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Em 2005, PLACAR divulgou dossiê sobre a Máfia do Apito

Em meio às chocantes revelações da Operação Penalidade Máxima, blog #TBT PLACAR relembra escândalo que abateu o Brasileirão há 18 anos

O futebol brasileiro vem sendo abalado nos últimos dias com os novos desdobramentos da Operação Penalidade Máxima, que investiga um esquema de manipulação de resultados ligado a apostas esportivas, em jogos do Campeonato Brasileiro das Série A, B e campeonatos estaduais. Jogadores de grandes clubes do país estão entre os réus e o número de acusados pelo Ministério Público de Goiás não para de crescer.

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PLACAR de novembro de 2005 detalhou a Máfia do Apito
PLACAR de novembro de 2005 detalhou a Máfia do Apito

Casos como este não são novidade no país. Há mais de quatro décadas, PLACAR desvendou a Máfia da Loteria Esportiva. Após 12 meses de apuração, o repórter Sérgio Martins revelou o envolvimento de 125 acusados, entre árbitros, jogadores e cartolas, incluindo dois campeões mundiais pela seleção brasileira. Já em 2005, o Brasileirão foi abalado pela chamada Máfia do Apito, que levou à anulação de 11 jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho. O escândalo foi revelado pela revista VEJA, em reportagem escrita por André Rizek, em setembro daquele ano.

Dois meses depois, Rizek escreveu mais uma reportagem de capa sobre o caso, desta vez para PLACAR, um dossiê completo sobre a Máfia do Apito. Ao contrário do atual imbróglio, que investiga ações de diversos atletas, como a ocorrência de pênaltis, cartões amarelos e até escanteios, em 2005 eram árbitros e assistentes que estavam no olho do furacão.

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O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um dos tesouros de nossos 53 anos de história, transcreve os principais trechos da matéria, abaixo:

Tira-Dúvidas

A máfia do apito, detalhe por detalhe
Saiba, em 11 perguntas e respostas, tudo o que aconteceu e ainda pode acontecer no escândalo de arbitragem que manchou o futebol brasileiro

André Rizek

A Descoberta das falcatruas de Edílson Pereira de Carvalho foi apenas o apito inicial de um jogo sujo e antigo. Nas próximas páginas, Placar disseca o estrago das arbitragens no Brasileirão-2005, na Série B e até na “Era Parmalat”

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1 – Por que todos os 11 jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho no Brasileiro foram anulados?
Luiz Zveiter, presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, procurou os promotores José Reinaldo Guimarães Carneiro e Roberto Porto, que cuidam das investigações sobre a Máfia do Apito, dois dias depois da prisão de Edílson, no dia 26 de setembro. Esperava receber uma lista detalhada do Ministério Público, contendo quais jogos foram vendidos e quais estariam limpos. A resposta que recebeu o deixou sem reação. “Dissemos que, na visão do MP, todos os jogos que esses caras apitaram em 2005 estão contaminados”, diz Carneiro. Ele explicou que não era missão do MP listar os jogos efetivamente vendidos, mas, sim, levantar provas da ação criminosa do bando, o que já estava feito. Depois, Zveiter foi à carceragem da Polícia Federal ouvir o que o ex-árbitro tinha a lhe dizer. Tinha a esperança de que o próprio Edílson pudesse lhe esclarecer quais jogos foram, de fato, fraudados. A conversa aconteceu dentro na sala do superintendente da polícia. Edílson sentou-se na ponta de uma mesa oval, como se estivesse chefiando a reuinão. Desandou a falar sobre sua participação na Máfia do Apito. Parecia até orgulhoso da fama. O presidente do STJD concluiu que era impossível aproveitar seu depoimento para tomar uma decisão sóbria sobre o que fazer com os jogos. Como o calendário do campeonato exigia uma solução rápida, por causa da disponibilidade de datas para refazer os jogos, Zveiter chamou para si a responsabilidade e concedeu a liminar que anulou os 11 jogos.

