Há 40 anos, PLACAR revelou a máfia da loteria esportiva
Em outubro de 1982, chegava às bancas uma edição histórica do jornalismo brasileiro; leia reportagem de Sérgio Martins na íntegra
O futebol brasileiro recebeu nesta semana denúncias chocantes de manipulação de resultados vindas de Pelotas (RS). O meia Iago Padilha e o técnico Gregory Machado deixaram o Farroupilha, clube da terceira divisão do Campeonato Gaúcho, alegando que atletas e dirigentes teriam vendido uma partida, derrota por 7 a 0 para o Bagé. Os vergonhosos escândalos envolvendo casas de apostas existem há décadas. Há quase 40 anos, em outubro de 1982, PLACAR entrou para a história do jornalismo nacional ao destrinchar a chamada Máfia da Loteria Esportiva.
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Após 12 meses de apuração, o repórter Sérgio Martins revelou o envolvimento de 125 acusados, entre árbitros, jogadores e cartolas, incluindo dois campeões mundiais pela seleção brasileira (Amarildo e Marco Antônio), no esquema que fraudava resultados em favor de um grupo de apostadores do principal jogo de azar da época.
A denúncia rodou o mundo, é lembrada até hoje em faculdades de comunicação e ganhou o Prêmio Esso de jornalismo na categoria geral daquele ano. Em 1985, a Polícia Federal anunciou a conclusão do inquérito sobre a Máfia da Loteria Esportiva. Dos 125 acusados na reportagem, apenas 20 pessoas foram indiciadas, pela dificuldade de encontrar provas, e apesar do grande número de evidências.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras reproduz um tesouro de nossas cinco décadas, transcreve, na íntegra, a reportagem de Sérgio Martins, morto em 2013 aos 67 anos:
A máfia da loteria esportiva
Há um ano, PLACAR designou o repórter Sérgio Martins para uma difícil e perigosa missão: desvendar os mistérios de uma verdadeira máfia que fabrica resultados da Loteria Esportiva. Era algo que muitos sabiam, mas que ninguém provava, apesar de estar em andamento um inquérito na Polícia Federal do Rio de Janeiro. Depois de 12 meses de pacientes e arriscadas investigações, realizadas sobretudo com a preocupação de moralizar de uma vez por todas o futebol brasileiro, PLACAR apresenta uma história que pode ser resumida numa palavra: estarrecedora. Ressalvada a lisura da Caixa Econômica Federal, há nesta reportagem apenas fatos comprovados, envolvendo 125 nomes de árbitros, dirigentes, técnicos, personalidades nacionais e jogadores – entre os quais, infelizmente, figuram ídolos da torcida e dois campeões do mundo
Por Sérgio Martins
Nos últimos sete anos, a imprensa brasileira vem divulgando com freqüência crescente a existência da chamada ‘Máfia da Loteria”. PLACAR. a partir de dois escândalos ocorridos no final do ano passado (o caso Flávio Moreira, atualmente sendo investigado pela Polícia Federal, no Rio de Janeiro, e o caso Negreiros, em Santos), passou a investigar a presença dessa nebulosa instituição, buscando trazer a público os nomes de seus chefões, que permaneceram anônimos por todos esses anos, protegidos pela lendária lei mafiosa do silêncio. Hoje, depois de ouvidos jornalistas, técnicos de futebol e dirigentes de clubes em vários Estados do Brasil e contar também com a colaboração profissional do radialista Flávio Moreira, PLACAR está pronto para denunciar esses cidadãos acima de qualquer suspeita – que criaram e sustentam uma invejável rede de corrupção que chega a estender seus fios para além das fronteiras do país, para provocar resultados surpreendentes em testes da Loteria Esportiva, burlando a boa fé dos apostadores – e a impecável seriedade da Caixa Econômica Federal.
Pois, como diz o arrependido Flávio Moreira, que viu sua carreira profissional desmoronar a partir da denúncia do ex-presidente do Botafogo Charles Borer, em outubro de 1981, “a Loteria Esportiva é séria até a bola rolar”. Com isso, ele quer dizer que a Caixa procura dar o máximo de segurança aos apostadores, mas que quando as partidas são iniciadas nos fins de semana ela não pode evitar que árbitros, técnicos, dirigentes e jogadores envolvam-se com a complexa engrenagem de suborno montada pelos “zebrões”.
Essa engrenagem, azeitada gordas quantias de dinheiro, começa a funcionar no exato momento da escolha dos 13 jogos que irão compor os testes. Foi assim durante os quase sete anos em que Flávio Moreira trabalhou na agência de notícias Sport Press, sediada no Rio – e encarregada de propô-los semanalmente à Caixa Econômica. Tudo leva a crer que o esquema continua funcionando ainda hoje com a mesma eficiência.
Como chefe do setor de loteria da Sport Press, Moreira organizava os testes escolhendo alguns jogos que interessavam aos grupos para os quais trabalhava, mandando-os para aprovação em Brasília. Esses jogos determinados envolviam clubes nos quais os vários grupos que formam a “Máfia da Loteria” tinham facilidade de acesso. “Meu primeiro contato com eles foi justamente para isso”, confessa Flávio Moreira. “Por volta de 1975 fui procurado na Sport Press por pessoas de São Paulo para colocar jogos pré-escolhidos por elas nos testes que eu organizava”.
