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#TBT Placar ícone blog #TBT Placar Toda quinta-feira, um tesouro dos arquivos de nossas cinco décadas de história

Em 1996, Platini já fazia campanha pelo VAR… e alfinetava Havelange

Então presidente do Comitê da Copa de 1998, ídolo francês disse que o cartola apoiaria recurso eletrônico caso o Brasil fosse prejudicado

Michel Platini é um dos nomes mais famosos e controversos do futebol mundial. Como atleta, foi um craque incontestável, ídolo de Saint-Éttiene, Juventus e seleção francesa. Como dirigente, esbanjava personalidade forte e certa arrogância , e teve suas pretensões de presidir a Fifa arruinadas por um histórico escândalo de corrupção. Em novembro de 1996, Platini era o presidente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 1998 e já falava como um manda-chuva da bola. Em entrevista à edição 1121 de PLACAR, ele já se dizia a favor da implementação do árbitro de vídeo (o que só ocorreria duas décadas depois), com direito a uma provocação ao então mandatário da Fifa, o brasileiro João Havelange.

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“Sou a favor. O juiz teria contato com um colegiado que assistiria ao jogo pela TV em uma cabine. Dúvidas seriam resolvidas no replay. Isso seria útil para saber se a bola entrou; se um pênalti foi dentro da área; e se um jogador tinha a intenção de cortar a bola com a mão. Havelange é contra e já conversei com ele a esse respeito. Espero que um dia ele mude de opinião. Talvez no dia em que o Brasil for prejudicado por uma má arbitragem”, cutucou Platini em entrevista a Paulo Vinícius Coelho e Sérgio Ruiz Luz.

Platini também aprovava a implementação da chamada “morte súbita”, regra que dava a vitória a quem marcasse o primeiro gol na prorrogação, utilizada nas Copas de 1998 e 2002. “O gol é o objetivo básico do futebol. Sou favorável inclusive à extinção dos pênaltis. A prorrogação só terminaria quando houvesse um gol. Prefiro perder na morte súbita a ser derrotado nos pênaltis. Muitos ficaram marcados por toda a vida por desperdiçá-los”, disse o craque da seleção francesa nas Copas de 1978, 1982 e 1986 — na última, sua equipe eliminou o Brasil nos pênaltis. 

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O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos arquivos, reproduz abaixo a entrevista na íntegra:

O senhor champanhe

Presidente do Comitê do Mundial de 98, Michel Platini conta como recuperar o glamour da Copa do Mundo e explica por que o futebol-arte é passado

Por Paulo Vinícius Coelho e Sérgio Ruiz Luz, com fotos de Alexandre Battibugli

A Copa da França surgiu para recuperar a tradição perdida em algum lugar entre as experiências em terras americanas e o Frankenstein que se anuncia diante da apocalíptica divisão entre Coréia e Japão em 2002. “A diferença do que faremos em relação ao que aconteceu nos Estados Unidos será a mesma que há entre a Coca-Cola e o champanhe”, comparou o ex-jogador Michel Platini, 41 anos, presidente do Comitê de Organização do Mundial da França. Não poderia haver escolha mais feliz no nome do porta-voz do evento. Platini gastou a bola na Juventus de Turim e liderou a França nas copas da Argentina, da Espanha e do México. Com os cabelos cacheados já rareando na frente, Platini esteve no Brasil e abriu espaço na apertada agenda para uma conversa exclusiva com PLACAR. O craque, entre uma tragada e outra do cigarro Philip Morris (com o qual evita ser fotografado), criticou os dirigentes do futebol ” incluindo-se aí o “capo” da Fifa, João Havelange.

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PLACAR O que você quis dizer quando comparou as Copas de 94 e 98 com Coca-Cola e champanhe?
PLATINI Eu me referi às diferenças culturais. A Coca-Cola representava os Estados Unidos e o champanhe, a cultura francesa. É preciso lembrar que todos os ingressos foram vendidos em 1994 e tudo correu bem dentro do estádio. Na França, o Mundial não vai ficar restrito ao campo de jogo. O futebol será apenas o centro de uma grande festa cultural.

P A novidade da próxima Copa será a abolição das cidades-sedes. O Brasil, por exemplo, jogará em três cidades na Primeira Fase. Por quê?
P Para o jogador, é chato atuar várias vezes no mesmo estádio. Além disso, os turistas poderão conhecer o país. Se elegêssemos uma cidade para ser a sede do Brasil, sua prefeitura ficaria contente com o movimento, enquanto outras seriam prejudicadas.

P A França leva algum favoritismo por disputar o Mundial em casa?
P Leva. Não por jogar em casa. Pela primeira vez, andando pelas ruas do país, você ouve pessoas falando: vamos ganhar esta Copa! Por isso, somos favoritos.

P É histórica a aversão que os franceses têm pelos ingleses e seu idioma. O inglês é a língua oficial do esporte. Como resolver o problema?
P Nós, franceses, não precisamos falar inglês. Mas, é lógico, vamos respeitar as línguas oficiais da Fifa, o inglês, o francês e o espanhol. Só que o francês será o idioma oficial da Copa, pois nosso país é quem conquistou esse direito.

P Você não teme o público em jogos de seleções tradicionais como Brasil e Argentina. Mas tem receio do fracasso nas partidas de Seleções menores. É possível ter estádios cheios em todas as partidas?
P Esse é o maior desafio de um Mundial com 32 países. Estamos tentando negociar pacotes de ingressos, que misturam partidas das Seleções mais tradicionais.