2 – Mas existem provas de que todos os jogos estejam contaminados?
Não existem. As escutas telefônicas feitas pela polícia começaram apenas no dia 2 de agosto, quando Edílson já havia apitado 20 das 26 partidas em que trabalhou este ano e Danelon, 14 dos 15 jogos. Estavam grampeados os telefones dos apostadores Nagib Fayad, o Gibão, líder da Máfia, e de um de seus sócios, o advogado Daniel Gimenes, além dos números dos dois árbitros. As escutas mostram que Edílson fraudou a partida Vasco 2 x 1 Figueirense, no dia 7 de agosto, e tentou fraudar, sem sucesso, Juventude 1 x 4 Figueirense, no dia 24 de julho, e Santos 4 x 2 Corinthians, em 31 de julho (apesar de as datas serem anteriores ao começo das escutas, em agosto os criminosos ainda conversavam sobre os jogos passados). Curiosamente, foram apenas estas as partidas que Edílson confessou ter vendido em seu depoimento à polícia. As gravações ainda mostram que o ex-juiz se ofereceu para fraudar Inter 3 x 2 Coritiba, São Paulo 3 x 2 Corinthians e Fluminense 3 x 0 Brasiliense, mas não está claro se houve ou não acerto com os bandidos. Nas duas primeiras, o site Aebet, que era usado para fazer as apostas de maior valor da Máfia, não cotou os jogos, pois já estava desconfiado do esquema.

3 – Se não há provas, por que os promotores julgam que todas as partidas estejam contaminadas?
Porque há vários indícios que mostram que Edílson mentiu à polícia e ao MP quando confessou sua participação apenas nestes três jogos. “Não existe alguém que seja meio corrupto, que aceita vender um jogo e se negue a fazer parte do esquema na partida seguinte”, diz o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro. O fato de o site Aebet não ter cotado alguns jogos de Edílson também não era problema para Gibão. O líder da Máfia do Apito ” descobriu-se após a sua prisão ” mantinha uma própria banca de apostas e disse aos promotores que, se o Aebet fechava apostas nos jogos de Edílson, sempre era possível achar algum outro site que as aceitasse. “Lugar onde apostar não é problema.” E tem mais: Gibão disse em seu depoimento estar desconfiado de que o próprio Edílson fazia apostas, ou seja: vendia a vitória de um time para Gibão e apostava ele próprio na vitória do adversário. Nenhuma das 11 partidas apitadas por ele acabou em empate. Gibão, porém, confessou o acerto com Edílson também apenas em três jogos.

4 – Edílson fazia jogo duplo mesmo?
O computador do ex-juiz foi apreendido e, até agora, a perícia não revelou que Gibão tinha razão. Mas, como Edílson tinha amizade com criminosos de Jacareí, os promotores afirmam: “Não descartamos a hipótese de jogo duplo, financiada por outros bandidos que não faziam parte do esquema de Gibão”. Mas “não descartar” é bem diferente de estar provado.

5 – Zveiter foi coerente?
Não. Pelo menos até o fechamento desta edição. Se o presidente do STJD aceita a tese de que todos os jogos apitados pelos juízes estão contaminados, como explicar que simplesmente nenhuma medida foi tomada em relação aos quatro jogos apitados por Danelon na Série B?

6 – Mas por que anular jogos, como Juventude 1 x 4 Figueirense e Santos 4 x 2 Corinthians, nos quais as escutas mostram que Edílson não conseguiu fazer o resultado planejado?
Além do “não descarte ao jogo duplo”, a Justiça Desportiva prevê anulação de jogos em que o juiz tenha, comprovadamente, alterado o resultado. Aí, cabe uma interpretação da lei: entrando em campo predisposto a favorecer uma equipe, Edílson pode ter alterado, sim, o placar dos jogos. Por exemplo: ele tentou favorecer o Juventude contra o Figueirense (reconheceu que marcou até um pênalti inexistente para o time de Caxias nesta partida, que acabou desperdiçado). Em vez de 4 x 1 para a equipe de Santa Catarina, o jogo poderia ter terminado 6 x 1, 8 x 2. Como saldo de gols é critério de desempate, a partida também fica “contaminada”. Sem falar nos cartões indevidos que pode ter distribuído.

7 – Danelon fraudou também a Série B?
Ele disse que fez parte do esquema no primeiro semestre, durante o Paulista, mas se recusou a continuar vendendo jogos na Séria B do Brasileiro. O MP sabe que ele mentiu. Antes de as escutas começarem, a revista Veja apurou que a partida Portuguesa 0 x 4 Ituano, em 10 de junho, pela Segundona, foi fraudada pelo ex-juiz. Ele também negociou para fraudar Ituano x Marília, dia 13 de junho (terminou 2 x 1 para o Ituano), mas as investigações não concluíram se houve acerto.