Moreira chegara ao Rio logo após a Copa do Mundo de 1974 e alguns meses depois recebia um telefonema de Alberto Damasceno, radialista cearense com quem tinha amizade. “Flávio, uma pessoa de São Paulo quer muito falar contigo”, disse Damasceno, atualmente supervisor e arrendatário do América de Fortaleza. Dias depois, Moreira mantinha seu primeiro encontro com João Nunes da Costa Filho, na época gerente do Banco Econômico, agência Pinheiros, em São Paulo, que se dizia representante de um grupo que jogava pesado na Loteria Esportiva. Com o tempo, Moreira descobriu que Nunes era o próprio chefe do grupo e não apenas um mero representante. E, aos poucos, a participação de Moreira deixou de ficar restrita à escolha de jogos nos testes que preparava. Passou a ser, na verdade, o principal contato do grupo na fabricação de resultados inesperados nos campos de futebol do país. “Era um bola de neve”, compara o radialista. “A cada dia eu ficava mais envolvido e consciente de que não dava mais para sair”.
“A Máfia da Loteria”, como toda engrenagem mecânica e desumana, é inexorável em seu movimento em busca de dinheiro. Conta-se nesses meios, como piada, a história de Hélio Show, goleiro do ABC de Natal e hoje no Ferroviário do Ceará. Certa vez foi procurado para deixar o adversário ganhar o jogo, mas ele andara falhando na partida anterior e ficou com medo de tomar frangos novamente. Negar o pedido não podia, porque estava já por demais comprometido. Então, em desespero de causa, quebrou um taco de sinuca na cabeça de um companheiro seu, Noé Soares, dentro da concentração. Foi automaticamente afastado do time. E o ABC perdeu o jogo.
O grupo de João Nunes da Costa Filho era formado por Flávio Moreira, Alberto Damasceno, um homem chamado Garcia (o contador do grupo) e um outro, moreno e magro, conhecido por Triunfo, dono de uma loja lotérica no bairro paulistano de Pinheiros. Moreira e Damasceno encarregavam-se de fabricar resultados no Norte e Nordeste. Garcia, que dispunha de ligações no Juventus e na Ferroviária de Araraquara, fazia os jogos de São Paulo. Mais tarde, o grupo passou a contar com a colaboração de Juca Paz, ex-dirigente do São Bento de Sorocaba e um dos assessores de Alfredo Metidieri, presidente da Federação Paulista de 1977 a 1979. Com poderes de diretor, sem sê-lo, Paz montou um amplo esquema dentro da Federação para a venda de árbitros e jogos. Hoje, é um homem rico. Esse grupo, no dia 1o. de agosto de 1976, teste 297, foi o responsável pela derrota do Corinthians para o Noroeste (0x2). “O acerto foi feito pelo Garcia com o árbitro José Ubaldo Biagioni”, afirma Flávio Moreira. Ele lembra-se também de um outro teste trabalhado por Garcia – o 351, de 20 e 21/8/77. O jogo comprado foi o do São Cristóvão, que perdeu para o Madureira, em Figueira de MeIo. O jogador contatado foi o lateral-direito Júlio, que atuou depois em vários clubes, inclusive o Bangu. “Lembro bem”, diz Moreira. “O Garcia pagou Cr$ 50 mil depois do jogo”. E, enquanto os dois zebravam no Rio, Damasceno faria a vitória do América-RN sobre o ABC. “Ele afirmou que o goleiro Hélio Show e o zagueiro Pradera, um que jogou na Portuguesa de Desportos, estavam acertados”, garante Flávio Moreira.
Mas o grupo de João Nunes da Costa Filho não era o único em atividade no país. No Paraná, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Pará, quadrilhas semelhantes começam a movimentar suas engrenagens com velocidade crescente. Muitos anos antes, no início da década de 70, surgiam os primeiros indícios de que havia algo mais num cartão de Loteria do que a sorte ou o conhecimento de futebol para se chegar aos 13 pontos.
No dia 26 de setembro de 1971, por exemplo, Ézio Ferreira, um respeitado construtor de Manaus e, na época, presidente do Fast Clube, provocou a maior zebra do teste 60 ao retirar seu time de campo quando foi marcado um pênalti a favor do Goiás, que perdia o jogo por 1 x 0. A Caixa Econômica, em represália, proibiu a inclusão do Fast nos testes por quase quatro anos. Ézio, que teria feito os 13 pontos com a vitória do seu time, apenas trocou de clube e foi presidir o Rio Negro.
Mais ou menos na mesma época, no Paraná, Luís Afonso Camargo, várias vezes diretor do Coritiba, chegou a alugar um táxi aéreo para ir tentar subornar o goleiro do Juventus, de Rio do Sul, em Santa Catarina. O jogo, porém, já havia sido iniciado quando ele chegou ao estádio.
Restou-lhe apenas ficar atrás do gol juventino gritando sem sucesso.
Aqueles eram tempos de muitos riscos e improvisações freqüentes. Mais tarde, tudo isso terminou, dando lugar a uma organização profissional quase perfeita. Afinal, o investimento tornou-se muito grande para ser colocado em perigo. Luís Afonso Camargo há muitos anos não precisa mais desabalar-se em pequenos aviões para zebrar jogos, já que faz parte de um dos mais bem-sucedidos grupos em atividade no país – o do Paraná. As informações colhidas por PLACAR em várias cidades indicam que foi Aziz Domingues quem o organizou com método, discrição e ousadia.
Domingues esteve sempre muito ligado ao futebol do Paraná como diretor do Colorado. Atualmente, ele é diretor e o homem forte da Federação Paranaense de Futebol. Em 1969, porém, era um homem pobre, que vendia flâmulas aos torcedores que foram a Assunção ver a Seleção Brasileira enfrentar o Paraguai pelas eliminatórias da Copa do Mundo do México. Hoje é um homem rico, fazendeiro, proprietário de diversos loteamentos e imóveis. Recentemente, passou a jogar na Loteria Esportiva sozinho, devido aos crescentes rumores de que era um dos chefões da “máfia” e também porque, milionário, podia movimentar a complexa engrenagem sem ajuda do grupo.