Platini em entrevista à PLACAR de novembro de 1996
Platini em entrevista à PLACAR de novembro de 1996

P Na França, 32 países disputarão a Copa e há especulações sobre quarenta em 2002. A expansão traz mais resultados técnicos ou comerciais para o futebol?
P É uma decisão política. A Fifa é quem determina o número de países e nos pediu para organizar um Mundial com 32 nações. Sobre os quarenta países em 2002, acho impossível. Haveria jogos demais. Aliás, 32 já é muito.

P A Fifa sugeriu a Copa com 32 Seleções depois da escolha da França como país-sede. Vocês foram consultados sobre isso?
P Fomos consultados, sim. Depois que a decisão já havia sido tomada.

P A Copa da França será a primeira com morte súbita. Você é a favor do sistema?
P O gol é o objetivo básico do futebol. Sou favorável inclusive à extinção dos pênaltis. A prorrogação só terminaria quando houvesse um gol. Prefiro perder na morte súbita a ser derrotado nos pênaltis. Muitos ficaram marcados por toda a vida por desperdiçá-los.

P Mas na semifinal de 1986, entre França e Alemanha, houve uma prorrogação histórica terminada em 2 x 2. Nos dias de hoje, tal partida não poderia mais ocorrer…
P Houve, sim, uma prorrogação com quatro gols, mas é preciso levar em conta quantas prorrogações terminam sem gols. Normalmente, os times apenas fazem hora em campo esperando os pênaltis.

P Zico e Sócrates sentem-se frustrados por participarem de uma grande seleção que não ganhou o Mundial. Você e a geração francesa dos anos 80 sentem o mesmo?
P Não sinto ressentimento porque participei de seleções que ficaram no coração dos torcedores. Acho que esse raciocínio vale para Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo… Os times em que eles jogaram marcaram época.

P Você acha que a Seleção Brasileira tetracampeã do mundo em 1994 também ficará no coração da torcida?
P Bem… É um pouco cruel o que vou dizer, mas, veja (pensativo): Romário, Bebeto, Aldair… Havia ainda aquele goleiro, como é mesmo seu nome? Sim, Taffarel. Só lembro desses. Se eu buscar fundo na memória, sou até capaz de montar o time inteiro. Mas vai demorar. Já a Seleção de 82, tenho na ponta da língua. Assim como a de 70.

P As derrotas do Brasil, em 1982, e da França, em 1986, sepultaram o futebol-arte?
P Naquela época, tínhamos estrelas com personalidade, que impunham seu estilo para todo o time. Eram assim Pelé, Zico, Maradona, Platini… O time se adaptava a esses jogadores. Hoje, o time precisa se adaptar ao técnico.

P Romário, Redondo, Cantona e Ginola estão fora das suas Seleções. São bons exemplos da sua tese?
P Será que esses craques têm mesmo a personalidade para fazer a equipe girar em torno deles?

P E Maradona? Os escândalos com drogas vão mudar o jeito que as pessoas o verão daqui para a frente? E ele é o homem ideal para comandar o sindicato dos jogadores?
P O que ele fez dentro de campo nunca será esquecido. Se ele usou alguma substância para atingir essa performance, não sei. Quanto ao seu cargo no sindicato, acho difícil responder.

P Além de Platini, Pelé e Beckenbauer exercem cargos diretivos hoje. Isso é bom para o futebol?
P É formidável. Difícil é ser técnico. É mais fácil ser presidente, ministro. Há muito menos riscos.

P Você conhece a nova lei do passe do Brasil?
P Ouvi falar. Conseguimos isso há 25 anos na França com uma greve dos jogadores. O Saint-Etienne não recebeu um tostão da Juventus quando fui para a Itália, porque meu contrato havia se encerrado.

P O que você pensa sobre mudanças de regras no futebol?
P Podem aumentar o tamanho das traves, colocar nove jogadores de cada lado, bater laterais com os pés. E, em seguida, inventar outro nome para o esporte. Acho que essas mudanças descaracterizam o jogo. Sou favorável apenas às alterações que recuperaram o que o futebol tinha de melhor. É o caso da proibição de os goleiros pegarem com as mãos as bolas recuadas. O futebol ganhou dez minutos de bola rolando.

P Você é contra a proibição total do carrinho?
P Defendo isso desde 1991, quando era técnico da França. A coisa já melhorou com os cartões amarelos para os carrinhos por trás, e vermelhos para os maldosos. Mas falta padronização nas arbitragens.

P E a introdução de recursos eletrônicos nas arbitragens?
P Sou a favor. O juiz teria contato com um colegiado que assistiria ao jogo pela TV em uma cabine. Dúvidas seriam resolvidas no replay. Isso seria útil para saber se a bola entrou; se um pênalti foi dentro da área; e se um jogador tinha a intenção de cortar a bola com a mão. Havelange é contra e já conversei com ele a esse respeito. Espero que um dia ele mude de opinião. Talvez no dia em que o Brasil for prejudicado por uma má arbitragem.

P Na França, grandes clubes como o Bordeaux e o Olympique foram punidos por escândalos. No Brasil, fraudes fiscais são comuns e os clubes não pagam por isso. O que a França pode ensinar ao Brasil nesse aspecto?
P O Bordeaux, o Olympique e o Saint-Etienne, os três clubes mais vitoriosos do país, já foram punidos. Isso prova que é perigoso vencer na França (risos). Lá o futebol não está acima da lei e ninguém se surpreende se um jogador precisa pagar altas taxas de imposto.

P No Brasil, os jogadores reclamaram por terem que pagar os impostos dos equipamentos que trouxeram na volta da Copa de 94. Romário achou injusto para quem acabava de ganhar uma Copa. O que você pensa disso?
P Na França, não haveria esse risco. Primeiro, sequer nos classificamos para a Copa. Mesmo classificados, nossos jogadores não comprariam tanto, pois encontram esses produtos na França. Em último caso, acho que os brasileiros poderiam ser mais discretos.

 

 

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