8 – O que aconteceria se os jogos apitados por Danelon na Série B fossem anulados?
Uma confusão ainda maior do que na Série A. O rebaixamento do Vitória poderia ser cancelado. Por isso, a Federação Bahiana é a maior interessada em anular os jogos. Zveiter ainda não tomou uma posição.

9 – O árbitro Héber Roberto Lopes também estava no esquema?
O nome do juiz foi citado por Gibão em depoimento à CPI dos Bingos como alguém que seria “caseiro”, ou seja, favoreceria os times mandantes. Por isso, Edílson teria lhe dado a dica para apostar na coluna 1 em Botafogo x Juventude. Daí a dizer que ele faz parte do esquema, ou seja, recebeu dinheiro para fabricar resultados, vai uma longa distância. Seu nome não aparece nas escutas telefõnicas feitas pela PF.

10 – Por que os jogos do Paulista apitados pela dupla tiveram uma decisão completamente diferente: uma comissão analisou jogo por jogo para decidir qual deve ser anulado?
Porque as decisões sobre os campeonatos estaduais são tomadas, em primeira instância, pelos Tribunais de Justiça Desportiva de cada estado ” se algum clube recorrer, o caso vai para o STJD, no Rio, que dá a palavra final. O TJD de São Paulo entendeu que montar uma comissão, presidida pelo ex-árbitro Sidrack Matrinho, seria a melhor solução. A primeira idéia de Zveiter era fazer o mesmo com o Brasileiro. Mas a comissão designada para a tarefa, presidida pelo também ex-árbitro Léo Feldman, concluiu que era impossível chegar a alguma decisão razoável analisando os teipes. Outra diferença entre as decisões do tribunal de Zveiter e o da Federação Paulista é que, para o segundo, a palavra de Edílson e Danelon deve ser levada a sério na hora de separar quais jogos foram fraudados e quais não foram.

11 – O que pode acontecer no Paulista?
Os jogos apitados pela dupla poderiam alterar apenas o rebaixamento. O título do São Paulo, que terminou com oito pontos de vantagem sobre o segundo colocado, não estaria em risco.

Os jogos manchados pela Máfia do Apito em 2005
Os jogos manchados pela Máfia do Apito em 2005
Os jogos manchados pela Máfia do Apito em 2005
Os jogos manchados pela Máfia do Apito em 2005

 

“Bruxo” liderava esquema de uma década

Nem todos os árbitros acusados de manipular resultados no futebol paranaense foram banidos, como Edílson, mas o escândalo pode ter infectado a Série B

Evandro Rogério Roman
Evandro Rogério Roman

O apelido do Operário Ferroviário, o segundo clube mais tradicional do Paraná, é Fantasma. E foi do clube de Ponta Grossa que nasceu a assombração que trouxe à tona o mais escandaloso esquema de corrupção de arbitragem no futebol paranaense. Em 28 de agosto, no programa Histórias do Esporte, da ESPN Brasil, o então presidente do Conselho Deliberativo do Operário, Sílvio Gubert, deu uma declaração bombástica. Referindo-se a um personagem que atendia pelo apelido de “bruxo”, ele disse que, para um clube conseguir ter alguma chance de subir da segunda para a primeira divisão, precisava contribuir com, no mínimo, dois mil reais para um “caixa dois” da máfia do apito.

A declaração de Gubert desencadeou a abertura de um inquérito no Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paranaense. As investigações revelaram um esquema que seria praticado há pelo menos 10 anos por uma quadrilha.
As informações apuradas foram inconclusivas para se dizer com exatidão quantos árbitros participaram do esquema, mas revelaram, pelo menos, os cabeças da máfia.

Foram citados como os líderes da quadrilha os seguintes árbitros: José Francisco de Oliveira, Carlos Jack Rodrigues Magno, Antônio de Oliveira Salazar Moreno, Marcos Tadeu Silva Mafra e Sandro César da Rocha, além do presidente do Sindicato dos Árbitros de Futebol do Paraná, Amoreti Carlos da Cruz. Todos agiriam em conluio com o diretor- administrativo da FPF, José Johelson Pissaia ” braço direito do presidente da federação, Onaireves Moura. Dos denunciados, um foi réu confesso: José Francisco de Oliveira. Morando atualmente em Londres, ele confirmou o esquema. “O dinheiro a gente pegava em envelopes entregues pelos dirigentes dos clubes. Daí, levava para o Johelsson Pissaia e ele fazia o rateio. Esse é o bruxo-mor”, disse o ex-árbitro.