Até pouco tempo, no entanto, Domingues pertencia ao grupo formado por Luís Afonso Camargo, o ex-jogador argentino e ex-técnico do Coritiba Dreyer, o comerciante Leon Barg e o técnico do Colorado Avelino de Abreu, o Mosquito. Juntos, fabricaram as maiores zebras do Sul do país, que muitas vezes foram vendidas a outros grupos, através de Leon Barg, o Leãozinho, proprietário da Casa Sartori, renomada loja de instrumentos musicais localizada no centro de Curitiba. Seus clientes mais assíduos nesse comércio de zebras são os grupos de Santos, Bahia e Rio. Pelo menos duas pessoas ouviram seu nome ser pronunciado por Fernando Osaná – o organizador do esquema baiano -, quando há dois anos precisou comprar um resultado no Paraná, durante uma reunião na Loteria Zé Carioca, em Salvador.
A especialidade de Leon Barg nos últimos anos passou a ser justamente esse comércio de zebras, na verdade um subproduto da “Máfia da Loteria”, geralmente praticado apenas por intermediários que, contratados por determinado grupo para fabricar resultados inesperados, acabam ganhando um dinheiro extra ao vendê-los para terceiros. E é esse ativo comércio paralelo que provoca o número surpreendentemente grande de ganhadores em testes reconhecidamente difíceis.
Às vezes, porém, os intermediários são fiéis, mas os donos das lojas lotéricas onde os cartões são perfurados traem a confiança dos “zebrões” e vendem para outros clientes a aposta já pronta. Para evitar esse tipo de carona por tudo indesejada, os grupos procuram jogar apenas em revendedores intimamente ligados a eles e na madrugada de sexta-feira – embora a Caixa Econômica determine que as apostas sejam encerradas nas quintas-feiras, às 22 horas. O grupo de Manaus joga na loja Riab Makarem, de Rodolpho Makarem; o da Bahia, na Zé Carioca; o do Paraná, na Pé Quente; o do Rio, na Braspânia, de Antônio Real; o de Santos, na Dois Cruzeiros, de Marcos Batata; o de Belém, na loja Mangueirão, de Pedro Hamílton Nery; e o grupo do Rio Grande do Sul jogava na loja de Carlos Duarte.
Alguns desses revendedores fazem parte ativa do esquema, como Makarem, em Manaus, Carlos Duarte, em Porto Alegre, e Pedro Hamílton, em Belém. Os outros sabem exatamente o que ocorre nas madrugadas de sexta-feira em suas lojas: os grupos reúnem-se ali para ‘fechar” os jogos e utilizam prodigamente seus telefones para contatos interestaduais. Evidentemente, nada escutam, nada vêem, nada falam, pois têm medo de perder uma gorda fatia de seus lucros semanais. “O Marcos está neste caso”, sustenta um amigo dele de Santos. Pode ser. O certo é que Marcos Batata mantém contatos constantes com Bahia, Paraná e Rio. Além disso, vangloria-se de receber ligações telefônicas de importantes políticos de Brasília, que fazem seus jogos, via DDD, na Dois Cruzeiros – uma loja aparentemente comum, localizada na avenida Ana Costa, em Santos, um ponto de movimento apenas regular, mas que surpreendentemente tem fama nacional.
Se fazer bolões em revendedores de confiança é um requisito básico de segurança para todos os grupos, há embutido o inconveniente de que bisbilhoteiros acabem com a atenção despertada pela estonteante freqüência com que acertam os 13 pontos. Para evitar isso, os “zebrões” procuram dispersar suas centenas de cartões por várias lojas, indo jogar em outras cidades ou até mesmo outros Estados. Sabe-se, por exemplo, que o grupo de Santos conseguiu fechar 22 cartões no teste 565, que pagou um prêmio de Cr$ 4 719 827,00 por aposta premiada. No entanto, quem tentar seguir a pista desses cartões se perderá, por certo, pelas cidades da Baixada Santista, do ABC e do interior paulista.
O item segurança é levado tão a sério que geralmente os cartões estão em nome de testas-de-ferro. A informação sobre os 22 cartões do grupo de Santos só vazou porque flagraram Marcos cravando a coluna 2, seca, no jogo ABC x Ferroviário – a grande zebra do teste. Quem viu, estranhou. E, estranhando, manteve-se atento.
Foi, com efeito, uma falha imperdoável, de amador. Os profissionais jamais cravam seca a coluna da zebra, justamente para evitar curiosidade.
Apesar da bobeada de Marcos, o chamado grupo de Santos tem sido um dos mais bem-sucedidos e discretos. É basicamente formado por quatro pessoas. Marcos Pereira Martins, o Marcos Batata, ex-ponta-direita do Corinthians, Boca Juniors e Seleção Brasileira; Manoel dos Santos Sá, proprietário das lojas Tintas MC, em São Paulo, e com vários negócios em Santos; Carlos Alberto Fernandes, o Fubá, dono de uma firma de despachos aduaneiros e diretor de futebol do Santos F.C.; e Raul Ragebi, que possui uma rede de lojas em São Paulo. Reúnem-se às quintas-feiras na loja do Marcos ou então no Guarujá, onde possuem casas de praia. São fortemente ligados ao grupo do Paraná, principalmente a Luís Afonso Camargo e a Oberdã Vilain, antigo zagueiro do Santos, Coritiba e Grêmio, e acusado por várias testemunhas ouvidas por PLACAR de ser o mais discreto e eficiente intermediário de zebras no Sul do País.
O grupo tem também ligações umbilicais com Alfredo Saad e Salomão Saadi (não têm parentesco entre si), que são os mais importantes organizadores e financiadores do esquema carioca, segundo denúncias ouvidas em Salvador, Rio e Santos. Na Bahia, o contato do grupo é o ex-jogador Douglas, que começou nos juvenis dos Santos e hoje é fazendeiro de cacau.
