo de colocação que, aliás, contém uma boa dose de preconceito, o ex-goleiro Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo, tem a resposta na ponta da língua: “Qualquer pessoa que tenha a oportunidade de estudar pode virar um médico. Mas nem todos nascem com o talento para ser um jogador de primeiro nível.”
.O que o ex-goleiro diz é verdade. Fica mais fácil entender os rendimentos desses atletas analisando-os não como trabalhadores comuns, mas como artistas. Músicos e atores, quando reconhecidos mundialmente, também são muito bem remunerados. A grande diferença é que a carreira do jogador dura bem menos, como faz questão de frisar o veterano zagueiro Mauro Galvão: “Outros profissionais com 40 anos estão no auge, os jogadores já encerraram a carreira.” Além disso, é preciso frisar que apenas uma minoria tem a felicidade de ostentar altos ordenados. Segundo dados da CBF relativos a 1999, mais de 80% dos jogadores registrados na entidade recebem no máximo dois salários mínimos por mês, sobrevivendo como artistas mambembes.
Também há um outro aspecto que muitas vezes passa despercebido quando se analisa de maneira superficial o que se ganha com o futebol. “Se o parâmetro é o salário médio do trabalhador brasileiro, é claro que os grandes jogadores ganham muito. Mas e o que eles geram para os clubes?”, indaga Martorelli. A resposta é uma só: eles geram lucros cada vez maiores.
Os negócios inflacionam os salários
Há 20 anos, pagar 100 mil, 200 mil reais por mês a um atleta seria impensável simplesmente porque os clubes não tinham nem um décimo da receita de que dispõem hoje em dia. Até a década de 80, os valores arrecadados com diretos de transmissão de TV, placas de publicidade nos estádios e patrocínio nas camisas eram ínfimos. Para se ter uma idéia, naquela época uma das principais fontes de renda do Corinthians eram os bailes de carnaval realizados no clube.
Muitas vezes, a possibilidade de contratar grandes reforços para a temporada dependia do sucesso dos bailes. Hoje, a realidade é bem diferente. As receitas dos clubes aumentaram muito e continuam a crescer a cada ano. Em 1999, as cotas de publicidade em placas de estádio para o Campeonato Paulista custavam 300 mil reais. Este ano, as empresas que estão expondo sua marca tiveram que pagar dez vezes mais: 3 milhões de reais.
Os direitos de transmissão pela TV do Campeonato Brasileiro também explodiram. Em 1996, o torneio foi vendido para as emissoras por 12 milhões de reais. No ano passado, esse valor já havia saltado para 50 milhões. “Os números dos salários chocam na realidade brasileira, mas temos que reconhecer que o fato de você ter as estrelas do show aqui e não lá fora provoca uma entrada de receitas fantástica”, explica o empresário Emir Capez, que fez parte do GAP, um grupo de empresários que se uniu em 1997 para ajudar o Corinthians na busca de uma parceria.
A tendência é que os contratos com as emissoras de TV sejam cada vez mais inflacionados. Se isso não bastasse, os clubes ainda poderão encontrar novas e vultosas fontes de renda. Um estudo da Uefa aponta que, nos próximos cinco anos, as equipes européias poderão lucrar 500milhões de dólares com contratos referentes ao uso da Internet, um mercado no qual os times brasileiros também já estão de olho.
Com tanto dinheiro circulando em torno do futebol — “um dos dois ou três melhores negócios para se investir no mundo hoje”, garante Emir Capez — era natural que uma parte dos recursos acabasse nos bolsos das principais estrelas do espetáculo. Nos últimos cinco anos, o maior salário pago para um jogador no Brasil foi multiplicado por quatro. O craque felizardo, Romário, continua o mesmo, mas o seu contra-cheque inchou bastante: em 1995, o atacante vascaíno ganhava (em valores atualizados) aproximadamente 100 mil reais. Hoje seu ordenado já passou dos 400 mil.
A Europa inflaciona os salários
Mas não são apenas os craques que ganham com a alta dos salários. Indiretamente, os torcedores também acabam favorecidos. Com condições de pagar mais, os clubes podem reduzir o êxodo dos seus principais jogadores para o exterior, “Hoje, você tem mais condições de manter o jogador aqui. Com isso, melhorou a qualidade do espetáculo”, analisa Paulo Angioni. É claro que não se tornou possível repatriar um Rivaldo, pois o teto salarial na Europa ainda é mais alto. Segundo a revista francesa France Football, Del Piero, da Juventus, ganha cerca de 1,5 milhão de reais por mês. Já o jornal inglês The Independent revelou recentemente que a média salarial na primeira divisão do país é de quase 100 mil reais. Não dá para competir com esses valores, mas pelo menos craques como Ronaldinho Gaúcho e Edmundo permanecem no Brasil por várias temporadas. Segundo Emir Capez, os jogadores ficam aqui por salários até 30% inferiores às ofertas que recebem do exterior.
Mauro Galvão, que jogou na Suíça de 1990 2 1996, confirma: “Se, quando me transferi para a Europa, pudesse ganhar o que ganho hoje mo Brasil, não teria saído.” Se o preço para ver de perto esses craques for pagar salários cada vez mais recheados de zeros, parece valer a pena. Desde que, é claro, o dinheiro não saia do bolso do torcedor na hora de comprar ingressos, mas sim das empresas e fundos de investimentos milionários que lucram com o precioso talento do jogador brasileiro.
( Colaboraram Adilson Barros, Altair Santos. Edson Cruz. José Alberto Andrade, Eduardo Lima e Marcos Costa)