Único dos árbitros citados no inquérito a ser condenado no julgamento de 10 de outubro no TJD (o árbitro Evandro Rogério Roman, do quadro principal da CBF, depôs contra os colegas, confirmando o esquema), José Francisco de Oliveira se disse indignado com a absolvição dos outros “envolvidos”. E fez mais denúncias, que respingaram no presidente da FPF.

Isso levou o procurador do TJD-PR, Davis Bruel, a pedir a anulação do julgamento que absolveu os demais envolvidos no imbróglio. Pressionado, o tribunal se reuniu novamente em 18 de outubro e também baniu do futebol José Johelsson Pissaia, Sandro da Rocha, Marcos Mafra e Antônio Salazar Moreno.

É bem provável, porém, que a Federação Paranaense pressione o STJD, assim como fez com o TJD e a CBF. Motivo: vários árbitros envolvidos atuaram em jogos da Série B deste ano. Se o caso ganhar contornos nacionais e vier à tona alguma suspeita de manipulação de resultados, a competição correria o risco de ser anulada.

A dupla Ba-Vi, rebaixada para a Série C de 2006, acompanha de perto o escândalo de corrupção no Paraná. “Soubemos que árbitros do Paraná, que apitaram jogos na Série B, foram afastados por suspeita de fraudes e queremos ver se não houve desdobramento disso na Série B”, disse o advogado do Vitória, Manoel Machado. Sinal de que o “bruxo” detinha poder capaz de fazer assombração até na terra de todos os santos.

Leite Azedo

Paulistão-93
A volta de um velho fantasma

As investigações da máfia do apito respingam até no suposto “esquema-parmalat”. e o ministério público quer transformar pressão nos árbitros em crime

Reportagem relembrou final do Paulista de 1993
Reportagem relembrou final do Paulista de 1993

Faz 12 anos que os corintianos choram a perda do Paulista de 1993. “Esquema Parmalat!”, dizem, em referência ao patrocinador que estampava a camisa do Palmeiras, equipe que ficou com a taça após vencer o Corinthians por 4 x 0 (3 x 0 no tempo normal e 1 x 0 na prorrogação), na partida decisiva da final. O Palmeiras era dirigido por Vanderlei Luxemburgo e tinha um timaço: Roberto Carlos, César Sampaio, Mazinho, Zinho, Evair, Edmundo… O jogo, como sugere o placar, foi mesmo um massacre. Mas, 12 anos depois, Placar colheu fortes indícios de que, além da indiscutível vantagem técnica, o Verdão, para sair do jejum de títulos, também teve um empurrãozinho da Federação Paulista Futebol.

A versão, sustentada até hoje pelos dirigentes, é que o juiz escolhido para aquele jogo saiu em um sorteio, envolvendo os árbitros José Aparecido, Oscar Roberto Godói, João Paulo Araújo e Dionísio Roberto Domingos. Placar não ouviu Domingos. Mas os outros três foram categóricos em dizer: Aparecido foi escolhido (supostamente por Reinaldo Carneiro de Bastos que até este ano comandava a arbitragem em São Paulo e que está sendo investigado pelo Ministério Público), e não sorteado pela Federação.

“Eu cheguei a estar previamente escalado. Mas fiquei de fora porque nunca tive padrinho dentro da Federação, nunca me submeti a nenhum tipo de pressão de dirigentes”, disse João Paulo Araújo, em entrevista gravada à Placar. “Antes do jogo, falaram coisas para o Aparecido, sobre como ele deveria atuar no jogo. Eram coisas que ajudariam o Palmeiras”, diz João Paulo, que é amigo de Aparecido. Segundo ele, o juiz teria sido orientado a ser “muito rigoroso” com os cartões e marcações de faltas. Isso, na visão de João Paulo, serviria para ajudar justamente a equipe mais técnica entre os dois adversários: no caso, o Palmeiras.

Aparecido confirma a versão, que lhe pediram mesmo para ser extremamente rigoroso (um pedido que, curiosamente, não havia sido feito antes da final, ao longo do campeonato). “Me disseram que era para apitar como se fosse a última partida da minha vida, que não era para eu deixar passar nada.” O juiz, porém, nega que isso tenha sido dito para favorecer o Palmeiras. “Fui escolhido por ter fama de disciplinador mesmo.”
Escolhido? Mas não foi um sorteio, como divulgou a Federação na época? “Sim, foi sorteio. Eu mesmo fiz, com o Ilton José da Costa”, diz Emídio Marques ” os ex-árbitros Costa e Marques faziam parte de uma comissão de “notáveis”, que escolhia os juízes. Usaram bolinhas de bingo, teve testemunha? “O sorteio foi na papelzinho mesmo”, diz.