No início, o grupo jogava apenas na loja do Marcos. Mas, como passaram a ser alvo de curiosidade devido à freqüência com que ganhavam, começaram a jogar em outros revendedores da cidade, municípios vizinhos e da capital, como a loteria Danúbio Azul, de Paulo Cheung Chi Wan, o Paulo Chuzês, ex-preparador físico dos juvenis do Santos e dos profissionais do Jabaquara.
Foi ele um dos aliciadores frustrados junto aos jogadores da Portuguesa Santista no teste 558, em agosto do ano passado. Nem o seu nome, nem o do comerciante Ernesto Torre, ex-jogador de basquete do Santos, apareceram nos jornais. Um único aliciador perdeu a proteção do anonimato: Válter Ferraz de Negreiros, o Negreiros, ex-jogador do Santos e Coritiba. Mas os três foram vistos nos treinos da Portuguesa e a bordo do carro que transportou os “zebrões” por toda a cidade.
Negreiros faz ponto e joga na loja de Marcos, já tendo chegado aos 13 pontos algumas vezes. Sua fama de ”zebrão” vem desde o tempo em que jogava no Coritiba, formando num time famoso por resultados ainda hoje inacreditáveis. E amigo de Oberdã, Dreyer e Luís Afonso Camargo. Quando seu nome surgiu nos noticiários como sendo um dos aliciadores, apressou-se em pedir desculpas ao técnico Olavo, da Portuguesa, seu companheiro de time nos veteranos do Santos. “Não ganhei nada para isso. Quis apenas fazer um favor para um amigo”. Justificou-se.
Mas por que tentar subornar a Portuguesa Santista numa partida contra o Rádium, de Mococa, pela 2a. Divisão de São Paulo? E fácil explicar. A chamada “Máfia da Loteria” joga uma quantidade tão grande de cartões combinados que consegue ter nas mãos vários jogos com dez triplos, quando o máximo permitido são seis. Assim. conseguindo comprar as três partidas restantes, chamados de jogos secos, garantem matematicamente os 13 pontos. A partida entre Rádium e Portuguesa, em Mococa, seria um dos secos do teste. E tudo indica que o ”amigo” a quem Negreiros pretendia ajudar tenha viajado do Paraná. Ao prestar um favor desinteressado a ele, estaria, por tabela, favorecendo também aos grupos de Santos e do Rio, já que essas três ”famílias” trabalham constantemente juntas.
Essa união parece ficar clara nos fatos que ocorreram às vésperas da partida que o América perdeu para o Serrano por 3 x 1, no dia 18 de outubro de 1980, pelo Campeonato Carioca. Na manhã daquele sábado, Manoel dos Santos Sá e Carlos Alberto Fernandes deslocaram-se para o Rio a fim de verem o jogo, que não tinha qualquer atrativo capaz de fazer com que pessoas viajassem 500 km apenas para assistí-lo. Antes de irem ao estádio São Januário, local da partida, os dois passaram pela casa de Alfredo Saad. Segundo depoimento de Flávio Moreira, a derrota do América havia sido comprada por José Calazans, atualmente diretor remunerado do Goiás e homem de confiança de Aziz Domingues, e por Samarone, ex-jogador da Portuguesa Santista e Fluminense, hoje engenheiro do DNER no Paraná. “Fui eu quem os levou até a loja de Caio, irmão de Luisinho, centroavante do América”, informa Flávio Moreira. Uma parte do pagamento foi feita no dia seguinte, o restante ficou para ser dado após o jogo. Apesar da “inesperada” derrota do América, nada menos do que 41 cariocas fizeram 13 pontos, contra 45 ganhadores em São Paulo. Normalmente a proporção é de três premiados em São Paulo para um no Rio. Tudo leva a crer que o grupo de Santos jogou no Rio, onde existem, no mínimo, dois grupos.
O primeiro, e mais importante, teria como organizadores e financiadores Salomão Saadi e Alfredo Saad. Salomão – um festejado colunâvel da sociedade carioca – é presidente do Clube Monte Líbano. Alfredo, também famoso e amigo de Pelé, foi quem vendeu Rivelino ao futebol árabe. Tem Rolls Royce que eventualmente aluga para emissoras de televisão. Sabe-se que por muito tempo evitou ir à Bahia, onde prometiam matá-lo por causa de um não muito claro problema de jogo. É muito amigo de José Dias, dono da Sport Press.
Este grupo tem como contatos os ex-árbitros Aírton Vieira de Moraes, o Sansão, e José Aldo Pereira (aquele que levou um soco do tricampeáo mundial Brito, num Botafogo x Vasco de 1971). O primeiro esteve envolvido numa acusação de suborno na Copa do Mundo do México. Em outubro de 1979, voltou às páginas dos jornais devido ao caso de suborno de Júlio César Cosenza, numa partida entre o Dom Bosco e o Goiás, em Cuiabá. O grupo atingiu um ponto tão alto de sofisticação que, quando os testes têm jogos internacionais programados, são acionados seus contatos no exterior. Na Itália, o intermediário do grupo seria o bicampeão mundial Amarildo.
O nome de Salomão Saadi é ouvido em Santos e na Bahia sempre que se necessita de um jogo garantido no Rio para elaboração das apostas. Tudo indica que fizesse parte da lista de 29 nomes entregues à Polícia Federal por João Macedo, primo de Charles Borer e uma das testemunhas de acusação do radialista Flávio Moreira.
O outro grupo do Rio é formado por Edmundo dos Santos Cigarro, homem ligado ao Olaria; Aniz Abrão Davi, o Anísio, presidente da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, bicheiro e acusado das mortes de Luís Carlos Jatobá e Misaque José Marques; Nery José Proença, ex-árbitro, envolvido em vários escândalos de suborno; os comerciantes Manoel Rodrigues Mansur e Mário Reis; e o técnico Daniel Pinto, do São Cristóvão, que em 1975 chegou a ser eliminado do futebol por envolvimento confesso num acordo entre Vasco e Olaria – escândalo na época chamado pela imprensa de “Baririgate”.
Em pelo menos duas oportunidades, membros desse grupo chegaram a trabalhar com Flávio Moreira. A primeira foi no teste 429, de fevereiro de 1979. Dez dias antes da realização do teste, ele foi procurado por Edmundo Cigarro, que lhe pediu dois jogos para um esquema em preparação com Anísio. Flávio recebeu então Cr$300 mil para garantir a derrota do ABC para o Alecrim e do Goiás para o Vila Nova. AIberto Damasceno ficou encarregado do jogo de Natal e José Calazans aceitou fazer a derrota do Goiás. “Ele subornou o zagueiro Macalé e o meio-campista Alexandre Bueno”, afirma Flávio.
O radialista foi novamente procurado por Edmundo Cigarro três meses mais tarde, em maio. O presidente do Olaria disse-lhe que estava precisando de um jogo. “Um eu já tenho garantido”, revelou o dirigente. “O Olaria vai perder para o Botafogo.” De fato, o seu clube perdeu por 2 x 1. E, por coincidência, o goleiro era Hílton José Moura, o Mug, que um mês antes fora preso em Volta Redonda por tentar subornar os jogadores do Volta Redonda F.C. para que perdessem do São Cristóvão em casa. Junto com Mug, Manoel Rodrigues Mansur e Mário Reis foram parar na delegacia.
Acertado o preço pelo jogo pedido por Cigarro, Flávio Moreira telefonou para Pedro Hamilton Nery, em Belém, a fim de garantir a derrota do Remo para o Paysandu. “O Pedro Hamílton me disse que não tinha problema”, lembra Flávio. “Faria o acerto com o zagueiro Dutra, que já jogou no Vasco.”
Nessa época, o radialista já estava trabalhando para o grupo de Manaus, que é formado por Rodolpho Makarem, dono da loja onde os jogos são feitos; pelo engenheiro eletrônico Fernando Franco de Sá Bonfim, proprietário da Igasa – lndústrias Gerais da Amazônia S/A; pelo construtor Ézio Ferreira, ex-presidente do Fast Clube e do Rio Negro; e pelo comerciante Antônio Pi.
Em 1979, embora funcionasse com eficiência, o grupo de Manaus não possuía ainda a sofisticação de hoje. Sua rede de intermediários estende-se agora por Portugal, Itália, Argentina e Uruguai. Naquela época, não. Mesmo assim, um ano antes, no teste 376, Fernando Bonfim ganhou Cr$ 16 669 478,70 na época, o maior prêmio já pago pela Loteria Esportiva. Com isso, transformou-se em notícia nacional. Nas entrevistas que deu, deixou sempre claro que não freqüentava estádios, pois tinha hobbies mais interessantes na vida. Um deles, por certo, ganhar na Loteria.
O primeiro contato de Flávio Moreira com o grupo foi em março de 1979, no teste 436. José Calazans passou pelo Rio e lhe pediu para indicar um contato de confiança no Ceará para “fazer” o jogo Ceará e Fortaleza. Moreira sugeriu o nome de Alberto Damasceno e, em troca, Calazans deu-lhe dois jogos fechados: Rio Branco x Coritiba. e Colorado x Maringá, vitória do Colorado.
Flávio vendeu a informação para Ézio Ferreira, que a passou para Fernando Bonfim. Um dia depois da realização do teste, Flávio receberia Cr$ 200 mil através da filial da Igasa, em São Paulo. Na semana seguinte, o radialista iria a convite até Manaus, conhecendo. além de Ézio e Bonfim, Carlos Duarte, um gaúcho que trabalhava na Igasa. Hoje, Carlos Duarte está morando em São Paulo. Em Porto Alegre montou – e vendeu – uma moderníssima casa lotérica e formou seu próprio grupo, que tem como um dos membros mais atuantes o ex-piloto Getúlio Maurício Oliveira, de uma tradicional família de Pelotas.
A partir daí, Flávio Moreira, Alberto Damasceno e o empresário Janos Tatrai passaram a ser os mais importantes e ativos intermediários do grupo. Juntos fizeram o teste 450, de 7 e 8/7/79.
Tudo começou quando Flávio foi procurado no Rio por Carlos Duarte. O trabalho pedido ao radialista seria o de garantir mais dois jogos, tendo em vista que o grupo já estava de posse do terceiro – o clássico amazonense Nacional x Rio Negro. “A única colaboração que o Duarte me pediu para esse jogo foi o telefone do árbitro paulista Oscar Scolfaro. que iria apitar a partida”. conta Flávio.
Como encarregado de arranjar os outros dois jogos secos, o radialista acionou Janos Tatrai para que ele trabalhasse a vitória do Campinense contra o Botafogo, em Campina Grande, Paraíba, onde o empresário húngaro naturalizado brasileiro reside. “Na segunda-feira após a partida, mandei uma ordem de pagamento de Cr$ 100 mil para ele”. lembra Flávio.
O terceiro jogo feito pelo grupo foi a zebra Serrano 1 x O Botafogo. O próprio Flávio encarregou-se de entregar Cr$ 100 mil ao lateral-direito China e ao quarto-zagueiro René. Foi ainda o radialista quem armou a outra zebra do teste – a derrota do Atlético Mineiro para o Uberaba. “O Duarte deu Cr$ 80 mil a um cara – cujo nome me esqueci – que era amigo do velho Canor Simões Coelho. representante dos clubes mineiros no Rio”, diz ele. “Canor jamais soube disso.”