Aparecido foi “muito rigoroso” mesmo com o zagueiro Henrique, do Corinthians, que acabou expulso aos 39 minutos do primeiro tempo. No lance seguinte, porém, aos 41, o mais polêmico de toda a partida, não teve o mesmo critério: Edmundo entrou forte no corintiano Paulo Sérgio na lateral do campo. Carrinho duríssimo. Levou só o amarelo. “É que eu não vi esse lance de frente. Reparo muito na expressão dos jogadores antes de marcar alguma coisa. A expressão do Paulo Sérgio não indicou que foi falta para expulsão. Se eu tivesse visto de frente, teria expulsado o Edmundo com certeza”, diz Aparecido.

Ele jura que pressão de dirigente, só recebeu de Ivens Mendes, ex-diretor de arbitragem da CBF, em 1997, para facilitar a vida dos argentinos na CBF (esquema desvendado por Placar na época), mas afirmou que esse tipo de coisa sempre existiu dentro da Federação Paulista. “Juiz nenhum, em começo de carreira, tem coragem de dar um pênalti contra o Corinthians no Pacaembu. Se fizer isso, não apita nunca mais.”

Pressão sobre juiz é crime?
A decisão de 1993 entre Corinthians e Palmeiras voltou à tona por conta das investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Convictos de que os dirigentes dos clubes, e sobretudo das federações, fazem pressão para que juízes protejam algumas equipes, eles tentam agora transformar “pressão em árbitros” em crime. Agora, pela primeira vez, o assunto vai ser investigado de forma oficial. E um dirigente já é suspeito: o vice-presidente da Federação Paulista, Reinaldo Carneiro Bastos, que atua há mais de 15 anos de entidade.

O Ministério Público de São Paulo abriu um Procedimento Criminal Administrativo (equivalente a um inquérito) para investigar denúncias de árbitros contra ele. Não são apenas as declarações de Danelon e Edílson, cujas palavras, agora, têm pouca credibilidade. Outros árbitros e assistentes forneceram informações segundo as quais Bastos exerceria pressão sobre a arbitragem antes de algumas partidas, recomendando que estes “olhassem com carinho” a situação de determinadas equipes. A partir da semana que vem, estes juízes serão chamados para confirmar suas acusações em juízo. O árbitro paranaense Héber Roberto Lopes, citado indiretamente por Gibão em seu depoimento à CPI dos bingos, também será intimado a depor nesse novo tipo de inquérito.

“Pressão sobre a arbitragem”, em princípio, não se encaixa em nenhum crime previsto no nosso Código Penal, mas o MP já o classifica como violação ao Código do Torcedor. Assim, caso seja indiciado, Bastos e eventuais outros dirigentes responderiam a, pelo menos, um processo civil. Muita lama ainda virá pela frente.

A Ficha da decisão
12/junho/1993
CORINTHIANS 0 x 4 PALMEIRAS
Local: Morumbi (São Paulo); Juiz: José Aparecido de Oliveira; Público: 104 401; G: Zinho 36 do 1º; Evair 28 e Edílson 38 do 2º; Evair (pênalti) 10 do 1º tempo da prorrogação; E: Henrique, Ronaldo, Tonhão e Ezequiel
PALMEIRAS: Sérgio, Mazinho, Antônio Carlos, Tonhão e Roberto Carlos; César Sampaio, Daniel Frasson, Edílson (Jean Carlo) e Zinho; Edmundo e Evair (Alexandre Rosa). Técnico: Vanderlei Luxemburgo
CORINTHIANS: Ronaldo, Leandro Silva, Marcelo, Henrique e Ricardo; Ezequiel, Marcelinho Paulista, Paulo Sérgio e Adil (Tupãzinho, depois Wilson); Viola e Neto. Técnico: Nelsinho Baptista

A anatomia de um jogo suspeito
1 – Por que a arbitragem de José Aparecido foi tão contestada? Confira os lances decisivos da partida:
– 37min do 1º tempo: Zinho faz 1 x 0 Palmeiras
– 39min do 1º tempo: Henrique é expulso, após falta em Edílson. Ele leva o segundo amarelo
– 41min do 1º tempo: Edmundo dá um carrinho perigosíssimo em Paulo Sérgio na lateral do campo, aos pés do auxiliar Oscar Roberto Godói, e leva só o amarelo
– 16min do 2º tempo: Ronaldo, que já tinha o amarelo, faz falta em Edmundo fora da área é expulso. Na confusão, Tonhão, do Palmeiras, leva o vermelho também
– 29min do 2º tempo: Evair faz 2 x 0
– 38min do 2º tempo: Edílson faz 3 x 0
– 9min do 1º tempo da prorrogação: Edmundo é derrubado por Ricardo, e Aparecido dá pênalti. Ezequiel reclama e leva vermelho. Evair cobra e decide de vez o campeonato.

2 – Por que Aparecido não “deveria ser escalado”?
Aparecido era um dos principais árbitros da FPF desde 1990, quando apitou a decisão do Brasileiro entre São Paulo x Corinthians. Mas, em 1993, ele vinha de uma arbitragem muito contestada num jogo “semifinal” entre São Paulo x Corinthians. O resultado, Corinthians 1 x 0 São Paulo (30 de maio), classificou o Corinthians para a decisão. O gol do Corinthians teria sido feito por Neto em suposto impedimento. E Aparecido e seus auxiliares anularam um gol legal de Palhinha quando o jogo estava 0 x 0.

3 – Mas por que ele “favoreceu” o Corinthians, que seria “prejudicado” teoricamente por ele mesmo dias depois contra o Palmeiras? O que diabos a semifinal São Paulo x Corinthians teria com o Palmeiras e o suposto esquema-Parmalat?
Aí é que está. Palmeiras e São Paulo eram os dois grandes times da época. O São Paulo, de Telê. O Palmeiras, cheio de craques da Parmalat. No ano anterior, o São Paulo não deixou que o Palmeiras saísse da fila, ganhando o título paulista. Meses depois, já bicampeão da Libertadores, seria um adversário muito mais difícil para o Palmeiras que o Corinthians de Adil e Ezequiel. A teoria é que Aparecido teria feito o serviço: tirou o São Paulo da parada (já interessado no sucesso do Palmeiras) e completou o trabalho na decisão contra o Corinthians.

4 – Por que poderia ter sido João Paulo o árbitro da final?
João Paulo Araújo era também uma das estrelas da FPF, ao lado de Aparecido, Dionísio Roberto Domingos e Oscar Roberto Godói. Contra Araújo, uma arbitragem ruim no jogo Santos 2 x 3 Novorizontino, pela fase semifinal.

5 – O que ocorreu com Aparecido depois de 1993?
Gerente de banco, passou a receber até ameaças de morte. Se afastou por um tempo, mas voltou com tudo anos depois, tornando-se árbitro Fifa. Ele voltaria às manchetes em 1997, acusando (pela Placar) Ivens Mendes (então presidente da Comissão Nacional de Arbitragem) de mandá-lo ajudar a Argentina, contra a Colômbia, num jogo pelas Eliminatórias. Depois sua carreira declinou.

6 – Por que Reinaldo Carneiro Bastos, da FPF, pode ser considerado o “novo Ivens Mendes”?
Assim como acusam Reinaldo, Ivens Mendes barganhava apitos amigos para os times “interessados” em troca de escalas ou geladeiras para os árbitros. Ele até tinha um time de coração (a Francana era o fiel da balança) como Reinaldo (torcedor do Taubaté). Quem ajudasse a Francana, seria “recompensado.”

Desprezados e poderosos

Juízes podem mudar um jogo, um campeonato e a história de um esporte que mexe com emoções e milhões. Mas o grande perigo, no Brasil, é que pouco se sabe sobre eles

Edilson Pereira de Carvalho
Edilson Pereira de Carvalho

A Máfia do Apito deixa uma grande lição: é preciso prestar mais atenção nos árbitros, e não só durante os 90 minutos em que eles estão em ação. É necessário conhecê-los, fazer com que convivam entre si, saber suas ocupações fora do trabalho, onde moram, como vivem e com quem vivem. Dos protagonistas desse negócio milionário chamado futebol, o árbitro é, de longe, o menos conhecido. Para os dirigentes das Comissões de Arbitragens, os juízes são free-lancers. É um perigo ter pessoas sobre as quais pouco ou nada se sabe exercendo uma função com tanto poder, e em um negócio que envolve tanto dinheiro.