Um outro teste trabalhado pelo grupo de Manaus foi o 464, de 12 e 13 de outubro de 1979. Por intermédio de Manuel Francisco do Nascimento, o Manu, superintendente da Federação Baiana de FuteboI, eles garantiram as derrotas do Bahia para o Nacional (0 x 1), em Manaus, e do Vitória para o Cruzeiro (2 x 4), em Salvador. O dirigente baiano ficou ainda encarregado de aliciar o juíz Nei Andrade Nunes Maia, que apitou a partida Grêmio 1 x 3 América-RJ, em Porto Alegre.
Foi Manu quem colocou Flávio Moreira em contato com o esquema da Bahia, cujo organizador é o médico legista Fernando Osaná, até pouco tempo funcionário do Instituto Médico Legal de Salvador. É ele quem combina os cartões dos apostadores na Zé Carioca e transa zebras. Tem acesso a Aziz Domingues e a Leon Barg, no Paraná, e a Salomão Saadi, no Rio. Seu colaborador mais próximo é Paulo Guimarães, um ex-funcionário da Federação Baiana de Futebol. Pelo menos dois ex-presidentes do Vitória fizeram parte do grupo: Rui Rosal e Antônio Visco. Rosal, segundo informações colhidas em Salvador, fazia seus jogos em nome de Divalmiro Sales, superintendente do clube, para despistar. Num dos testes que ganhou, no início deste ano, acertou a derrota do Vitória, seu próprio clube, para a modesta Desportiva do Espírito Santo, em plena Fonte Nova. Visco era um simples corretor de imóveis quando assumiu a presidência do clube. Hoje, possui fazendas de gado e cacau e mora num lu-xuosíssimo apartamento de cobertura.
Como financiadores – pessoas que entram com o dinheiro para a fabricação de zebras – o grupo conta com Herman Ferreira Lopes (uma testemunha o definiu como médico, zebrão, capoeirista, boêmio e tocador de atabaque”), e dois comerciantes de autopeças conhecidos por Luís e Urbano.
Há quem diga que por trás dos cartões premiados de Antônio Visco e Divalmiro Sales estaria Benedito Dourado da Luz, diretor financeiro de uma grande construtora nacional. Foi ele quem, em 1980, como diretor de futebol do Vitória, gastou cerca de Cr$ 30 milhões para que o seu clube voltasse a ser campeão baiano, coisa que não acontecia há sete anos.
Testemunhas atestam que uma auditoria recente no clube chegou bem próximo a essa cifra. Mais: encontrou-se nomes dos beneficiados pela prodigalidade de Benedito Dourado da Luz e Antônio Visco, que subornaram juízes e jogadores adversários para o Vitória poder assim chegar ao título – e provocaram, ao menos indiretamente, zebras estonteantes na Bahia naquele ano.
Do esquema baiano fazem parte ainda os ex-jogadores Douglas e Sapatão, como intermediários. Sapatão, em julho do ano passado, por pouco não foi preso no Ceará por tentativa de suborno junto aos jogadores do Fortaleza para que perdessem a partida contra o Guarany de Sobral, no jogo 7 do teste 557. Os jornais na época ligaram Sapatão a “um grupo com escritórios em São Bernardo do Campo ou São Paulo”. Na verdade, ele estava em Fortaleza a pedido de Fernando Osaná – um homem com um círculo de amizades muito grande entre os jogadores de todo o Brasil, embora jamais tenha estado ligado oficialmente ao esporte.
Flávio Moreira assegura que Osaná foi um dos poucos que conseguiu subornar o meio-campista Carlos Alberto Pintinho, que hoje atua no Sevilla, da Espanha. Rubens Galaxe e Tadeu, companheiros de Pintinho em seus tempos de Fluminense, seriam também jogadores aos quais o médico legista baiano teria acesso tranqüilo para a manipulação de resultados. Há informações de que a recente derrota do Fluminense para a Portuguesa carioca foi provocada por ele, da mesma maneira como havia conseguido zebrar a partida Campo Grande 2 x O Fluminense, no dia 23 de agosto de 1981. “Ele esteve hospedado no Apa Hotel, no Rio”, historia Flávio Moreira, “e me garantiu que havia feito trabalho em cima de Galaxe e Tadeu para o Fluminense perder.”
Osaná tem ainda um contato importante no Espírito Santo: o empresário de futebol Lélio Borges, que morou em Salvador por todo o ano de 1980. Ele pertence ao grupo capixaba, que tem como envolvidos Ebes Lima Guimarães, ex-presidente da Federação do Espírito Santo, e Dário Cruz, ex-diretor de árbitros da entidade. Foi ele quem comprou o goleiro Salvino, no teste 491, de 20 de abril de 1980, para que o Ferroviário do Ceará perdesse para a Desportiva do Espírito Santo. Salvino hoje joga no Fortaleza.
Flávio Moreira trabalhou ainda para grupos menores, como o de Belém, constituído por Pedro Hamílton Nery, proprietário da loja Mangueirão, e pelo pai do atacante Bebeto, um contrabandista chamado Umbelino. Nery, na maioria das vezes, vende o jogo de Umbelino para Rômulo Maiorana, proprietário de um jornal de Belém. “Ele não arma, não se envolve, apenas pega carona no jogo”, explica Flávio. “Por isso é que o pessoaI de Manaus é desconfiado e só fecha as apostas sexta-feira pela manhã.”
Em Pernambuco, ele fez algumas zebras para Clélio Falcão, que é ligado ao Sport Recife. Uma vez ele deixou de pagar Cr$ 600 mil a Fernando Osaná, que subornara o lateral Romero, do Náutico, a seu pedido.