Paulo José Danelon deu palestras, projetou slides e falou até sobre ética na pré-temporada que os árbitros paulistas realizaram antes do Estadual deste ano. Tinha grande influência sobre os juízes novatos e, para a FPF, sempre foi um “grande sujeito”, funcionário do curso de odontologia da Unicamp. Na Federação, ninguém sabia que, além de vender jogos para uma máfia de apostadores, ele também foi demitido por justa causa de seu emprego, acusado de superfaturar despesas do departamento, em agosto.
No Brasil, todo juiz é obrigado a ter um emprego fora do futebol. Para a Federação, desde 1995, Edílson Pereira de Carvalho era técnico de telefonia da prefeitura de Jacareí, interior de São Paulo, onde mora. Na verdade, ele não descascou um fio na cidade: comprava notas fiscais falsas, demonstrando que havia feito serviços. Se tivesse idéia do que acontecia na vida de dois de seus árbitros, a Federação poderia ter evitado o escândalo.

Porta arrombada, parece que os dirigentes começaram a se mexer. A arbitragem paulista virou, literalmente, caso de polícia. O novo responsável pela Corregedoria da Federação Paulista, órgão que tem a missão de investigar a conduta e apurar denúncias contra os árbitros, é o ex-delegado Bento da Cunha. Especializado em crimes contra a fé pública, ele comandará a chamada “investigação social”, processo idêntico pelo qual passam os policiais dentro de suas corporações. Cunha promete contratar empresas particulares de investigadores, que vão se infiltrar no ambiente social dos juízes.
Cunha também será o responsável por analisar toda a documentação apresentada pelos homens do apito. “Nem quero saber quem serão estes investigadores e como trabalham, quero apenas ver seus relatórios sobre quem são os nossos juízes”, diz o presidente da FPF, Marco Polo Del Nero.

Corruptos potenciais
A medida parece ótima e deve ser incentivada ” se as investigações ocorrerem dentro da legalidade, é claro “, mas é necessário dizer que os dirigentes, de novo, largaram atrás dos criminosos neste quesito. A Máfia do Apito já tinha o seu “serviço de inteligência”, que levantava informações sobre árbitros muito antes de os dirigentes pensarem nisso.

Os fraudadores faziam um levantamento sobre juízes que teriam potencial de vender um jogo: pessoas com dívidas (como Paulo José Danelon), que gostavam de jogos de azar (como Romildo Corrêa, que não aceitou fazer parte do esquema), que seriam facilmente corruptíveis (como Edílson Pereira de Carvalho). Em 2004, sabendo que o ex-árbitro João Paulo Araújo passava por dificuldades financeiras e precisava trocar de carro, a máfia chegou a procurá-lo falando em dar-lhe um carro zero km, caso indicasse juízes corruptíveis ” ele também teria se recusado.
A Federação Paulista também promete um disque-denúncia (telefone 0800-726 011), para que pessoas possam delatar árbitros corruptos sem serem identificadas. Se existisse o serviço em março, talvez a fonte que procurou a revista Veja para denunciar a Máfia do Apito pudesse entrar em contato diretamente com a Federação.

O novo presidente da Comissão de Arbitragem em São Paulo também vem da polícia, o Coronel Marcos Marinho. Ele garante que, daqui para frente, quem quiser ser árbitro de futebol terá de ser submetido a um teste psicotécnico. O teste foi elaborado pelo médico David Uip, um dos mais respeitados do país, e é direcionado especificamente para árbitros. Visa detectar quem é resistente ou suscetível a pressões, quem consegue tomar decisões importantes em questão de segundos, quem fala a verdade quando é questionado por um superior.

Para completar o ar policialesco da arbitragem paulista, o novo ouvidor da Federação, que recebe reclamações, também bate continência: é o ex-coronel da Polícia Militar Silas Santana, que também já foi juiz. E promete que, para os árbitros, será exigida a mesma instrução que para os agentes da Polícia Federal. A partir de 2007, diz que só vai trabalhar nos jogos quem tiver diploma universitário. São todas boas idéias. Resta saber se serão mesmo implantadas, e como serão fiscalizadas.
A CBF anunciou medidas semelhantes: uma prova escrita sobre regras e legislação, testes psicotécnicos e também cursos por videoconferências.