A conversa fora gravada, mas nem mesmo ao ouvir uma cópia Clélio Falcão se dispôs a pagar. Como Flávio Moreira gosta de dizer, “mutreta não tem prova”. Mesmo quando ela existe, como no caso da fita gravada por Osaná, não serve para nada, já que acusar é como assinar a própria confissão. Flávio Moreira acusou e assinou sua confissão, pois deixou de fazer parte do esquema no momento em que Charles Borer o acusou em outubro do ano passado de pertencer a “Máfia da Loteria”.
Ela agora tem nomes, rostos e endereços. Não há mais razão, portanto, para que deixe de ser punida.
Uma seleção de envolvidos: Mazaropi, Jairo, Orlando, Marco Antônio, Toinho, Joãozinho, Daltro Menezes…
Depois de viver quase sete anos intimamente ligado à “Máfia da Loteria”, o radialista Flávio Moreira prestou um longo depoimento a PLACAR. Foram quase nove horas de gravação, durante as quais ele apontou todos os nomes de jogadores, árbitros e técnicos que soube um dia estarem envolvidos com os “zebrões”. Aqui, a lista completa das pessoas citadas por ele:
Joel Mendes – “É um goleiro que se vende. E só encostar”.
Jairo – “Sim, se vende. Dizem que saiu do Corinthians porque o Vicente Matheus descobriu que se vendia”.
Bolão (Luís Carlos de Oliveira) – “O pessoal do esquema me pedia sempre para que eu incluísse jogos dos juvenis do Matsubara nos testes de início de ano. Do Matsubara e do Atlético Mineiro. O Bolão, técnico do time paranaense, já trazia tudo armado”.
Daltro Menezes – “Vou dizer sem medo: é um dos maiores gaveteiros do futebol brasileiro. Gosta de trabalhar com jogadores que se vendem, como o goleiro Vandeir”.
Toinho – “Ele foi jogador do Tatrai. Inclusive ele foi trazido para o São Paulo pelo húngaro. Dizem que o Tatrai chega nele”.
Tobias – “Esse é garantido. O Castor de Andrade (presidente do Bangu) descobriu que ele se vendeu num jogo contra o Vasco no ano passado”.
Joãozinho – “Esse Joãozinho, do Santos, é o mesmo que jogou no Vitória? Se for, é de jogada”.
Marco Antônio Feliciano – “Em um teste no ano passado, o 532, o Bangu foi jogar em Salvador contra o Vitória. O Fernando Osaná me garantiu que acertara tudo com Marco Antônio, Tobias e o lateral Júlio. O Vitória ganhou de 2 x O. Castor de Andrade sabe que ele é jogador que se vende”
Orlando Lelé, ex-Vasco, Coritiba, Udinese e Seleção Brasileira – “É de jogada”.
Renê – “Fiz um teste com ele e com o lateral China. O Botafogo perdeu para o Serrano naquele dia por 1 x O”.
Gaúcho Lima – “Quando meu caso estourou, telefonei para ele e disse que se eu fosse para o buraco levaria todo mundo comigo. Ele respondeu que ficasse tranqüilo. A partir daí, o Botafogo perdeu três partidas seguidas. Para o Americano, Campo Grande e para o Flamengo, de 6 x O”.
Mílton Buzetto – “Uma vez o presidente do Goiás, Judet Sebah – ou o Carlos Chaer – ligou para mim na Sport Press pedindo para que não colocasse mais o seu clube na Loteria. Perguntei por que e ele me disse que havia gente vendendo seus jogos. Liguei para o Tatrai, que falou com o Juca Paz, em São Paulo, e descobri que quem vendia os jogos do Goiás eram o técnico Mílton Buzetto e o Alexandre Bueno”.
Duílio – “No time atual do América do Rio só tem ele e o Luisinho Tombo de mutreteiros. Quem faz é o pessoal do Paraná”.
Osires – “Do Cruzeiro, jogou no Fortaleza. É de transação”.
Zé Maurício – “Goleiro que foi do América Mineiro. Tatrai já chegou nele”.
Maurílio José Santiago -“Tatrai faz com ele”.
Paulo Maurício – jogou no América do Rio. Quando o pessoal do Vitória da Bahia me pediu ajuda para ser campeão, eu respondi que não adiantava nada montar esquema se no time havia jogador que se vendia. O diretor Benedito Dourado da Luz escutou no telefone o que Tatrai disse do moço”.
Zê Augusto – “Ele só aceita ser comprado pelo Sapatão. Se qualquer um outro chegar, diz que não faz mutreta. O Washington Luís é igual”.
Valquir Pimentel – “Sei que foi feito um jogo com ele, mas não era Loteria. Foi CSA x Ferroviária-SP, pela Taça de Prata. Recebeu Cr$ 150 mil e expulsou o zagueiro Samuel, da Ferroviária”.
César, emprestado pelo Corinthians ao Juventus – “Quando era goleiro do CRB, na decisão do Campeonato Alagoano de 1980, foi comprado pelo presidente do CSA, João Lyra, por intermédio do Tatrai”.
Paúra, ex-Madureira e Rio Branco, de Vitória – “É de transação. Quem recebe o dinheiro é a mulher. Cuidado, ela é advogada”.
Luisão – “E aquele que está no Bangu e andou pelo Santos. É do esquema”.
Biluca, ex-Coritiba e Operário-MT – “Muito ligado ao Todé, empresário que esteve envolvido naquele escândalo do juiz Dulcídio Vanderlei Boschilla. É mutreteiro”.
Tadeu Macrini – “Ixe! Chega”.
Carlos Valente – É árbitro capixaba. Aceita acordo”.
Clinamulte Vieira França – “Qualquer um da Bahia chega nele”.
Edson Cimento – “O Pedro Hamílton fazia com ele, na época em que jogava na Tuna, em Belém”.
Reginaldo – “É um goleiro do Clube do Remo que saiu do Santa Cruz por causa de mutreta”.
Celso – “Jogou no Fortaleza, no Botafogo de Ribeirão Preto e agora está no Vasco. É de jogada”.
Jorge Luís Cocota – “O Ceará uma vez empatou em 0 x 0 com o Quixadá. Ele bateu duas vezes um pênalti e não marcou. Havia sido comprado pelo Fernando Osaná”.
Eraldo – “Até agora não sei como o Fluminense o comprou do América. Todo mundo sabe que gosta de grana. Num jogo contra o América de Minas, no Maracanã, ele havia sido comprado pelo Calazans”.
Gélson – “Acabou proibido de entrar no Vitória depois de franguear contra o Bahia, num jogo armado pelo Alberto Damasceno”.
Zezinho Figueiroa -‘”Foi com ele que armei aquele Botafogo 3 x 1 Vasco e que acabou sendo o pivô do escândalo envolvendo o meu nome, pois o Borer não quis pagar”.
Luís Antônio – “Foi goleiro do Bahia. No teste 368. fizemos acordo com ele”.
Juci – “E um beque lourão que jogou no Itumbiara e Anapolina. Fizemos com ele também no teste 368”.
Celso Augusto – “Lateral-direito que jogou no Vasco e no América-MG. Teria sido o contato de Edmundo Cigarro no jogo América-MG 0 x 5 Cruzeiro, no teste 429”.
Tião – “O Castor comprou-o da Ferroviária para substituir o Tobias. Só que ele também é de jogada”.
Dico – “O Pedro Hamílton subornou esse goleiro e o Dutra para que o Remo perdesse do Botafogo, no teste 483”.
Ademir – “Jogava no Itabuna em 1980. Eu e o Tatrai lhe demos Cr$ 100 mil para ser expulso ou fazer um gol contra no jogo contra o Vitória, teste 515. Foi expulso”.
Luís Antônio – “Esse é outro, goleiro do Cruzeiro. Calazans fez com ele e com o Zezinho Figueiroa o empate do Cruzeiro com o Sampaio Correia, no Mineirão”.
Marcelo – “No teste 532, o Flamengo era um dos secos do Fernando Osaná. Para não haver surpresa em Aracajú, comprou esse goleiro do Itabaiana”.
Luís Carlos Félix -“Nas eliminatórias da Copa do Mundo deste ano, recebi Cr$ 100 mil para colocá-lo em contato com o Vitorino Vieira, um ex-radialista carioca, que queria armar com ele a classificação da Seleção Peruana”.
Mazaropi – “É de transa. Quem faz com ele é o José Calazans, que me disse uma vez que é um jogador muito caro. Fizeram com ele o jogo Vasco O x 1 Bahia, no Maracanã, em 1976”.
Conquista da Copa anistiou 38 condenados
Poolo Rossi tinha 23 anos quando cometeu a grande bobagem de sua vida. Maior jogador italiano já àquela época, defendia o Perugia, modesta equipe da divisão A. Convidado por um colega de time a ”colaborar na fabricação de um resultado” , Rossi aceitou, com uma condição: teria de marcar dois gols, o que consolidaria sua liderança como artilheiro do campeonato de 1979.
O bookmaker Álvaro Trinca, ao ser informado pelo zagueiro Della Martira da exigência, concordou sem problemas. Apenas tratou de avisar os jogadores Stefano e Claudio Pellegrini, Salvatore Di Somma e Cattaneo, todos do Avellino, para que o time também fizesse dois gols. Dessa maneira, daria empate.
Numa véspera de Ano Novo, 30 de dezembro de 1979, Avellino e Perugia empataram em 2 x 2. Além de artiIheiro da partida, Paolo Rossi embolsou um cheque de dois milhões de liras, valor que atualizado ao câmbio de hoje representaria cerca de 285 mil cruzeiros. Seu cúmplice Della Martira ficou com 1,1 milhão de cruzeiros – e essa desproporção na partilha do suborno dá bem a medida da bobagem cometida por Paolo Rossi, que aliás faturava o suficiente com o futebol para não precisar se vender por tão pouco.
O empate entre Avellino e Perugia, mais um famoso Milan 2 x 1 Lazio (6/1/1980) – afora outras duas dezenas de resultados comprovadamente manipulados por bookmakers, através do suborno de jogadores e dirigentes -, constituíram o chamado ”Escândalo do Totonero”. Funcionando à sombra da loteria esportiva convencional, o totonero recolhia apostas entre sextas e domingos. O dinheiro, é claro, ficava nas mãos dos banqueiros; cada apostador podia cravar um ou vários jogos do teste previsto; os prêmios eram pagos na segunda-feira seguinte. Com uma rede de agentes calculada em três mil pessoas, o totonero movimentava, dois anos atrás, em torno de 270 milhões de cruzeiros semanais – dez por cento dessa quantia representava o lucro dos banqueiros.
A inconfidência de Álvaro Trinca, um bookmaker que se indignou por não ver respeitados alguns acertos com jogadores, fez estourar o escândalo. Rossi era apenas o mais famoso dos 38 personagens envolvidos – entre os quais os também craques de seleção Enrico AIbertosi, Bruno Giordano e Giuseppe Savoldi. Alguns foram detidos durante o processo e todos foram condenados a penas que variaram de um ano de suspensão à eliminação pura e simples do futebol profissional.
Coube a Paolo Rossi. entretanto, reabilitar a honra dos jogadores – Após cumprir 23 meses de suspensão, voltou a jogar em fins de abril passado, chegando a participar das partidas finais do Campeonato Italiano, pela Juventus, que o contratara ao Perugia em julho de 1981. Convocado para disputar a Copa, seus gols foram decisivos para a conquista do tricampeonato mundial – e para o decreto de anistia que foi assinado semanas depois.
O escândalo do totonero foi esquecido. Agora, todos têm chance de acertar outra vez.