Empregados ou free-lancers?
Também está em estudos a profissionalização dos árbitros paulistas. Hoje, para a CBF e as federações se livrarem de encargos trabalhistas, os juízes não têm nenhum vínculo empregatício. São profissionais autônomos, que duas vezes por semana apitam seus jogos e nem dão as caras na entidade. O único convívio a que são submetidos são as cerca de duas semanas na pré-temporada, geralmente em algum hotel do interior.
Hoje, no Campeonato Brasileiro, são os próprios dirigentes dos clubes mandantes que, antes dos jogos, vão ao vestiário do juiz entregar-lhe o cheque pelo trabalho a ser feito. Um cartola, parte interessada no serviço, embora a contratante seja em tese a federação, neutra. Edílson Pereira de Carvalho tem um armário em sua casa onde guarda as lembrancinhas que recebe dos cartolas. Camisas oficiais, flâmulas, bolas. E poderiam ser presentes mais caros ainda.

Quando Edílson admitiu que marcara um pênalti duvidoso do Botafogo na vitória por 1 x 0 sobre o Vasco, disse: “Não foi pênalti, mas quero mais é que se dane o Vasco! O Eurico (Miranda, presidente do Vasco) me deu calote nas duas últimas taxas!”
Se a profissionalização em si é utopia (poucos juízes brasileiros a defendem), é certo que árbitros e federações devem se aproximar mais. Profissionalizar seria muito difícil. Boa parte dos apitadores não aceitaria deixar suas profissões para se dedicar exclusivamente a uma carreira que acaba aos 45 anos e que não pode oferecer estabilidade: um erro grave, e você pode ir para a “geladeira”, ficar um tempo afastado (e sem ganhar “salário”).

O que os juízes querem é que a federação possa ajudá-los em seus treinamentos técnicos e físicos. Hoje, é cada juiz por sua conta. “Somos cobrados como profissionais, sem sermos profissionais, sem termos condições para isso”, afirma o paulista Sálvio Espínola, que trabalha em uma loja de tecidos de segunda à sexta e, para manter a forma, faz treinos diários no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Uma nova praga no ar
O que os cartolas não podem fazer, sozinhos, é combater os sites de apostas que se proliferam pelo mundo. O escândalo da Máfia do Apito é apenas parte de um problema mundial, que cada país administra de um jeito (veja textos nas páginas 60 e 61). Na Europa, este ano foi descoberto um “Edílson” alemão pelo Ministério Público do país-sede da Copa: Robert Hoyser, que vendia resultados para apostadores croatas. Ele pode pegar até 10 anos de cadeia.

Com os sites de apostas ficou muito mais fácil fraudar partidas. Eles existem desde que a internet apareceu. Em 1980, a Itália assistiu aquele que é, até hoje, o maior escândalo do futebol: o caso Totonero. A Totonero era uma loteria esportiva clandestina. Três mil funcionários trabalhavam para colher apostas em várias cidades do país. Hoje, um apostador na Letônia pode comprar um juiz no Peru e apostar online em partidas daquele país. “A situação está fora de controle aqui”, diz o secretário-geral da Associação de Futebol de Cingapura, John Koh. Entre os jogos que ele diz terem sido vendidos por juízes ou mesmo jogadores, há até uma partida amistosa, de 2004: Singapura 0 x 2 Malásia.

Há indícios de fraudes também no Vietnã e Hong Kong. Na Europa, a Finlândia é outro local sob suspeita. A Fifa se preocupa com o assunto e, em Congresso realizado no mês de agosto, determinou que a prioridade da entidade seria investigar a lavagem de dinheiro por parte de investidores suspeitos e a ação de apostadores que compram juízes ou jogadores para lucrar nos sites (na Inglaterra, estes endereços eletrônicos são legais). O brasileiro Ricardo Teixeira foi designado para ser um dos chefes da Comissão de Arbitragem da entidade (veja matéria na página 59).

Curioso é que o presidente da FPF, Marco Polo Del Nero, disse que nem ele nem Ricardo Teixeira sabiam da existência desses sites clandestinos. Mas o Aebet, endereço eletrônico mais usado pela Máfia do Apito, anunciava no portal Lancenet, do Grupo Lance!. E vinha procurando profissionais das emissoras de TV por assinatura para estabelecer parcerias. Curiosamente, por caminhos tortuosos e sombrios, os árbitros brasileiros podem obter finalmente a atenção que merece quem é responsável por zelar pelas regras do jogo mais importante do Brasil e do mundo.

 

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